Enquanto a crise hídrica é anexada à energética pela grande mídia,
nacionalizando a pauta e sobrando as medidas impopulares para a presidenta
Dilma, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, passa incólume pela
crise. Alckmin tira vantagem de uma
blindagem midiática? A resposta não é assim tão simples, onde a grande mídia
supostamente teria poderes para operar uma lavagem cerebral em um Estado
inteiro. Uma pista talvez esteja no impagável apelido dado pelo colunista José
Simão ao governador em 2001: “picolé de chuchu diet”. O colunista foi profético
– pressentiu o papel que Alckmin desempenharia no futuro onde essa imagem “diet”
junto à opinião pública seria fundamental: o papel de líder de um Estado que,
de locomotiva da Nação, se transformaria em laboratório sócio-econômico de
dolorosas experiências neoliberais. Com sua “calma estoica”, Alckmin reflete um
novo conservadorismo baseado num mecanismo de defesa psíquico para os tempos
difíceis anunciados diariamente pela mídia.
Quando em 2001 o então vice Geraldo Alckmin
assumiu interinamente o cargo de governador de São Paulo em decorrência do
agravamento de saúde e posterior morte de Mário Covas, o colunista da Folha
José Simão o apelidou de “picolé de chuchu diet”.
Mal sabia o colunista que esse apelido seria profético:
Simão conseguiu sintetizar nessa impagável analogia a physic du rôle necessária a um político para o papel que
desempenharia no futuro – o de líder de um Estado que, de locomotiva da Nação,
se transformaria em laboratório social e econômico das experiências
neoliberais.
Pegando a carona na expressão de José Simão, em
2004 a revista semanal Veja saudava a
ascensão de uma nova “safra de políticos picolés de chuchu que começa a emergir
com força no País” – entre ele, José Fogaça em Porto Alegre e João Coser em
Vitória. Segundo a revista, ao contrário dos tradicionais figuras carismáticas,
políticos como Alckmin teriam “pouco sal”, transmitindo a imagem de “bom
administrador, perfil discreto, jeito de síndico e nenhum carisma”. E isso
seria “bom para o País” – Leia “Pouco Sal, Muitos Votos”.
No caso de Alckmin, seu perfil demonstrou-se midiaticamente
perfeito para assumir uma discreta liderança de políticas potencialmente
explosivas para a opinião pública – aplicação das medidas para implementar o
chamado “Estado Mínimo” por meio do proposital sucateamento da cultura,
educação e serviços básicos como segurança e o sistema de captação e
distribuição de água dentro da manjada estratégia problema-reação-solução... ou
privatização.
Será que é só a mídia?
Luciano Costa em artigo no Observatório
de Imprensa aponta que a principal vantagem de Alckmin é contar com a
complacência subserviente da imprensa (ao contrário de Dilma, vista como um mal
a ser extirpado) que produz um efeito de blindagem: por toda a crise hídrica
Alckmin passa incólume com sua “cara de paisagem, expressão impassível e frases
superficiais”. Alckmin fala qualquer coisa e os repórteres vão embora.
Mas acredito que só a hipótese hipodérmica de uma mídia
subserviente que faria uma suposta lavagem cerebral na opinião pública não é o
suficiente. Fosse um político de temperamento explosivo como Mário Covas,
certamente o efeito de invisibilidade conseguido com Alckmin não seria o mesmo.
Mais do que isso, a combinação Grande Mídia/Alckmin é perfeita
porque o seu physic do rôle expressa
um novo conservadorismo. Não mais o conservadorismo clássico que ia do
escândalo moralista histérico de Carlos Lacerda e Jânio Quadros, passando pelo
cinismo populista do ademarismo até chegar ao malufismo das obras
descaradamente superfaturadas como o túnel Ayrton Senna.
Novo conservadorismo
Praça Victor Civita: a propagação da nova mentalidade de que tudo é escasso |
A imagem insossa de Alckmin representa esse novo conservadorismo
pautado não mais pelas obras grandiosas e superfaturadas da locomotiva
nacional. Ao contrário, Alckmin agora é o arauto de uma nova mensagem: o futuro
será de precarização e escassez - da Natureza, da água, da saúde, da segurança,
da Natureza, da Sociedade – e por fim a
transformação da escassez em oportunidade de mercado, projeto neoliberal.
E a Praça Victor Civita em São Paulo (com suas obras de arte e jardins autossustentáveis e de material reciclado) é a resultante do consórcio mídiático-governamental para a divulgação dessa nova mentalidade futura - sobre isso clique aqui.
