sexta-feira, janeiro 20, 2023

Folha dispara tiro semiótico em Lula


A resposta veio rápida. Depois da entrevista que Lula concedeu a uma “colonista” da Globo News criticando a necessidade da autonomia do Banco Central, o dia seguinte foi ocupado por sabujos do jornalismo corporativo espumando de ódio nos canais de notícia. E o jornal Folha de São Paulo estampando na primeira página uma fotomontagem sugerindo que Lula sofria um tiro certeiro no coração, por trás de um vidro estilhaçado. “Estamos dando uma ideia, quem se habilita?”, parece sugerir com a foto posicionada ao lado da manchete principal ambígua. Na verdade uma notícia requentada para turbinar a escalada da tensão entre Governo e Forças Armadas. A fotógrafa Gabriela Biló fez uma fotomontagem. Mas a Folha a usou como fosse fotojornalismo para construir uma bomba semiótica metonímica: texto + imagem = terceiro significado. A bomba semiótica explode num contexto em que a grande mídia tem que buscar solução para duas questões: (a) esconder as psyOps das Forças Armadas debaixo da espuma midiática das investigações sobre a invasão de Brasília; (b) desvencilhar-se da mais-valia semiótica de Lula pós-invasão: a agenda de Estado.

 

Na manhã dessa quinta-feira (19) fomos brindados com uma foto na primeira página do jornal “Folha de São Paulo” em que vemos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a cabeça abaixada, ajeitando o nó da gravata. Ele aparece como se estivesse por trás de um vidro estilhaçado a partir de um buraco, passando a impressão não só de um dano provocado por um tiro de arma de fogo, como também que o presidente foi baleado, na altura do peito, do lado esquerdo.

Na legenda da foto, uma explicação técnica para o resultado fotográfico: “foto feita em múltipla exposição” e o contexto: “Lula ajeitando a gravata em vidro avariado após ataque”. Ao lado, a manchete principal da capa do jornalão: “No foco de Lula, presença militar no Planalto é recorde”, não deixando claro qual a relação entre o conteúdo dessa chamada e a foto ao lado.

Além de ser uma notícia requentada sobre a presença recorde de militares no Palácio do Planalto, dando ênfase a “desconfiança” e “militares”. A “notícia” ideal para fazer a sinergia necessária com a fotomontagem que simula ser fotojornalismo.

A mídia progressista, e inclusive esse humilde blogueiro, ficaram indignados com a foto cuja leitura imediata é o presidente eleito tomando um tiro certeiro no peito, na altura do coração. “irresponsabilidade”; “perversidade”; “baixeza”; “incitação ao ódio”; “apito de cachorro para extremistas”, e assim por diante, foram as reações mais amenas.

Curiosamente, as reações passaram a se voltar contra a fotógrafa Gabriela Biló e muito menos para a própria Folha, a autora de mais uma ocorrência de jornalismo metonímico – no caso, a contiguidade texto + imagem produzindo um terceiro significado (voltaremos a esse ponto adiante).

Assim a autora da imagem se pronunciou em seu perfil no Twitter sobre a repercussão e as críticas:

Como eu já previa, o hate veio forte com essa foto do Lula: na foto tem quem veja morte, tem quem veja resistência, só um trincado, tem quem veja um sorriso atrás, o Lula arrumando a gravata. Não vou dizer o que você tem que ver. Fotojornalismo não é feito pra agradar. Minhas fotos são o espelho do meu olhar. Essa só é a forma como eu vejo o mundo. Você pode ter o seu olhar, discordar do meu, tudo bem, o mundo é plural. Sendo assim, vou ignorar absurdos como "apaga isso", entre outros hates, especialmente depois do dia 08/01.

Esse pronunciamento da fotógrafa causa uma primeira estranheza: Gabriela Biló admite que não fez fotojornalismo, mas algum tipo de intervenção artística, uma montagem fotográfica que buscasse polissemia, múltiplos olhares e a “forma como eu vejo o mundo”; e a tese sobre “o mundo plural” e como fotos parecem ser o espelho de quem olha.

Ou seja, a foto é intencional demais para ser fotojornalismo. Se a foto permanecer no campo da arte é um belo exercício da técnica de múltipla exposição – uso criativo com a combinação de duas ou mais imagens em que o conteúdo sobreposto ganha um novo significado e fica mais interessante. Como objeto artístico, não se exige dele verdade, mas apenas a beleza retórica da manipulação dos signos.



Mas quando entramos no campo do Jornalismo, a foto torna-se falsa. Parece que elimina do leitor a sua capacidade de julgamento, porque parece que alguém já pensou e refletiu para o leitor. Em outras palavras, o leitor está olhando para uma imagem pré-processada, quando em um jornal esperamos fotos informativas, cuja combinação imagem, legenda e texto nos ajudem a criar um julgamento ou opinião próprios sobre um acontecimento.

E aqui entramos no segundo estranhamento: de repente o diretor de Redação da Folha decidiu transformar a primeira página do jornal numa exposição sobre diletantismo fotográfico? Estampar uma foto da mesma maneira como telas em exposição em um museu, quando lemos abaixo do quadro a ficha técnica “Título: s/t. Nanquim sobre papel. Dimensões 28,3 X 21,4 cm. Data: 2023”?

Aqui o ardil não é de Gabriela Biló. Como uma exímia fotógrafa que ama o seu ofício, é fascinada pelo exercício das técnicas que a fotografia oferece. Como no caso da técnica de múltipla exposição, considerada um erro (algumas câmeras de filme mais modernas possuem um dispositivo para evitá-la), transformar essa falha num instrumento criativo – talvez nesse caso, a contraposição entre um Lula descontraído e uma marca das depredações em Brasília no 08/01. 

