sexta-feira, julho 05, 2019

Mídia omite suicídio de empresário e ultrapassa fronteira entre jornalismo e propaganda

Telejornais da mídia corporativa simplesmente omitiram ou relegaram à categoria de "fatos diversos" a notícia mais relevante da última quinta-feira. Uma notícia que à opinião pública avaliar o atual estágio de crise social e econômica: diante do ministro de Minas e Energia e do governador do Estado, um empresário se matou com um tiro na boca em Simpósio do setor em Sergipe. Ato extremo diante da insolvência da sua empresa diante das dívidas do fornecimento de gás natural. Com os terremotos semanais da Vaza Jato, a grande mídia cruzou as fronteiras que separam o jornalismo da propaganda – passou a omitir tudo que, ou esteja fora do script da guerra semiótica criptografada (a usina produtora de crises Bolsonaro/Mídia e geradora de notícias dissonantes), ou que contradiga a atual estratégia de enaltecimento moral do empreendedorismo na massa de desempregados e desalentados: a fé de que é possível a força de trabalho se transmutar em capital com “otimismo”, “determinação” e superação”.

Todos sabemos que as manipulações midiáticas não se limitam apenas ao viés (ou “frame”) pelo qual é mostrada uma notícia, ou pelas peripécias na ilha de edição ao pinçar aquilo que é mais conveniente ao script elaborado pelos dos aquários das redações.
Também, a manipulação ocorre naquilo que não é mostrado, colocado fora da pauta ou, no mínimo, fora da escalada pela qual começa todo telejornal. Tendemos a considerar aquilo que é mais importante pelo destaque que é dado ao telejornal. O que não for pautado, ou não existiu ou é considerado menos relevante.
A omissão, nos principais telejornais de rede da grande mídia, do suicídio do empresário de Sergipe no setor de cerâmica, Sadi Gitz, ocorrido nessa quinta-feira, é um desses casos para deixar uma pulga atrás da orelha. Jornal Nacional da Globo, SBT Brasil e Jornal da Record, Globo News e Record News simplesmente omitiram, ou deixaram em segundo plano como uma tragédia de ordem pessoal. 
Gitz era dono da indústria de cerâmica Escurial, um dos líderes empresarias do Estado que enfrentava dificuldades e atualmente estava em recuperação judicial pelas dívidas resultantes pelo alto preço no fornecimento de Gás natural.
Qual a relevância desse fato? Ele participava na manhã de quinta do “Simpósio de Oportunidades – Novo Cenário do Gás Natural de Sergipe”. Diante do governador do Estado e do Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque. Antes dar um tiro na sua própria boca, chamou o governador de “mentiroso”. 
Gitz teve o seu acordo de dívida negado pelo governador (*sobre isso, leia a resposta do Secretário do Estado de Comunicação do Governo de Sergipe). Apesar de Sergipe ser o terceiro maior produtor de gás natural do Nordeste, os preços são elevados. A empresa questionava que a política de preços da Sergas (Sergipe Gás) era juridicamente ilegal. Gitz tinha decidido pelo fechamento da empresa, fundamental para o desenvolvimento e geração de empregos do polo industrial de Socorro.

Sadi Gitz (foto: Prefeitura de Aracaju)

O discurso pronto midiático  

Portanto, todos os elementos dessa notícia seriam publicamente relevantes. 
Mas, as empresas jornalísticas têm um discurso pronto para justificar a não veiculação de notícias sobre suicídios – existiria um certo tipo de convenção profissional extraoficial de que suicídios não devem ser noticiados por dois motivos: (a) por ser um ato extremamente íntimo e pessoal; (b) a publicação massiva da notícia pode motivar pessoas predispostas a esse ato extremo. Aquilo que estudiosos chamam de “efeito copycat” ou de imitação.
Mas é claro que são argumentos oportunistas sacados do bolso do colete. Quantas vezes notícias suicídio de pessoas famosas do meio artístico e da indústria do entretenimento foram noticiadas sem o maior pudor ou constrangimento? Desde Kurt Cobain e o ator Robin Williams ou de brasileiros como a atriz Leila Lopes e o sensacionalismo sobre as diversas tentativas de suicídio do cantor Rafael Ilha.
Durante toda quinta-feira, a grande mídia concentrou fogo sobre a aprovação do texto da Reforma da Previdência na Câmara e, no dia seguinte, o otimismo do onipresente “mercado” (que nunca especificam que é o “especulativo financeiro”) pela aprovação e a ida do texto da Reforma para a Plenária.


Bora empreender!...

A questão é que, do outro lado da moeda dessa pauta da Reforma da Previdência, está a turbinagem do otimismo e o enaltecimento moral do empreendedorismo. “Bora empreender, Brasil!”, exortam peças publicitárias do banco Santander. Certamente, notícias de suicídios de empreendedores falidos pela política de preços de insumos não é nada bom para o discurso que diariamente está sendo empurrado goela abaixo dos brasileiros.
Um discurso que tenta mitigar a crise econômica crônica do desemprego e paralisia do setor produtivo e infraestrutura com a fé de que a força de trabalho (desempregada) pode, um dia, magicamente se transformar em capital. Claro, com as maquininhas de crédito/débito vendidas pelos bancos que, no futuro, irão faturar obscenamente com a privatização da Previdência.
Em postagem anterior víamos como os telejornais estão focados na elevação do astral dos brasileiros: de pessoas desempregadas ao relento vendendo café e bolos em frente às estações de metrô noticiados sob o viés da “variedade da gastronomia de rua”, cantando loas ao “empreendedorismo”, à moralização da meteorologia (o sol como “boa notícia”) e a transformação de eventos esportivos das periferias (Copa das Favelas em São Paulo, por exemplo) como metáforas da “superação”, “determinação” e “otimismo” – segundo o jornalismo corporativo, ingredientes necessários para que ocorra a magia da transmutação da força de trabalho em capital – clique aqui.

