sexta-feira, agosto 27, 2021

'Gritos dos Excluídos' é um OVNI na guerra híbrida do sete de setembro


O governador de São Paulo, Doria Jr., tirou do icônico palco político-midiático da Avenida Paulista (SP) a tradicional manifestação (desde 1995) do “Grito dos Excluídos” e definiu que apenas bolsonaristas poderão se manifestar lá no dia sete. Para além da “ambiguidade” de Doria Jr. (faz oposição a Bolsonaro muito mais por uma razão conjuntural do que ideológica), há um aspecto simbólico mais profundo: dentro do atual roteiro da guerra híbrida e do domínio total de espectro, o “Grito dos Excluídos” é simplesmente um OVNI inconveniente que tem que ser escondido pela grande mídia. Porque vai além da pauta “superestrutural” (Fora Bolsonaro, guerra cultural, anti-negacionismo etc.) - o “Grito” exige renda, trabalho, moradia, saúde dentro da nova reconfiguração do capitalismo que cria “excluídos”. Questões infraestruturais que a guerra híbrida que ocultar para blindar a política neoliberal. Enquanto isso, a grande mídia brasileira se recompõe e descobre o novo tom propagandístico para o Afeganistão: “fuga” virou “resgate” e “colaboradores” viraram “refugiados” para ocultar o retorno do modo “false flag” do Estado Islâmico.

Nos anos 1990 esse humilde blogueiro foi assessor de imprensa da ONG chamada Indica (Instituto para o Desenvolvimento Integral da Criança e do Adolescente), criada pela Irmã Maria do Rosário Leite Cintra, uma das relatoras do Estatuto da Criança e do Adolescente durante a Assembleia Nacional Constituinte nos anos 1980.

A ONG prestava serviços à Pastoral do Menor da Igreja Católica, orientada pelas diretrizes gerais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 

Por conta da atividade de assessor responsável em cobrir e noticiar todos os eventos relacionados à ONG, esse editor do Cinegnose acompanhou o surgimento do “Grito dos Excluídos” na Semana Social Brasileira promovida pela CNBB, com a participação de movimentos sociais, organizações e entidades envolvidas com a justiça social.

O “Grito dos Excluídos” surgiu para servir no 7 de setembro como um contraponto ao grito da Independência – para os movimentos sociais, esse grito não se concretizou. 

Mas, principalmente, este blogueiro acompanhou a gestação do conceito de “exclusão”, um conceito profético para aquela época – um momento de neoliberalismo triunfante, com a integração das praças financeiras pela Globalização, enquanto o filósofo Francis Fukuyama decretava o fim da História com a vitória da cultura do consumo em escala mundial.

Distinguiam o “explorado” do “excluído” – o excluído seria um crescente número de pessoas afastadas da vida social pelas novas formas de produção do capitalismo nas quais surgiria um contingente da força de trabalho que nem mais para serem explorados serviriam. Conceito profético, porque agora, no século XXI, acompanhamos a tendência concreta no chamado Capitalismo de Plataforma ou Quarta Revolução Industrial. E as denúncias das práticas da necropolítica para simplesmente eliminar esse contingente de excluídos.

Há 12 anos, em São Paulo, o Gritos dos Excluídos é realizado na Avenida Paulista, palco icônico de manifestações políticas. Porém, agora o governador João Doria (PSDB) definiu que apenas bolsonaristas poderão se manifestar na Avenida Paulista, no próximo dia 7 de setembro, impedindo a realização do tradicional Grito dos Excluídos no local.


 

Doria apoiou-se numa decisão judicial de junho do ano passado, que proíbe ocupação da Avenida Paulista por lados políticos opostos no mesmo dia e estabelece a alternância do local. Por esse princípio de alternância, as manifestações anti-Bolsonaro só deverão ocorrer no local dia 12.

Com a decisão, o governador Doria Jr., supostamente na oposição ao Governo Federal (e dizendo-se arrependido pelo slogan “Bolsodoria” nas eleições), alinha-se com o jogo político de Bolsonaro fortalecer o ato de São Paulo depois de ter cancelado os desfiles militares em Brasília.

Porém, os representantes do “Grito dos Excluídos” e movimentos sindicais do “Fora Bolsonaro” decidiram manter a data, dessa vez no Vale do Anhangabaú, região central da cidade de São Paulo, contrariando o governador.




Um OVNI na guerra híbrida

Para além da “ambiguidade” de Doria Jr. (faz oposição a Bolsonaro muito mais por uma razão conjuntural do que ideológica – o extremismo de direita do governador é apenas envernizado pela expertise midiática como ex-apresentador de TV), há um aspecto simbólico mais profundo dentro da guerra semiótica criptografada de informações: dentro do atual roteiro da guerra híbrida e do domínio total de espectro, o Grito dos Excluídos é simplesmente um OVNI inconveniente, um objeto estranho e inconveniente que tem que ser escondido pela grande mídia.