Na verdade, o ardil é do “Aquário” do jornalão (a escolha editorial de estampar a fotomontagem como fotojornalismo na primeira página). Do seu paiol de bombas semióticas, a direção do veículo sacou mais um artefato explosivo, aliás recorrente nos últimos dias: o jornalismo metonímico no qual a criação de relações de contiguidade entre texto, elementos gráficos e imagens resultam em novos significados dentro da seguinte fórmula, 1 + 1 = 3.

No domingo, o programa Fantástico da Globo já havia detonado uma bomba semiótica semelhante: imediatamente após a exibição dos vídeos inéditos dos “ataques golpistas” e as investigações da PF na busca dos responsáveis do “plano terrorista de bolsonaristas radicais”, a apresentadora Poliana Abritta corta: “mas antes a notícia é, quatro mortos na explosão em um clube de tiros em Manaus...”. Marota contaminação metonímica: terrorismo de extremistas de direita em Brasília... e agora será que temos CACs mortos por terrorismo de esquerda?


Bomba semiótica metonímica no Fantástico

A foto de Gabriela Biló nada tem a ver com a manchete do bloco noticioso ao lado na capa do jornal. Na verdade, a manchete é mais uma da grande imprensa dos últimos dias, que visa tencionar as relações de Lula com as Forças Armada – dentro da estratégia geram de emparedar o governo Lula. Tudo a partir de matérias nas quais fontes das Forças Armadas opinam sobre políticas econômicas ou fontes militares anônimas dão opiniões se transformam nas mãos dos “colonistas” em declarações consolidadas das Forças Armadas. Militares palpiteiros viram informação de pauta para as vivandeiras do golpe.

Mas colocada ao lado da manchete, sofre uma contaminação semiótica: ao contrário da estratégia polissêmica artística pretendida pela fotógrafa, na Gestalt da primeira página ganha um sentido unívoco: “não seria melhor Lula morto? Quem se habilitará? Os militares?”.

Tomada isoladamente, como justifica a fotógrafa, a imagem permite múltiplas leituras. Mas na capa do jornalão, vira algo torpe, cruel, covarde e grosseiro.

Lembre-se, caro leitor, que a edição da Folha foi no day after da declaração de Lula na entrevista exclusiva à “colonista” da Globo News Natuza Nery. Lula cometeu a imperdoável heresia em declarar que não via sentido num Banco Central autônomo. O resultado no dia seguinte: analistas espumando de raiva nos canais fechados de notícia, dólar fechando em alta e a Bolsa em baixa na maior parte do dia... E a expressão metonímica do desejo recôndito da Folha de que tudo seria melhor sem Lula.

Questões midiáticas, soluções semióticas

Nesse momento, a grande mídia está buscando a solução semiótica para duas questões prementes:

(a) Esconder as Forças Armadas debaixo da espuma midiática das investigações sobre a invasão de Brasília – afinal, elas fizeram parte da aliança (ao lado da grande mídia, Judiciário e a Banca) do golpe de 2016. 

(b) Reverter a mais-valia semiótica que Lula conseguiu diante da invasão de Brasília: criou uma agenda de Estado que unificou os três poderes em torno da defesa da Democracia – forçando, a contragosto, a grande mídia aderir à agenda.


Forças Armadas como sistema operacional oculto

A solução para o problema (a) tem sido a construção da narrativa baseada em “bolsonaristas radicais” (um pleonasmo, para indicar a existência de bolsonaristas que fazem manifestações “democráticas”) e na expressão “O Capitólio brasileiro” – que implica no conceito de “bolsonarismo” como um movimento de extrema-direita articulado internacionalmente. Cujo líder espelharia no Brasil todas as estratégias trumpistas nos EUA.

O “bolsonarismo” seria um extremismo político de inspiração internacional no qual o líder Bolsonaro tentaria “seduzir” os altos comandos das Forças Armadas brasileiras, ameaçando jogar na sarjeta a imagem pública de uma instituição respeitável e legalista.

 Por isso a grande mídia se interessa pelas “repercussões internacionais”, dando destaque para reportagens, como o do jornal Washington Post que se concentra no protagonismo de Bolsonaro nos ataques “ao estilo dos de 06 de janeiro”, na invasão do Capitólio.

E toca os canais de notícias e o telejornalismo dos canais abertos a repetirem ad infinitum as imagens da invasão, buscando sempre novos ângulos e detalhes. Dando closes e ampliando rostos identificados pela PF. 

Enquanto isso, as Forças Armadas continuam como uma espécie de sistema operacional que roda oculto por trás de uma interface gráfica: interagimos com uma camada de abstração (“bolsonarismo”, “generais golpistas”, “terroristas” etc.) sem ter consciência de como o sistema é gerenciado – através de psyOps as Forças Armadas criam os problemas para se apresentarem depois como solução moderadora.

E a solução para o problema (b) passa por um segunda narrativa: os “bolsonaristas radicais” não estão atacando Lula, mas a própria Democracia. Assim como o presidente americano Joe Biden não ligou “para Lula”, mas para “defender a Democracia”. Com essa solução narrativa, o jornalismo evita fazer a “mea culpa” por ter atiçado o antipetismo por quase duas décadas. 

E conseguem criar uma rota de fuga da agenda de Estado que Lula criou desde que ele cruzou a Praça dos Três Poderes, caminhando, lado a lado com os representantes dos três poderes: “Não apoiamos Lula, mas a Democracia”. 

“Democracia” é mais uma camada de abstração criada por aquele sistema operacional.

 

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