sábado, agosto 25, 2018

O fim do mundo é um sintoma, discute "Cinegnose" em Simpósio no Rio


Quase diariamente é previsto o fim do mundo na TV ou na Internet, enquanto no cinema narrativas ficcionais reforçam essas previsões com protagonistas às voltas com apocalipses climáticos, cósmicos, geológicos, tecnológicos, alienígenas etc. Por que o mundo tem que ser destruído? Por que essa necessidade pelo fim, embalada como ficção e entretenimento para consumo de massas? Ideologia? Manipulação político-ideológica? Ou algum tipo de sintoma do inconsciente coletivo? Como o Gnosticismo pode oferecer uma explicação e uma narrativa alternativa esse mistério sobre o “fim dos tempos”? Essa foi a discussão que este humilde blogueiro levou para o Simpósio “Do Mundo Arcaico às Cosmologias Modernas”, evento que aconteceu de 22 a 24 últimos no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas no Rio de Janeiro.

Nessa sexta-feira (24), mais uma vez esse humilde blogueiro foi bem recebido no Rio de Janeiro. Desta feita, no simpósio “Do Mundo Arcaico às Cosmologias Modernas: Natureza, Universo e Caos”, realizado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), promovido pelo Centro de Estudos Avançados de Cosmologia e com o apoio da revista eletrônica Cosmos e Contexto.

A questão levada ao encontro, resultado de uma série de postagens aqui no Cinegnose foi: “Por que o mundo tem que acabar? Neo-apocalíptica e Escatologias Líquidas” Por que essa recorrência de filmes com narrativas apocalípticas no cinema de massas hollywoodiano? Sabendo-se que as narrativas sobre “fim dos tempos” e “juízos finais” estiveram e estão presentes em diversas culturas, religiões por toda História, qual seria a natureza dessas novas narrativas midiáticas sobre o fim? - veja os slides da apresentação abaixo.

Partindo de algumas referências teórico-metodológicas de Marc Ferro, Theodor Adorno e Zygmunt Bauman, procuramos refletir sobre a produção cinematográfica como um “sismógrafo da História”. O cinema atual como representação de uma sensibilidade “líquida” (Bauman) na qual os grandes sistemas religiosos foram liquefeitos produzindo uma inédita forma de escatologia.

O estudo do fim dos tempos


Escatologia, o “estudo do fim dos tempos”, disciplina criada pelo teólogo Abraham Calov no século XVII. Segundo ele, o estudo seria necessário para entender duas tensões não resolvidas na Filosofia: o indivíduo falível versus Divino Perfeito e o destino humano versus o destino do Universo.


Porém, o sentido escatológico atual (no qual quase diariamente acompanhamos seja na grande mídia ou na Internet profecias, relatos ou previsões de catástrofes cósmicas, ambientais, econômicas, geológicas etc.) nada teria de reflexivo – seria a busca de uma nova forma de religião, dessa vez global e ecumênica, que sirva de legitimação para uma nova ordem sócio-econômica mundial caracterizada pela extrema liquidez através da conexão em tempo real das praças financeiras.

Um movimento paradoxal que pode ser acompanhado desde o pós-guerra: o crescimento do hedonismo, niilismo e materialismo da sociedade de consumo, acompanhado pela ascensão paralela de um misticismo de massas “new age” – o mix de psicologia motivacional, autoajuda com parapsicologia, esoterismo e física quântica.

Com isso os antigos sistemas religiosos são dissolvidos pelo utilitarismo: Deus e religião até permanecem, desde que atendam às necessidades individuais.

A questão é que na cultura, o senso de futuro começa a desaparecer (só existe o presente utilitarista e individualista), deixando para segundo plano um dos três componentes que formariam toda religião: Cosmogonia, Teogonia e Escatologia.

Com isso teríamos o fenômeno que certa vez Herbert Marcuse (1898-1979) definiu como “dessublimação repressiva”: a ausência de um objetivo futuro (socialmente legítimo) para sublimar a energia instintiva pode resultar nas explosões violentas e totalitárias. Como foi a ascensão do nazi-fascismo no século XX – e não resolvido até hoje.

Este humilde blogueiro às voltas com sintomas do fim do mundo

Nova religião


Por isso, a nova ordem da globalização financeira necessitaria de uma novo senso religioso, ecumênico. Com isso, o crescimento na indústria do entretenimento de novas narrativas sobre o fim, seja no jornalismo ou no cinema.

Mas dessa vez não há o “Rei do Terror” das “Centúrias” de Nostradamus ou o julgamento final divino do Apocalipse bíblico.