Por que um OVNI inconveniente? Por causa de sua pauta de reivindicações infraestrutural: renda, trabalho, saúde, comida, moradia, já! Ou seja, tudo aquilo que a atual reconfiguração do capitalismo (o “grande reset global” ou “Quarta Revolução Industrial”, convenientemente acelerado pela pandemia Covid-19) não garantirá para um amplo contingente populacional pela exclusão estrutural.

Como este Cinegnose vem insistindo, a guerra criptografada de informações trata-se de um sequestro de pauta para arrastar todo o espectro político para temas superestruturais: guerras culturais, identitárias, frentes partidárias pelo impeachment e, a cereja do bolo, o fantasma anabolizado do golpe militar – como se ele já não tivesse ocorrido, de uma forma híbrida, bem longe dos clichês de um golpe de Estado old school.

Desfile de tanques de guerra em frente ao Palácio do Planalto, Bolsonaro querendo impeachment de Alexandre de Morais, o labirinto inextrincável de influências descoberto pela CPI da Covid, policiais militares ameaçando de sublevação, quatro anos depois o STF descobre que há milícias digitais e a PF abre investigações, um decadente cantor sertanejo exorta o povo invadir o Supremo para “quebrar tudo” e, numa épica resposta dos ministros ameaçados, o proíbe de se aproximar da Praça dos Três Poderes num raio de um quilômetro... 

 


Criado esse quadro caótico de informações, que ganha alarmes diários de “urgente” e “breaking news” da grande mídia, desvia a esquerda, oposição e a própria opinião pública das questões infraestruturais: como o rolo compressor da política neoliberal do, até aqui, blindado Paulo Guedes está precarizando o trabalho e os direitos trabalhistas, mantendo o “jogo” da disparada inflacionária e as políticas de privatizações que entregam para a população os primeiros resultados amargos - altas tarifas de energia e preços dos combustíveis... e amanhã, água, esgoto, correios. E, num jogo midiático de “terra arrasada”, Guedes grita que a única solução é a “autonomia do Banco Central”.

Infra e Superestrutura

Estamos tomando aqui os conceitos de infra e superestrutura no sentido dado pelo materialismo histórico de Marx e Engels: infraestrutura como o conjunto das relações de produção e as relações de classes estabelecidas numa sociedade; enquanto a superestrutura é a consciência social em geral, modos de pensar, visões de mundo e componentes ideológicos de classe ou do Estado: superestrutura legal, ou política.

Se Marx e Engels recorriam a metáfora do edifício para explicar a sociedade (a base desse edifício seria a infraestrutura sobre a qual é erguida a superestrutura ideológica), a guerra semiótica criptografada não apenas inverte este edifício, mas quer desviar da opinião pública a relevância das questões infraestruturais – e manter blindada a política econômica cujo escopo geopolítico e transformar o País numa “Banana Plantation” no cenário mundial.

Quer criar a ilusão de que o edifício flutua nas nuvens das guerras culturais e das manifestações da esquerda e oposições cujas pautas acompanham as bandeiras dos colunistas da grande mídia.




Por tudo isso, a pauta da manifestação do “Grito dos Excluídos” está totalmente fora do script da guerra híbrida de informações. Para a grande mídia e a PsyOp militar, o “Fora Bolsonaro” tem semioticamente mais sentido do que protestos por trabalho, renda, saúde e moradia.

O “Fora Bolsonaro” soa como música aos ouvidos militares e da alt-right. Ora, Trump passou os quatro anos do seu governo não só sob a ameaça de impeachment como também de sofrer impedimento por diagnóstico psiquiátrico – forma ideal de imobilizar a opinião pública sob o suspense da novela de um impeachment que nunca aconteceu. Nem mesmo depois que entoou o “apito de cachorro” para dar o start da invasão do Capitólio.

É o modus operandi alt-right.

“Fora Bolsonaro” funciona como uma espécie de varinha de condão que resolveria, num passe de mágicas, todos os problemas. Ilusão superestrutural e ideológica para manter intacta as relações de classe e de produção neoliberais – precarizadas, empurrando parte crescente da força de trabalho para a exclusão e a execução necropolítica.

Essa certamente é a razão simbólica mais profunda para Doria Jr., no momento delicado do thriller da contagem regressiva para um golpe policial-militar no dia sete, vetar o “Grito dos Excluídos” do grande palco político-midiático nacional da Avenida Paulista. 