Tudo será escasso e precário não pela corrupção ou má gestão, mas por
alguma catástrofe climático-cósmica e neo-malthusiana, alheia à nossa vontade
como castigo da Natureza.
E o novo conservadorismo será a estratégia psíquica para sobreviver
em tempos difíceis que virão no qual o paulista se apega – a extirpação das
paixões, da aceitação resignada do destino, uma espécie de novo estoicismo cuja
“cara de paisagem” de Alckmin parece expressar.
As descrições feitas pelos
analistas sobre Alckmin como “picolé de chuchu diet”, “sem sal”, “expressão
impassível” são qualidades superficiais de um processo mais profundo: a
construção de um neo-estoicismo que expressa o novo conservadorismo paulista
como estratégia psíquica de sobrevivência.
Os neo-estoicos
Por definição, o Estoicismo foi uma escola de filosofia
helenística criada em Atenas por Zenão de Cítio (335-264 A.C.) que buscava uma
relação ativa entre o determinismo cósmico e a liberdade – viver de acordo com
a lei racional da Natureza evitando emoções destrutivas que resultem em erros
de julgamento.
Estoicos tardios como Séneca em Roma falavam em “calma estoica” -
o sábio deveria ser imune aos infortúnios.
Séneca: a calma estoica |
Alckmin procura construir essa percepção estoica de si mesmo:
quando sorri, parece sentir alguma uma dor profunda. Seus lábios estão sempre
crispados como se continuamente suportasse o fardo de alguma missão. Seu tom
monocórdico transmite a frieza tecnicista do gestor e, ao mesmo tempo, a
sabedoria de alguém que parece ter reprimido suas paixões.
Ao mesmo tempo, o tom professoral e didático que quer imprimir ao
seu discurso transparece uma tensão: os lábios crispados parecem transmitir uma
luta interna – obrigado à missão do didatismo para os interlocutores
ignorantes, parece sempre controlar o ímpeto de mandar tudo às favas.
Seu aspecto de bom mocismo e o fato de ser médico do interior de
São Paulo conferem a base biográfica necessária para a construção da imagem pública
– incrível como ainda áreas de Exatas e Médicas, por si, ainda conferem
respeitabilidade.
E a missão a qual o Destino lhe confiou não é fácil: liderar o paulista
na sua travessia para o admirável mundo das soluções privatizantes para fazer
frente à suposta escassez dos recursos naturais – a privatização da água é uma
delas, ainda mais com a notícia do decreto da redução do ICMS sobre galões de
água, forçando a entrada do produto nos itens que compõem a cesta básica - clique
aqui.
Sobrevivencialismo para tempos difíceis
Aceitar resignadamente o futuro como sombrio e a comoditização
generalizada como única solução, psiquicamente não é fácil.
Certa vez o crítico social norte-americano Christopher Lasch
chamou a estratégia de enfrentamento aos tempos difíceis como
“sobrevivencialismo”: a retórica do desastre insuflada pela mídia cria um
efeito cumulativo de nos deixar indiferentes e resignados em relação ao futuro,
transferindo as preocupações públicas para a esfera privada, despolitizando
qualquer discussão – leia LASCH, Christopher, O Mínimo Eu: Sobrevivência Psíquica em Tempos Difíceis, Brasiliense,
1986.
No caso da atual crise hídrica, a necessidade estoica da renúncia
à satisfação de necessidades e a poupança e reciclagem de recursos como uma
guerrilha psíquica privada, que se completa no protofascismo: o dedo-durismo
histérico contra aqueles que resistem ao novo estoicismo (a renúncia como
virtude da alma) através da divulgação pela imprensa de vídeos e fotografias de
vizinhos “gastões” – sobre isso clique
aqui.
Dessa maneira a (desculpem o trocadilho) alquimia entre Alckmin e
a grande mídia é perfeita: de um lado a mídia o protege, e do outro Alckmin
constrói uma imagem que reflete esse novo conservadorismo. Um conservadorismo
não mais ideológico como no passado, mas agora como mecanismo de defesa
psíquico – como estratégia de sobrevivência para os tempos sombrios que Alckmin
e a grande mídia sistematicamente anunciam.
A “calma estoica” de Alckmin contrasta com o messianismo de Lula e
a imagem de “gerentona” da presidenta Dilma. Tanto Lula quanto Dilma são
carregados de ideologias e paixões: as lutas sindicais e a resistência à
ditadura militar.
Ao contrário, o estoicismo de Alckmin é minimalista,
sobrevivencialista, traços do novo conservadorismo – a renúncia a tudo que suscite paixões e
excessos, os neo-estoicos.
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