A teoria do Big Bang é a nova Cosmogonia. A Noosfera (a “consciência planetária”) a nova Teogonia. E as catástrofes climáticas (aquecimento global), cósmicas (cometas, meteoros) ou geológicas (falhas tectônicas, terremotos e tsunamis) a nova Escatologia.   

Mas paradoxalmente essa escatologia líquida, somada à nova “neo-apocalíptica”, destrói o senso de futuro ao transformar o presente numa bomba relógio em contagem regressiva. É a “necrospectiva”, conceito cunhado pelo pensador francês Jean Baudrillard (1929-2007). Conceito que se contrapõe à “retrospectiva”, impulso racionalista de catalogar e organizar o passado para tirar do tempo lições que apontariam para o futuro.

Essa noção baudrillardiana de necrospectiva que reduz o presente como uma bomba relógio que consome o futuro permite vislumbrar a possível função de cimento ideológico das escatologias líquidas num mundo globalizado: o presente como uma “utopia mínima”, isto é, como a redução da vida a uma luta pela sobrevivência diante das catástrofes futuras – a neo-apocalíptica.

O auditório do CBPF

O Mínimo Eu


O sociólogo norte-americano Christopher Lasch (1932-1994) procurou entender porque apesar de vivermos em uma época de confortos materiais desconhecidos em épocas passadas, vivemos obcecados por ideias de catástrofes iminentes. A preocupação da sobrevivência passaria, então, a ser o traço proeminente na cultura atual. O tema teria entrado de forma tão profunda na cultura popular e no debate político que qualquer tema se apresentaria como um questão de vida e de morte – leia de Lasch os livros A Cultura do Narcisismo e O Mínimo Eu.

Para Lasch, o comportamento da vida cotidiana passa a assumir as características mais sinistras típicas de vivências em situações extremas: auto-observação irônica, individualidade multiforme e anestesia emocional.

Lasch argumenta que por trás dessa cultura terapêutica que oferece verdadeiras tecnologias do eu (autoajuda, autoconhecimento, técnicas de desenvolvimento pessoal e das potencialidades internas) estaria uma “subcultura do milênio”: a imaginação apocalíptica derivada de fundamentos religiosos e na versão secularizada do apocalipse pregada por ecologistas (Clube de Roma), economistas neomalthusianos (esgotamento energético e a ameaça da explosão populacional) etc.

Se este “mínimo eu” torna-se a vivencia cotidiana num presente sem futuro, em contagem regressiva para a realização escatológica de alguma neo-apocalíptica para as massas, qual a alternativa filosófica, existencial ou mesmo cosmológica para esse mal estar da cultura?

A alternativa do Gnosticismo


Este humilde blogueiro apresentou o Gnosticismo como como narrativa alternativa, como uma espécie de escatologia realizada, uma história que começa pelo fim: a Apocalipse já aconteceu na Criação.

Para o Gnosticismo, principalmente Valentiano (de Valentino, nascido em Cartago em torno de 100 DC e aluno de São Paulo quase se tornou papa), somos fragmentos da Divindade Suprema, agarrados em destroços em um mar de matéria escura...

Uma narrativa que começou a se esgueirar pelo cinema, por exemplo, em filmes pós-apocalípticos iniciado com O Planeta dos Macacos (Planet of The Apes, 1968) no qual os homens são escravizados pelos macacos após uma inversão evolutiva gerada pela catástrofe nuclear.

Para os valentianos, as ideias cristãs sobre o fim do mundo e uma ressurreição física eram interpretações ingênuas. Por meio de experiências visionárias e rituais acreditavam que a gnose restauraria a plenitude e dissolveria a ilusão do mundo no presente. Para a pessoa que tem a gnose o fim do mundo já teria chegado!

Por isso, Se a hipótese escatológica de um fim onde tudo seria redimido foi uma tentativa de solução para as principais tensões existentes nas religiões (a tensão entre o indivíduo falível e mortal e o Divino imortal e perfeito) e na filosofia (a tensão entre o destino humano e do Universo como um todo), ela também expressou o mal estar da condição humana: o estranhamento e alienação em relação à existência, a desconfiança gnóstica de que seríamos prisioneiros em um cosmos hostil, nas mãos de um Demiurgo enlouquecido – desconfiança tão bem expressa cinematograficamente em filmes como Show de Truman (Truman Show, 1998) ou em Prometheus (2012).


Veja a programação completa do Simpósio com o resumo das palestras dos participantes: clique aqui.



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