Fosse, talvez, mais uma manifestação exclusivamente “Fora Bolsonaro” com todas as bandeiras alimentadas pela pauta da grande mídia (identitárias, anti-genocídio, anti-negacionismo, mais vacinas etc.), poderia ocupar a principal avenida da cidade. Para provocar, arregimentar e elevar o moral da malta bolsomínia civil-policial-militar. Tudo para dar o alto rendimento semiótico do jogo da polarização... 

Para quem sabe, gerar uma terceira via militar para fazer frente a uma sublevação das PMs estaduais e a situação de caos deliberadamente gestado: blackouts, catástrofe econômica e possível convulsão social.

Mesmo assim, “O Gritos dos Excluídos” ocorrerá dia sete no Vale do Anhangabaú, como mais um movimento dentro da “Campanha Nacional Fora Bolsonaro”. Isto é, sua pauta infraestrutural (o ponto fora do mainstream narrativo da guerra híbrida) terá sua virulência neutralizada.

Esse é o gênio da guerra híbrida: o domínio total do espectro fazendo o inimigo agir reativamente, sempre dentro do campo da superestrutura. Enquanto rapidamente o capitalismo se reconfigura, bem longe do palco que exibe um show que nunca termina.




Como ocultar o fracasso dos EUA no Afeganistão

Como discutíamos em postagem anterior, a blitzkrieg talibã no Afeganistão e a fuga atabalhoada das forças aliadas no país, fizeram a grande mídia brasileira entrar em parafuso. Acompanhamos na semana passada analistas, apresentadores e correspondentes consternados e perdidos, agindo reativamente: e as mulheres? E as meninas? Um retrocesso para a liberdade e a democracia! Um caos humanitário!

Não é por menos: depois de décadas dando apoio propagandístico à guerra contra o terror e da Doutrina do Destino Manifesto norte-americano, não é fácil ver tropas americanas em fuga, abandonando sua missão “civilizatória” nos confins do planeta.

Sem entenderem o reposicionamento geopolítico dos EUA, sinalizado na Era Trump, restou aos jornalistas o papel de órfãos.

Uma semana depois, a grande mídia se recompôs e compreendeu o novo reposicionamento da propaganda política: “Os EUA realizam o maior e mais difícil resgate da História!”. 

Esse foi o tom do novo discurso, ocultando o absoluto fracasso da inteligência militar norte-americana: com todos os seus drones, milhares de soldados, funcionários da burocracia da Green Zone e informantes, foi incapaz de antever o rápido movimento estratégico do Talibã. A desastrada fuga dos aliados do Afeganistão está sendo ressignificado como “resgate”.

E os afegãos colaboradores das tropas aliadas na Green Zone de Cabul (funcionários e prestadores de serviços) viraram “refugiados”.

Dois flagrantes dessa apressada ressignificação:

(a) A correspondente da Globo News, Raquel Krähenbühl, entra ao vivo, apressada e esbaforida, acompanhando “refugiados” chegando no aeroporto de Washington. O cinegrafista enquadra principalmente crianças e mulheres em zoom dramático. A repórter aproxima-se de um afegão, acompanhado de dois pequenos filhos (o entrevistado exemplar...), e o entrevista. O afegão fala fluentemente inglês, em nada parecendo um sobrevivente de um caos humanitário. Certamente, um funcionário da burocracia da Green Zone da ocupação Aliada. Qual será o destino desses colaboradores nos EUA? Campos de concentração com afegãos? Nenhum analista da grande mídia ousa especular.

(b) Mais uma vez, Globo News. O apresentador Cesar Tralli conversa, em uma tela dividida, com a correspondente em Nova York Sandra Coutinho e a professora de História Árabe da USP, Arlene Clemesha. Coutinho se desmancha diante da performance do presidente Joe Biden na coletiva com a imprensa. Para ela, ao contrário de Trump, Biden é “transparente”, e não um ator. Destacou um presidente “emocionado” e “chocado” pelos mortos no atentado do ISIS no aeroporto de Cabul. Um presidente preocupado com as tropas no Afeganistão que, nos 20 anos, “protegeram os cidadãos do terrorismo”.

Corta para a professora, que foi direta ao ponto: “Mais de 50 mil civis morreram na ocupação do Afeganistão nesses 20 anos. Não vejo uma preocupação dos EUA com a população do país...”.

Essa é a contradição que os cães sabujos da grande mídia querem fazer vistas grossas: se a “Inteligência” militar dos EUA, depois de 20 anos de ocupação, não foi capaz de antever a blitzkrieg talibã, ela agora está sendo capaz de “prever” (como aconteceu) atentados do Estado Islâmico em Cabul? How Com-VEEEEN-ient! E agora Biden fala até em perseguir e vingar os 180 mortos!

Será que a Inteligência militar norte-americana ficou repentinamente mais inteligente?... Ou o Estado Islâmico voltou ao velho papel de protagonista de false flags, assim como nos atentados na Europa? 

 

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