quarta-feira, novembro 27, 2019

O Chile é aqui: Bolsonaro e grande mídia inflam o balão de ensaio da esquerda nas ruas


“Esquerda pode pegar nas armas”... “alguma resposta terá que ser dada”... “se a esquerda radicalizar?”... “novo AI-5”... Mas quem falou que as esquerdas secretamente planejam tomar as ruas? Logo agora que os movimentos sociais estão enfraquecidos e desorganizados? Logo agora que a esquerda está dividida e o povo apático, apenas de olho nos aplicativos para fazer seus corres e ver se o ano termina? O clã Bolsonaro e o super ministro Paulo Guedes se dizem preocupados com uma possível contaminação do Brasil pelos protestos do Chile, Equador e Colômbia. Mas na verdade estão morrendo de inveja: simplesmente, a inércia, passividade e a incapacidade da esquerda em mobilizar as ruas estão incomodando Bolsonaro. Ele precisa urgentemente de um oponente, uma crise, uma situação de urgência para mobilizar seu núcleo duro de fundamentalistas. Principalmente quando o dólar dispara e a grana dos fundos de investimentos estrangeiros fogem do País. Por isso a grande mídia começa a inflar o balão de ensaio dos Bolsonaros – eles anseiam um incêndio do Reichstag que justifique o punho de ferro sobre as instituições democráticas. É a economia, estúpido! 

Nos anos 1990 o técnico Wanderley Luxemburgo conheceu o auge com títulos no Palmeiras e Corinthians, até chegar ao comando da seleção brasileira. Mas foi marcado por polêmicas como sonegação fiscal, falsidade ideológica e intermediação ilegal na venda de jogadores.
Porém, o que marcou mesmo o vitorioso técnico foi a sua habilidade em criar acontecimentos junto à imprensa especializada, ao sabor dos seus interesses. Por exemplo, no final de uma partida em uma das suas passagens pelo Palmeiras, Luxemburgo participou da tradicional coletiva com jornalistas. No final, após às perguntas de praxe, o técnico disparou: “quero aproveitar a oportunidade para dizer que são inverídicas as informações de que o Corinthians andou me sondando... sou técnico do Palmeiras!”.
Os jornalistas se entreolharam atônitos. “Quem disse isso!” Pronto! Estava aceso o rastilho que incendiaria os debates das mesas redondas de futebol no final de domingo na TV. Luxemburgo era hábil em criar balões de ensaio que, prontamente, eram inflados pela mídia esportiva.  Uma espécie de marketing de guerrilha, explorando contrainformações deliberadas para abrir novas oportunidades.
A guerra criptografada comandada pelo clã Bolsonaro está colocando diariamente em prática essa tática de contrainformação. Se crise significava para Wanderley Luxemburgo a criação especulações que abririam novas oportunidades, para Bolsonaro é a oportunidade de criar uma situação bem icônica historicamente para a extrema-direita: o incêndio do Reichstag – a criação de um estado de exceção que justifique o punho de ferro sobre as instituições democráticas.



Para aqueles desavisados, o Reichstag era o parlamento alemão que incendiou em 1933. Oportunidade que Hitler soube muito bem aproveitar para ampliar e consolidar o poder, jogando a culpa nos comunistas. Aproveitou a insegurança da população e o medo de burocratas, militares e políticos de que os comunistas chegassem ao poder. E liberou as tropas de assalto nazistas (as chamadas “SA”) a prender deputados comunistas e funcionários do partido em prisões provisórias, para torturar um número incontável de pessoas.