Guerra semiótica criptografara: um show que nunca termina

A usina de crises criptografadas

A omissão da trágica noticia de Sergipe de tamanha relevância (para um líder de elite empresarial, branco, chegar a esse ato extremo, imagina quantos outros anônimos excluídos e vulneráveis estão, consciente ou inconscientemente, dando cabo da própria vida) é mais uma evidência de que a atual guerra semiótica é bem diversa do que aquela que a esquerda estava acostumada a enfrentar.
Supostamente a Globo vive uma guerra particular com Bolsonaro, com suas diversas ameaças à poderosa emissora. Tudo faz parte de uma estratégia diversionista de propaganda por dissonância e até psicologia reversa.
Por exemplo, o quadro “Isso a Globo não mostra” do Fantástico (o próprio título é uma meta ironia de todos críticos históricos da emissora) repercute as bizarrices retóricas dos membros do governo como fosse uma declaração de guerra – na qual os próprios blogs “de esquerda” caem facilmente, repercutindo como fosse evidência de “crise política” da poderosa Globo contra Bolsonaro. Um grande simulacro, como se a Globo hackeasse a si própria...
“O governo Bolsonaro é uma usina de crises”, afirmou certa vez o presidente da Câmara Rodrigo Maia, que supostamente viveria às turras com o Governo. E, de repente (por disparos como esse), é alçado a condição de racionalidade pela mídia seja corporativa e progressista, num governo de limítrofes e de bobagens diárias.
 Filhos do Bolsonaro tretando no twitter com generais, generais sendo demitidos do governo, Olavo de Carvalho medindo forças com militares e xingando políticos da própria base aliada, a “carta-bomba” de Paulo Portinho compartilhada por Bolsonaro nas redes sociais (clique aqui), Rodrigo Maia ironizando o clã Bolsonaro, o ministro da educação na sua guerra particular contra universidades públicas até chegar ao flagra de tráfico de drogas internacional do militar da aeronáutica pego com 39 quilos de cocaína em avião presidencial na Espanha – cujo “frame” da grande mídia é “militar transportando droga”.

Vaza  Jato: tudo aquilo que é tóxico para a guerra criptografada de Bolsonaro

Aquilo que está fora do script

Tudo isso faz parte de uma guerra semiótica de geração contínua de dissonâncias, guerra criptografada. Podemos achar até arriscada e irresponsável. Mas eles sabem que as ruas estão vazias e as esquerdas desarticuladas e, por isso, têm espaço para essas, por assim dizer, “licenças poéticas”.
TV Globo repercute tudo... menos aquilo que não faz parte do script dessa guerra criptografada: a desconstrução da imagem de super-herói do ministro da Justiça Sérgio Moro por Glenn Greenwald e o site Intercept, e o rompante suicida de um líder empresarial falido.
Essas são também dissonâncias, mas externas ao jogo proposto pelo Governo Bolsonaro, jogado pela grande mídia e ingenuamente (?) pela própria esquerda. Uma, veio da externalidade um jornalista norte-americano. E a outra, de alguém quis pular fora de toda essa loucura e fugir para a externalidade do outro mundo.

Noam Chomsky

Baseando-se nas observações do linguista Noam Chomsky, a estratégia semiótica de Bolsonaro é análoga a de Donald Trump nos EUA: todo dia o Governo alimenta a pauta da mídia com um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro das atenções – clique aqui.
Enquanto isso, o “flanco selvagem” do Governo e Congresso (equipe econômica e bancadas temáticas – Bala, Bíblia, Boi etc.) tocam as medidas neoliberais de interesse da banca financeira, cuja privatização da Previdência é a faceta mais visível. 
Se no plano da retórica e propaganda Bolsonaro governa para o seu núcleo duro fundamentalista de extrema direita (arregimentar as milícias digitais e reais e elevar o moral dos 30% da opinião pública visceralmente anti-PT)), em última instância esse governo só chegou e permanece no poder pelas expectativas dos bancos e especulação financeira. 
O episódio de omissão de um episódio impactante e relevante como o suicídio do empresário Sadi Gitz, só comprova o prognóstico desse humilde blogueiro em postagem anterior: com o impacto das revelações do site Intercept, chegou o momento da última cruzada da grande mídia na defesa dos seus interesses rentistas: a transformação explícita do jornalismo em propaganda política.
Primeiro pela torcida descarada pela reforma da Previdência da parte de repórteres setoristas e analistas políticos ao vivo nas coberturas do Congresso. E, segundo, pela simples omissão de notícias relevantes para a opinião pública. 

No seu texto, vc coloca que o empresário Sadi Gitz teve seu acordo de dívida negado pelo governador. 
Não houve isso. 
A dívida dele não era com o governo do estado, mas com a Sergás, empresa de fornecimento de gás aqui de Sergipe, onde o governo do estado detém apenas 17% na sociedade, sendo a Petrobras e a Mitsui, os dois sócios que mantém as maiores cotas acionarias. 
Nunca o governador Belivaldo Chagas foi sequer procurado pelo empresário para discutir sua dívida, portanto, não teria como negar algo que nunca lhe foi solicitado. 
Sobre a dívida com a Sergas, mesmo que o governador tivesse sido procurado, nada poderia fazer, pois ela possui regras de governança, conselho administrativo e as decisões são tomadas em um colegiado onde o governo do estado é o minoritário. 
Sales Neto
Secretário de Estado da Comunicação Social do governo de Sergipe

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