domingo, agosto 25, 2019

Quando multiversos e mecânica quântica se tornam mortais em "Tangent Room"

Presos em uma sala nos subterrâneos de um complexo de observatórios no Deserto do Atacama, Chile, quatro brilhantes cientistas correm contra o tempo para impedir um colapso cósmico do universo. Eles devem trabalhar juntos e resolverem uma sequência de números e equações envolvendo Cosmologia, mecânica quântica e eletromagnetismo, antes que seja tarde demais. Esse é o filme sueco “Tangent Room” (2917), um thriller científico envolvendo as mais recentes teorias cosmológicas, como o Big Bang, Teoria das Cordas e Universo Inflacionário. Mas o que aqueles cientistas não sabem é que experimentarão na prática os efeitos dos mundos em colisão na Teoria dos Multiversos: cada um deles experimentará os mesmos efeitos quânticos de uma partícula no mundo subatômico – telestransportes, bilocação e sobreposições, revelando que a Física moderna cada vez mais se aproxima da milenar cosmologia gnóstica. Filme sugerido pelo nosso vigilante leitor Felipe Resende.

A hipótese da existência de mundos paralelos ou realidades alternativas incendeia a imaginação de roteiristas no cinema, principalmente das produções independentes. Produções nas quais a inventividade do roteiro tem que compensar o baixo orçamento e a ausência dos efeitos especiais. Cânone do gênero, desde que George Meliés levou o homem a uma viagem espacial em Viagem à Lua (1902) com efeitos ilusionistas de montagem e cenografia.
Essa aproximação da Física com o cinema não é casual: desde que a mecânica quântica descobriu o assombroso comportamento das partículas subatômicas, a Física vem cada vez mais se aproximando da Cosmologia Gnóstica – o Universo como um “constructo”, aparentemente estável, tangível e material. Mas que esconde algum tipo de inconsistência estrutural.
Por exemplo, físicos e matemáticos como Nick Bostron (Oxford University) e Silas Beane (Universidade de Bonn) procuram uma “assinatura cósmica” como um índice de que o Universo é uma simulação, tal qual um gigantesco game de computador cósmico – clique aqui.
O filme Tangent Room (2017), do escritor e diretor sueco Björn Engströn, vai se inspirar nesses instáveis mundos quânticos compostos pela teoria cosmológica das Cordas ou da existência dos “tachyons”, partículas que se movimentam a velocidades superioras à da própria luz. 


Tangent Room vai explorar uma parte específica dessas teorias da Física: a hipótese dos multiversos. Porém, mais precisamente a hipótese dos físicos Howard Heiseman, Michael Hall e Dirck-André Deckert – os fantasmagóricos fenômenos do mundo quântico (teletransporte, bilocações, sobreposição etc.) como manifestações das interações e mesmo choques entre mundos paralelos. Como se bolhas cósmicas com realidades independentes governadas por leis próprias colidissem, criando nas zonas de tangência os estranhos fenômenos testemunhados pela física quântica – sobre isso, clique aqui.
Como transformar esse tema num thriller científico? Björn Engströn vai construir um sci-fi minimalista com o tema da “sala de fuga”, um plot de sucesso desde o filme Cubo (1997). Um jogo científico bem escrito, repleto de ideias e temas da cosmofísica moderna, que entrega ao espectador muito com tão pouco.
Quatro mentes brilhantes estão trancadas em uma sala na qual supostamente ocorrerá algum evento cósmico cataclísmico. E o epicentro (ou a “singularidade”) parece ser exatamente ali, no interior daquela sala. Eles correrão contra o tempo para resolver o quebra-cabeça de números e equações – terão que salvar o Universo e suas próprias vidas.
Assim como na Cosmologia moderna, Tangent Room aproxima-se da velha cosmologia gnóstica basilidiana (de Basilides, professor gnóstico de Alexandria, século II DC): a existência de um Universo que na verdade seria um multiverso, composto por 365 “céus”, no qual um plano desconheceria a existência do outro.