Esquerda nas ruas é o incêndio do Reichstag de Bolsonaro

O plot da radicalização de esquerda

Não mais que de repente o plot da radicalização de esquerda vem ganhando espaço na pauta midiática, na esteira dos protestos que ocupam as ruas na América Latina – Equador, Chile, Bolívia e agora Colômbia. Desde que Lula foi solto dos cárceres de Curitiba, editoriais e capas de revistas estampam a ameaça da radicalização de esquerda “tumultuar o ambiente político”.
Essa foi a deixa para o clã Bolsonaro inflar o balão de ensaio. O ex posto Ipiranga promovido a super-ministro da Economia Paulo Guedes fala em “esquerda pegar nas armas”, possibilidade de “contágio dessas manifestações em solo brasileiro” e que “ninguém se espante se vier um AI-5” porque “alguma resposta terá que ser dada”.
O deputado Eduardo Bolsonaro diz que “se esquerda radicalizar, pode vir um novo AI-5”... enquanto o pai insistentemente tenta sancionar o “excludente de ilicitude” agora em GLO (Garantia da Lei e da Ordem), para ser utilizado contra manifestações sociais – permitir a agentes repressivos que eventualmente cometam crimes não sejam punidos.  
A grande mídia destaca que o ministro Paulo Guedes e Bolsonaro recuaram e deixaram para 2020 o “projeto de modernização administrativa” – porque Bolsonaro “teme o fantasma das manifestações que têm feito tremer cidades latino-americanas”, segundo lamentoso editorial de O Globo de 21/11.
Aqui e ali a grande mídia vem dando destaque aos “temores” de Bolsonaro, como num evento na Vila Militar no Rio: “Nós temos que nos preparar sempre para não sermos surpreendidos pelos fatos. Até o momento não tem motivo nenhum, nós entendemos dessa forma, daquele movimento vir para cá”, disse o “preocupado” presidente.
Globo News emplaca: “Guedes fala sobre possível crescimento de manifestações de rua” e o presidente Rodrigo Maia retruca pelo mesmo canal noticioso: “o que tem a ver AI-5 com manifestações de rua?”. Pronto! Está incendiado o debate, igual a daquelas mesas redondas de futebol dos domingos, inflamadas pelo esperto técnico.
Mas... Opa! Espera aí! Quem falou que a esquerda está secretamente tramando grandes protestos nas ruas das principais capitais brasileiras? Logo agora que os movimentos sociais estão fragmentados e enfraquecidos? Logo agora que vemos uma oposição parlamentar coadjuvante dos partidos de centro e uma esquerda que se limita a fazer ataques virtuais e inconsequentes ao Governo? 
E logo agora que a esquerda é incapaz de convocar atos de protestos nas ruas? – as poucas resultaram em “marolas” como, por exemplo, o chamado “terceiro tsunami da educação”. 
Tudo isso faz lembrar a velha estratégia marota da raposa Wanderley Luxemburgo: soltar balões de ensaio para esperar a mídia inflá-lo. No caso de Bolsonaro, não só a mídia, mas também a esquerda.

Lá e aqui: extrema-direita alimenta-se da crise

Alimentar-se da crise

Por que de repente Bolsonaro começa a inflamar o temor do contágio de protestos na América Latina? Qual oportunidade o Governo pretende criar?
É evidente que o modus operandi do populismo de extrema-direita é a produção artificial de crises – é a essência da guerra criptografada: estratégia diversionista para ocupar diariamente a pauta midiática com ataques, provocações ideológicas, viver em um constante estado de urgência com informações dissonantes, “caneladas” via redes sociais entre ministros, militares, políticos da base de apoio no Congresso etc. Estratégia semiótica para criar uma percepção de que o governo está à beira do colapso e em desmoronamento.
Enquanto Trump nos EUA convive com a “ameaça” do impeachment no qual parece se alimentar de um ambiente de crise política para arregimentar sua base e ocupar a pauta da imprensa corporativa, aqui no Brasil Bolsonaro vai e vem convive também com as “graves denúncias” da CPMI das fake news ou de que a proposta de governo usar as forças armadas no campo pode resultar em impeachment por improbidade...
Depois de onze meses de guerra criptografada com produção ininterrupta de crises (da polêmica do “golden shower”, passando pelo “ecocídio” das queimadas na Amazônia até chegarmos na crise do PSL e as ligações perigosas de Carluxo com a morte de Marielle), Bolsonaro pressente uma ameaça dessa vez real.
Após o ano inteiro de diversionismo para tirar a atenção da opinião pública da agenda neoliberal que tranquilamente vai sendo tocada pelo Congresso, ele e seu super ministro foram pegos de surpresa por um efeito colateral que não imaginavam que chegaria tão cedo: a grana dos fundos de investimentos globais estão abandonando o País e o dólar dispara.
Até que o jornalismo corporativo está se esforçando em maquiar a realidade: sorridentes jornalistas tentam convencer o distinto público que o único problema é que o brasileiro não viajará tão cedo ao Exterior e as reformas logo-logo trarão credibilidade e investimentos de volta para o Brasil.  
Mas a curto prazo Bolsonaro sabe que isso não será suficiente. Na verdade, não teme tanto possíveis manifestações de rua contra ele. Afinal, foi eleito para ser o boi de piranha de toda a estratégia diversionista colocada em ação desde o primeiro dia de governo.  O problema é a agenda neoliberal ser deixada nua, colocando em xeque todo o discurso que diariamente a grande mídia reforça: os valores sagrados do empreendedorismo, das reformas, das flexibilizações etc. 

