sábado, maio 22, 2021

Efeito Heisenberg na CPI: atirou no que viu, acertou no que não viu... e nem percebeu

Ao querer terceirizar as funções investigativas da CPI da Pandemia (ou do Genocídio?) para agências de checagem, o relator Renan Calheiros revelou a natureza midiocêntrica da Comissão: um grande efeito Heisenberg no qual prints de portais de notícias entram como “provas” e as “perguntas” dos senadores são na verdade longos discursos para gerar vídeos virais nas suas redes sociais. Não há nenhuma estratégia para cercar os depoentes com perguntas indiretas para induzi-los a contradições. Por isso, a CPI passou batida por duas verdadeiras confissões de culpa do ex-ministro Pazuello: justamente nos momentos em que ele ficou mais relaxado e desandou a falar, assumindo a persona de herói militar – orgulhoso, expôs a sua “missão cumprida” dentro da psy op da guerra semiótica criptografada militar. O orgulho de caserna do general falou mais alto. E a CPI atirou no que viu e acertou no que não viu... e nem percebeu!

A posição desse Cinegnose é de que a CPI da Pandemia (ou será do Genocídio?) é um grande telecatch: um pseudo-evento cujo propósito central na guerra criptografada do conjunto das psy op dos militares é o diversionismo: enquanto as lentes das câmeras estão concentradas nas longas horas de depoimentos e inquisições, a Câmara dos Deputados vai “passando a boiada”: aprova o texto-base que privatiza a Eletrobrás – que responde a 30% da energia gerada no País. 

A grande mídia deu a notícia de passagem, já que o foco era a estrela Pazuello. No tempo breve em que foi noticiada aqui e ali, o tom sempre foi de que se tratava de algum tipo de fenômeno da natureza, assim como a previsão do tempo. 

Mas, destaque mesmo, foi dado pelos colunistas carniceiros neoliberais dos telejornais de final de noite (hora em que o povão já está na cama) comemorando que, afinal, o País se tornará “confiável aos investidores”...

Mas por que a CPI é um telecatch? Em postagem anterior, dizíamos que até aqui a CPI apenas requenta fatos conhecidos, até pelo reino mineral, desde o ano passado. Além de depoimentos cheios de conflitos de interesse, como o do CEO da Pfizer, em meio ao fechamento de um contrato de bilhões de reais da empresa farmacêutica com o Governo Federal – clique aqui.

Ou o caso de Fabio Wajngarten, que se auto convocou para a CPI com a bombástica entrevista para a Veja... que depois negou diante de senadores exasperados querendo prendê-lo – timing e provocação, táticas clássicas alt-right.



E fechamos a análise anterior apontando para o flagrante Efeito Heisenberg na CPI: 

(a) A grande maioria dos senadores empunhou como evidências para apontar “contradições” ou “mentiras” dos depoentes, prints de portais de notícias da Internet ou das versões digitais de jornalões como O Globo. Cadê as fontes primárias? Contratos? Minutas? Atas de reuniões? A grande exceção foi o senador Randolfe Rodrigues (Rede–AP), responsável pelas maiores saias justas do general Pazuello ao forçá-lo a se trair mediante apresentação documentos primários oficiais, nos momentos certos.

Efeito Heisenberg é o efeito colateral de um pseudo-evento, acontecimento cuja característica dominante é a centralidade midiática. Inclusive nos documentos que são apresentados como provas para apontar supostas mentiras dos depoentes.

(b) A maioria das formulações de perguntas aos depoentes eram iniciadas por longas afirmações de juízo de valor: protestos indignados para incriminar, de antemão, os interrogados. Antes mesmo de formular qualquer pergunta. A maioria das perguntas eram de um primarismo direto do tipo: “Vossa Senhoria se sente responsável...?” ou “Vossa Senhoria esteve na reunião...?”. Perguntas diretas, quase como bolas levantadas na rede à espera de que o depoente desse uma cortada. 

Ou ainda perguntas do tipo múltipla escolha, à espera de que o interrogado escolhesse a opção mais confortável. E isso não estamos falando das questões dos senadores do grupo de choque de apoio ao Governo. As “questões” desse grupo eram ainda mais primárias: laudatórias, agradecimentos e outras bizarrices.



Quinze minutos para viralizar

Verifica-se que não há nenhum esforço coletivo de cercar os interrogados com questões indiretas, até induzi-los a contradições. Pelo contrário, parece que cada senador está à espera dos seus 15 minutos para fazer discursos indignados que serão, em seguida, compartilhados em suas redes sociais. Como o da senadora Katia Abreu (PP-TO), acusando o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de ter levado o País “ao iceberg que provocou o naufrágio”. Imediatamente, o vídeo viralizou nas redes sociais. Inclusive na blogosfera progressista.

