Não é por acaso
que “Birdman” é o grande favorito ao Oscar. O filme promete discussões
profundas sobre a importância de se sentir amado nesse mundo. Mas tudo o que o
diretor mexicano Alejandro Iñárritu nos entrega é uma agradecida homenagem à
indústria de entretenimento dos EUA que lhe abriu as portas: um filme
supersaturado de metalinguagem e colagens de auto-referências que acabou
resultando em uma produção complacente, auto-indulgente e subserviente. Iñarritu
faz homenagem a uma Broadway que não mais existe, reforçando a mitologia que
ainda dá algum verniz “artístico” a Hollywood: atores autopiedosos, divas
narcisistas que se entregam ao “Método” e críticos implacáveis que transformam
artistas em “gênios incompreendidos”. Com isso, o diretor mexicano parece ter um
grande futuro na noite do Oscar.
Alejandro
Gonzáles Iñárritu é um diretor mexicano que já conta com uma sólida e bem
sucedida carreira em Hollywood (21
Gramas, Babel, Biutiful). Por isso, é chegado o momento de Iñárritu prestar
uma homenagem à indústria do entretenimento que lhe abriu às portas para aquele
país. E como sempre, a melhor forma é através da metalinguagem, alusões e
paráfrases.
Birdman é um filme supersaturado que obriga o
espectador a caminhar por um desfile interminável de colagens e referencias que
acaba se tornando tão claustrofóbico quanto os corredores dos bastidores de uma
peça da Broadway onde a maior parte da trama acontece. O filme engata longos planos-sequências
que simulam um filme totalmente sem montagem, mas com sutis cortes que separam
os atos.
Com uma câmera sempre flutuante e frenética ao redor dos
personagens, Iñárritu parece ansioso em demonstrar seu domínio técnico ao
prestar a primeira homenagem ao cinema: o sonho do moto perpétuo cinemático, a
câmera se fundindo com a própria vida num eterno plano-sequência, assim como o
olho humano.
A segunda homenagem é à Broadway, famoso circuito de teatros em
Nova York que por muito tempo serviu de fornecedor de roteiristas, atores e
diretores para Hollywood - e o filme Barton
Fink, 1991, dos irmãos Coen é um dos que melhores retrataram isso de
maneira bem ácida. Hoje Hollywood busca sua força de trabalho não mais na
Broadway, mas no cinema independente e em mercados externos, como a própria
carreira de Iñárritu atesta. E a Broadway acabou dominada por hits adaptados de
Hollywood (Rei Leão, Ghost, Pequena
Sereia etc.) para reduzir os riscos financeiros.
Birdman homenageia uma Broadway que não mais existe: a
dos tempos em que ainda a opinião impressa de um crítico (que no filme vemos
romanticamente escrevendo seu texto no balcão de um bar) poderia destruir uma
peça ou a carreira de um artista; e atores acreditavam no “Método” da Actor’s
Studio – escola de atores fundada em 1947 onde a partir de leituras
particulares das proposições de Stanislavski criaram um método de completa
imersão do ator no personagem.
O problema de todas as homenagens baseadas em metalinguagens e
colagens de referências e paráfrases é que o resultado acaba se tornando
autoindulgente, condescendente e subserviente.
Pretensamente, Birdman
quer fazer uma crítica irônica à onda de filmes de super-heróis de quadrinhos e
discussões de como as atuais celebridades virais da Internet contaminam o
cinema. Mas o resultado é uma agradecida
homenagem à indústria do entretenimento que deu oportunidade a um diretor
mexicano fazer a “América”.
O Filme
Birdman descreve o ataque crescente de ansiedade da
estreia de uma peça autofinanciada por Riggan Thomson. Riggan viveu seus momentos
de glória nos anos 90 ao fazer a trilogia do super-herói Birdman, que o tornou
rico e famoso. Arrogantemente recusou uma quarta continuação, jogando-o no
ostracismo. Agora tenta resgatar credibilidade e respeito artístico apostando tudo que tem numa peça na Broadway
– uma adaptação de uma obra de Raymond Carver.
Contrata seu advogado Jake (Zach Galifianakis) para produzir e sua
filha Sam (Emma Stone) para ser sua assistente pessoal, mas na verdade tudo não
passa de uma tentativa patética de superar a culpa de ter negligenciado sua
infância – um abandono que contribuiu para o problema com drogas da filha.
Divorciado, Riggan tem uma relação amorosa com a co-estrela Laura
(Andrea Risenborough) que quer um bebê. Mas ela também tem um caso com a atriz
principal Lesley (Naomi Watts) que, por sua vez, vive uma relação turbulenta
como Mike Sheiner, um ator narcísico-imperativo que quer vivenciar “O Método”
com toda intensidade – no palco e fora dele.
A noite de estreia se aproxima e a ansiedade crescente faz Riggan
ter alucinações e ser perseguido por uma voz que é uma espécie de
superego-Birdman: o monstro super-herói que ele criou, ordenando-lhe a esquecer
do teatro e recuperar o seu superpoder principal – fazer blockbusters para o
cinema com uma virtual continuação “Birdman 4”.