Economia vai mal? Que tal um balão de ensaio para a imprensa...

Ajudar a inflar o balão de ensaio

Por isso a necessidade semiótica de, com a ajuda da mídia corporativa, inflar o balão de ensaio de uma suposta radicalização da esquerda, AI-5, especulações sobre Operações de Garantia de Lei e Ordem... 
Simplesmente, a inércia, passividade e a incapacidade da esquerda em mobilizar as ruas está incomodando Bolsonaro. Ele precisa urgentemente de um oponente, uma crise, uma situação de urgência para mobilizar seu núcleo duro de fundamentalistas.
A libertação de Lula e o discurso midiático da radicalização (o que chamamos de crítica “ném-ném”, clique aqui) foi o primeiro passo para incitar a esquerda. 
Os choques nas ruas entre manifestantes e as forças policiais nos nossos vizinhos latino-americanos enchem Bolsonaro de inveja. Seu maior problema é que a esquerda brasileira está apática, fragmentada, desmobilizada, muito longe da narrativa ansiada pelo atual Governo – massas de manifestantes nas ruas e quebra-quebras para materializar o fantasma do comunismo que justique a mão de ferro sobre as instituições democráticas.
Por que? Porque em nenhum lugar do mundo uma agenda neoliberal stricto sensu colocada em prática convive com a normalidade democrática. Reformas e destruição dos direitos trabalhistas e garantias sociais necessitam ser justificadas por uma narrativa básica: a luta contra o atraso e o autoritarismo representado pelos ratos da esquerda que não querem largar o queijo.
Mas, e se a esquerda não participa desse plot? Então, a guerra criptografada colapsa – os quesitos macroeconômicos ficam cada vez mais expostos, sem o biombo da luta épica contra o inimigo vermelho. Os efeitos do desemprego, recessão, crise cambial e outros indicadores macroeconômicos (efeitos colaterais imediatos da agenda neoliberal) ficam ainda mais evidentes, sem o vital desvio de atenção da opinião pública.

Será que esse "Uber Top" vai para as ruas quando a esquerda chamar?            (Foto:  Felix Lima - BBC Brasil)

Como ser um "Uber Top"?

Mas mesmo que a esquerda queira convocar as massas para protestarem nas ruas, não haverá resposta, como vem mostrando as sucessivas convocações nas quais aparecem apenas militantes e convertidos com suas indefectíveis palavras de ordem e bandeiras vermelhas.
Como demonstrou uma fundamental reportagem da BBC Brasil: “Como ser Top: Ubers viram youtubers e faturam ensinando segredo do sucesso a motoristas e entregadores” (clique aqui).  
A matéria comprova como a atual geração está comprando as promessas neoliberais do empreendedorismo feitas diariamente pela grande mídia: “seja seu próprio chefe”, “ganhe pelo seu esforço”, “faça seu próprio horário”, “ganhe dinheiro quando quiser” etc., são promessas vendidas pela uberização. E reforçada por canais de YouTube criados por motoqueiros e motoristas de aplicativos: “liberdade, igualdade e flexibilidade”. “Emprego é prisão, empreendedorismo é liberdade!”, defendem enquanto dão dicas de como ganhar mais.
Nesse contexto de sedução pelas promessas do mercado, fica evidente o porquê do atual conservadorismo das periferias das grandes cidades que um dia votaram em Lula: motoqueiros e motoristas de aplicativos que correm contra o tempo são avessos a qualquer acontecimento que impeça o livre fuxo urbano, como passeatas, protestos ou manifestações.
Mas a curto ou médio prazo essa bolha especulativa de promessas vai estourar quando for espetada pela agulha da macroeconomia.
Paradoxalmente, nesse momento a melhor tática para a esquerda é permanecer como está: desmobilizada e apática. E não responder às insistentes provocações do Governo, como fez o coordenador nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Stédile: “com essa visão estúpida de Guedes, o futuro que nos aguarda é o Chile”. 
Isso soa como música aos ouvidos do capitão da reserva dublê de presidente e para os “aquários” das redações do jornalismo corporativo que precisam inflar diariamente os balões de ensaio do Governo e sustentar a narrativa da “polarização e radicalização”. 
O negócio agora é pagar prá ver!
“É a economia, estúpido!”, disse certa vez o marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, em 1992, quando apostou que George Bush não era invencível com o país em recessão. Virou um case de marketing político. É sempre a economia. A esquerda deve refletir sobre isso.

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