Efeito Heisenberg: a CPI nunca se tratou de ser um interrogatório investigativo e metodologicamente organizado, mas de oportunidade para cada senador produzir imagens visando massificação ou viralização nas suas redes sociais ou bases eleitorais.

Efeito Heisenberg: a mídia não consegue mais reportar o real – transmite apenas os efeitos que ela produz ao cobrir os eventos e, também, o esforço que as pessoas fazem para obter a atenção da mídia – mais detalhes sobre esse conceito clique aqui.

Não é por menos que o relator Renan Calheiros (MDB-AL) planeja contratar uma agência de checagem de fatos “em tempo real” (?)... Isto é, visto que os senadores não cumprem a função primária de uma CPI, Renan quer transferir para agências de checking o trabalho de investigação. Em última instância, é uma investigação tautista: uma agência que irá checar as informações que a própria mídia publicou sobre os dados manifestados pelos depoentes. 

Em outras palavras: Renan Calheiros assume a incompetência da Comissão ao terceirizar as funções que deveriam ser inerentes a uma verdadeira CPI.

Este humilde blogueiro tenta imaginar qual agência de checking será contratada... provavelmente uma daquelas com o selo de qualidade da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)... Aquela associação para qual “vazamento” é a mesma coisa que “furo de notícia” e “apuração” é a mesma coisa que “investigação” – sobre isso clique aqui.




Acertou naquilo que não viu

Porém, ironicamente, os melhores momentos do depoimento do ex-ministro Pazuello (momentos em que o general assinou a própria confissão de culpa) não partiram de perguntas inquisitivas dos senadores. Mas de momentos em que Pazuello estava relaxado e começou a se empolgar no papel de herói militar, fazendo sua confissão de fé ideológica motivadora de tudo que fez (e o que deixou de fazer) na pasta da Saúde.

Foram dois momentos. Vamos descrevê-los a partir, cronologicamente, do segundo momento por exigência do encadeamento de raciocínio dessa postagem.

No sistema remoto, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) iniciou sua fala de forma despretensiosa, elogiando a resistência do ex-ministro por enfrentar tantas perguntas: “isso demonstra que o senhor é um grande aluno do Exército Brasileiro!”, disse. Coronel questionou se ele não se sentia “abandonado” por todos que estiveram na CPI que atribuíram a ele as reponsabilidades. 

Depois que Pazuello deu as costumeiras respostas vagas, dizendo, por exemplo, que “não toma decisões sozinho”, o senador Coronel soltou a corda para o general se enforcar: “Depois de afirmar que cumpriu a missão no Amazonas, o senhor teve apoiadores que querem lançá-lo como governador. O senhor se candidataria como governador ou senador?”, indagou.

“Eu não tenho a sua coragem senador, é muito sério isso aí... eu não faria esse movimento de cair de paraquedas como governador ou senador... isso exige muito conhecimento, não posso entrar nessa onda, isso aí é complicadíssimo”, foi o sincericídio de Pazuello: mas, então, ele pode “cair de paraquedas” no Ministério da Saúde... afinal, não deve exigir tanto conhecimento assim... 

A partir desse ponto Pazuello se entusiasmou e se estendeu explicando o conceito de “missão cumprida”... de um militar para outro militar. Ele achou que o senador era de fato “coronel” (cometendo uma impagável gafe) e desandou a falar: 

“Queria aproveitar a sua formação e seu conhecimento da área militar, só para esclarecer às pessoas, que quando um oficial, da Polícia Militar ou do Exército, recebe uma missão, por exemplo, combater uma gangue, uma facção, cumprir a missão dele não é acabar com o crime organizado daquele estado. É aquela fatia da missão que ele cumpre e depois retrai. É uma fatia. A compreensão de missão é muito militar, por isso que as pessoas talvez não tenham compreendido quando a gente coloca missão cumprida”, afirmou.

 



Essa afirmação é a admissão de culpa, não por dolo, mas pelo espírito militar que orientou o Ministério da Saúde: ele cumpriu uma “missão” (quem deu a ele a missão? Qual missão?) para enfrentar um inimigo (gangue, facção etc.) sem nenhuma pretensão em ter conhecimento do todo (afinal, não é médico) , mas de apenas cumprir uma “fatia”. Por não ser médico, ele não quis acabar com a pandemia, mas apenas cumprir a sua “fatia”.

Cumprir a apenas a “missão”, quer dizer, a “fatia”, resultou na catástrofe que sanitária para os civis. Mas para a logística militar, foi um sucesso. Ele pensou que falava com um companheiro de caserna. E cometeu um incrível sincericídio que passou batido pela CPI. Tudo ficou apenas como uma folclórica “gafe”. Não é à toa que Renan Calheiros pretende terceirizar a CPI...