A todo momento Riggan está à beira de um colapso mental devido a
uma eminente catástrofe comercial e de crítica. Por isso, com o andar da
narrativa a voz do superego Birdman torna-se cada vez mais frequente e a
profusão de metalinguagens domina o filme: um insistente som de percussão
jazzística pontua as ações sem sabermos se é um som diegético ou extra-diegético
– em muitos momentos vemos, de passagem, em um canto dos bastidores o próprio
baterista que faz o som; ou os diálogos nervosos sem sabermos se são linhas de
diálogo do filme ou da peça que os personagens estão encenando dentro do filme.
Hollywood adora metalinguagens e auto-referências
Além disso há uma explícita auto-referência com o próprio ator Michael
Keaton – tal como o personagem, foi o “ator da vez” no Batman de Tim Burton nos anos 90 e é um ator que nada fez de
relevante nos últimos tempos. Em Birdman,
assim como na vida real, tenta reconhecimento: lá na ficção com uma peça da
Broadway; e aqui na vida real, com um esperado Oscar de melhor ator.
Hollywood adora esse tipo de homenagem metalinguística e
auto-referencial: isso parece legitimá-la e dar relevância para o que faz.
Ainda mais que a suposta “crítica” ou “ironia” que Birdman faria da oposição entre Hollywood X Broadway, comercial X
artístico e cinema X teatro é ultrapassada é datada, assim como a discussão
sobre o desejo de ser celebridade para tentar ser amado por todos.
Broadway hoje monta adaptações de histórias anteriormente testadas
no cinema para diminuir os riscos diante da competição de entretenimento mais
barato, como a Internet. Mas Birdman quer sustentar esse mito da Broadway, porque
é positivo para Hollywood: dá um verniz “artístico” ao seu cast de atores que
militam tanto no teatro quanto no cinema.
Críticos que rabiscam sua crítica em um bloquinho com poder de
destruir carreiras e atores narcísicos que praticam fielmente “O Método” da
Actor’s Studio são personagens também datados, colocados em Birdman para reforçar esse mito que
tanto agrada a Academia de Cinema.
“A popularidade é o primo pobre do prestígio”
Embora não consiga admitir, Riggan é viciado em celebridade, mas
ele está em busca de um verniz: que seja amado e reconhecido pelo seu suposto
talento dramático. A certa altura o ator Mike Sheiner fala para Riggan: “A
popularidade é o primo pobre do prestígio”.
Talvez essa seja a ideia potencialmente mais crítica de Birdman, mas é apenas pincelada e
esquecida durante o filme – incentivado pela sua filha, Riggan transforma-se
numa celebridade viral graças a vídeos postados em redes sociais.
Riggan não quer renunciar à celebridade: quer renová-la,
atualiza-la, torna-la com mais classe. Esse é o atual papel ideológico da
Broadway, que filmes como Birdman
procura manter ao contar a história da ansiedade da pré-estreia de um ator de
Hollywood que pisará em um palco onde atuaram Marlon Grando, Geraldine Page e
Jason Robards.
Mas o sucesso de sua peça dependerá muito mais da sua celebridade
instantânea dos vídeos virais na Internet. Ele apenas será um primo pobre do
prestígio.
É justamente essa crítica que o diretor Alejandro Iñárritu
preferiu deixar apenas latente, de passagem, sem desenvolver até às últimas
consequências: poderia desmistificar, mostrando como a Broadway e o teatro se
tornaram engrenagens de uma gigantesca indústria do entretenimento movida a
blockbusters e atores auto-indulgentes.
O filme Birdman promete
discussões profundas sobre a importância de se sentir amado nesse mundo, mas
tudo que consegue nos entregar são os tradicionais clichês que legitimam a
indústria do entretenimento: atores auto-piedosos a ponto de terem um colapso
porque, afinal, são “sensíveis”; críticos impiedosos que transformam artistas
em gênios incompreendidos; Broadway como meca de todo ator de Hollywood para
torna-se mais “artístico”, vítimas da celebridade que entram em crise de
abstinência ao perde-la etc.
Por isso, Birdman parece
mostrar o quanto o diretor mexicano Alejandro Iñárritu está grato pelas portas
de Hollywood abertas para ele – em troca, ele tornou mais “moderninho” (com
seus longos planos sequências, câmeras flutuantes e apuro de efeitos digitais)
os velhos mitos que legitimam o negócio da indústria cinematográfica.
O que torna o filme o grande favorito ao Oscar desse ano.
Ficha Técnica |
Título: Birdman
|
Diretor:
Alejandro Gonzalez Iñárritu
|
Roteiro:
Alejandro Gonzalez Iñárritu, Nicolás
Giacobone
|
Elenco: Michael
Keaton, Zach Galifianakis, Edward Norton, Naomi Watts, Emma Stone
|
Produção:
New Regency Pictures
|
Distribuição:
20th Century Fox Pictures
|
Ano: 2014
|
País: EUA
|
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