O Filme

Tangent Room é totalmente minimalista: quatro personagens, uma sala, uma lousa, a mesa com blocos de anotações, uma tela de TV e muitos números e equações diante deles. Eles terão que trabalhar juntos para resolver um problema.
São quatro acadêmicos especialistas em seus respectivos campos (eletromagnetismo, matemática, cosmologia e física quântica). Todos lisonjeados pelo convite que receberam de um recluso e famoso cientista chamado Dr. Wahlstein. O convite se estendeu unicamente para aqueles quatro cientistas: encontrarem-se em uma sala no subterrâneo de um complexo de observatórios no deserto do Atacama, Chile.
Lá estão Sandra (Lisa Bearpark), David (Hákan Julander), Kate (Vee Vimolmal) e Carol (Jennifer Lila). É claro que as primeiras linhas de diálogo são tomadas por especulações sobre o motivo do convite daquele recluso cientista para um encontro naquele fim de mundo. Será que o Dr. Wahlstein revelará importante descoberta apenas para eles?
Mas em pouco tempo a lisonja e o ego se transformam em medo e pânico: de repente a porta daquela sala se fecha e é trancada por um dispositivo elétrico de choque. A tela de TV é ligada para a atmosfera da série clássica Além da Imaginação tomar conta: na tela aparece um vídeo gravado do próprio Dr. Wahlstein (Daniel Epstein). Os cientistas assistem às imagens de um cientista moribundo e com um semblante enlouquecido. Ele apresenta uma tarefa para aquela equipe resolver: um conjunto de números e equações.
Surpresos, também descobrem que, se estão assistindo àquele vídeo, é porque Wahlstein já está morto, vítima de algum tipo de doença terminal.
Eles terão apenas quatro horas para resolver o enigma: a exatamente 10:22 PM todos morrerão em algum evento cataclísmico que se espalhará a partir daquele ponto.


A partir de então, a sala se transforma simultaneamente numa panela de pressão e também numa dramática sessão de brainstorming na busca de uma solução para escaparem. Mas, se ao menos soubessem do que se trata aquelas equações e números...
Eles estão divididos: ou procuram uma forma para desligar o sistema elétrico que tranca aquela porta? Ou se atiram de cabeça na sequência de números e equações, tentando descobrir qual o propósito de tudo aquilo?
Tudo pode parecer muito cerebral, mas as diferenças de personalidade de cada um são bem destacadas na narrativa: David é pragmático; Carol não quer levar a situação à sério e faz troça de tudo; Kate é uma máquina de calcular ambulante e pessimista (“nem todos sairão vivos daqui!”, avisa); e Sandra é a cientista que mais se abre a insightsda imaginação – a lembrança de crianças brincando com bolhas de sabão será a analogia perfeita para a solução do enigma.

Mundos em colisão – Alerta de Spoilers à frente

As discussões caminham pelas mais recentes hipóteses cosmológicas: Big Bang, o fim da expansão do Universo, Teoria das Cordas, Multiverso. Os personagens vão escrevendo as opções na lousa e, por exclusão, tentando descobrir a natureza da equação passada pelo Dr. Wahlstein.


Até que, em pânico, começam a testemunhar que os fantasmagóricos comportamentos quânticos do mundo subatômico (teletransporte, bilocação e sobreposição) começam a atingi-los: um começa a ver aos outros desaparecendo num piscar de olhos, para reaparecer aleatoriamente em diversos pontos da sala. Isso sem falar em múltiplas duplicatas que aparecem. O que cria uma cacofonia de diálogos que parecem começar e terminar em múltiplas dimensões – ou universos.
Tangent Room vai de encontro à hipótese de Heiseman, Hall e Deckert: a teoria dos mundos em choque.Cada um dos mundos é igualmente real, com leis e causalidades newtonianas bem definidas. O choque desses mundos ocorre quando o observador não consegue determinar a qual mundo pertence as partículas observadas em fenômenos quânticos como a função de onda. Todos os estranhos comportamentos das partículas no mundo subatômico decorrem dessa colisão entre mundos. Na verdade, os fenômenos quânticos representam tanto colisão como forças de repulsão, impedindo que dois mundos tenham uma mesma configuração.
Essa, por assim dizer, descoberta da porosidade do multiverso (mundos que se tangenciam, podendo se interpenetrarem a princípio no campo subatômico) não só resolveria muitos mistérios quânticos (como a experiência do Gato de Schrödinger, no qual o gato teoricamente estaria vivo e morto ao mesmo tempo no interior de uma caixa), como confirmaria toda a cosmologia gnóstica da pluralidade de “céus”.
A partir de um simples efeito (saltos de vídeo digital) movendo os personagens de um canto ao outro da sala, o filme cria um problema ainda maior para os cientistas daquela sala: como descobrirão com qual versão na verdade estão conversando? Parece que cada um dos universos há duplicatas também tentando resolver o enigma, com raciocínios e soluções diferentes.
Tangent Room é um filme curto (uma hora e cinco minutos), seco, minimalista e inteligente. No mínimo, Tangent Room fará o espectador parar o filme diversas vezes para fazer buscas no Google em busca das definições de conceitos e teorias citadas em diversas linhas de diálogo.
Mais um filme para cinéfilos aventureiros.



Ficha Técnica 


Título: Tangent Room
Diretor: Björn Engström
Roteiro: Björn Engström
Elenco: Lisa Berarpark, Daniel Epstein, Hakan Julander, Jennifer Lila, Vee Vimonal
Produção: Blue Marble Stories
Distribuição: Epic PicturesReleasing 
Ano: 2017
País: Suécia

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