A confissão da psy op

O primeiro momento, logo no início com as inquirições do relator Calheiros, foi também a confissão da promiscuidade das ações de Pazuello à frente do Ministério da Saúde com as estratégias alt right de operações psicológicas do presidente Bolsonaro.

Calheiros insistia na questão da interferência direta do presidente nas decisões da pasta da Saúde nos momentos mais críticos da pandemia. “O presidente nunca me deu ordens diretas para nada”, insistia o ex-ministro. Ao que Calheiros confrontava com o infame vídeo postado nas redes sociais em que aparece ao lado do presidente dizendo “é simples assim: um manda, outro obedece”.

Pazuello começou dizendo que a fala era apenas “posição de Internet”, “jargão simplório de Internet” e “jargão militar” como “resposta política” ao vídeo de críticas ao Ministério do governador Doria que estava “bombando” nas redes sociais. 

Mas não se conteve e, com o orgulho do didatismo de caserna, revelou a estratégia de operação psicológica: “queria lembrar que o presidente da república fala como chefe de Estado, fala como chefe de Governo, fala como comandante em chefe das Forças Armadas, mas fala também como AGENTE POLÍTICO [grifo meu]... então quando ele recebe uma posição do agente político de São Paulo, ele se posiciona também como agente político. Então, a posição de agente político naquele momento não interferiu em nada nas negociações com o Instituto Butantã”. 




A partir desse ponto, Pazuello insistiu com o relativismo contextual - qual presidente está falando em dado momento: o “agente político”? O “chefe das Forças Armadas”? O “chefe da administração federal”? Embora sejam declarações públicas, não significariam “ordens ao ministério”, mas apenas respostas ou posicionamentos políticos.

Ora, a CPI esteve diante da própria confissão de uma operação psicológica (guerra criptografada de proposital embaralhamento de informações) que alimenta a cadeia de desinformação cujo efeito principal é a redução na adesão da população às medidas de prevenção contra a pandemia. 

Quem comprova isso são pesquisadores do Midiars (Laboratório de Mídia, Discurso e Análise das Redes Sociais), ligado à Ufpel (Universidade Federal de Pelotas), Rio Grande do Sul. A pesquisa mostra como disputas político-partidárias em torno da pandemia criam desinformação. Mesmo diante de um quadro de mais de 400 mil mortos e colapso das redes de atendimento. O estudo analisa o funcionamento dessa cadeia de desinformação na qual participam autoridades políticas e da saúde, além de veículos de informação apócrifos que distribuem informações falsas.

A pesquisa demonstra como esse bombardeio de informações contraditórias levam à relativização da prevenção da doença como uma questão de filiação político-partidária.




“Nesse ambiente, usar máscara, por exemplo, acabou sendo uma filiação a um discurso político. O tema ficou politizado porque houve uma apropriação dos políticos desse discurso para, muitas vezes, criar cortinas de fumaça e desviar o foco de outras coisas”, afirmou Raquel Recuero, doutora em comunicação e uma das coordenadoras do Midiars – clique aqui.

Em outras palavras, se o presidente aparece em público sem máscara, defendendo tratamentos preventivos fora dos protocolos científicos e falando em vacinas chinesas comunistas que secretamente implantam microchips, seria, para Pazuello, um discurso de “agente político”. Um mundo paralelo que não interferiria nas políticas públicas de Saúde.

Diante de uma CPI, general Pazuello confessou o cerne da guerra semiótica militar de um ex-ministro que viu o próprio cargo como uma “missão” que não foi a de acabar com a pandemia... mas cumprir apenas uma “fatia” para depois se “retrair”. 

A CPI da Pandemia (também autodominada como a do “genocídio”) simplesmente passou ao largo das principais confissões das estratégias propositais de desconstrução, relativização cujo propósito vai muito mais além das fake news: o objetivo é a irradiação de pós-verdades. 

Denunciar as “14 mentiras ditas por Pazuello” e pedir para que as agências de checagem as comprovem é uma decisão simplesmente pueril. Porque os nobres senadores não conseguem entender as operações psicológicas que as próprias mídias contribuem. 

Pelo fato de a CPI ser um acontecimento midiocêntrico (um pseudo-evento) é incapaz de fazer uma metalinguagem: sair da matrix midiática. Por quê? Porque, afinal, todas as performances dos senadores são voltadas para o rendimento midiático, e não para desmascarar essas operações psicológicas que fazem parte de uma ampla engenharia do caos – como gerenciar situações caóticas para conseguir o domínio total do espectro político.

As CPIs não estão mais diante de depoentes folclóricos, como na famosa “CPI dos Anões do Orçamento” de 1993. Na qual o deputado federal João Alves de Almeida deu uma antológica justificativa para a sua fortuna: “Deus me ajudou, sempre tive muita sorte... ganhei duzentas vezes na loteria... Deus me deu muito dinheiro”. 


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