terça-feira, agosto 21, 2012
Nova versão de "O Vingador do Futuro" neutraliza visões de Philip K. Dick
terça-feira, agosto 21, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A versão atual de “O
Vingador do Futuro” (Total Recall, 2012) à primeira vista parece ser mais fiel ao conto de
Philip K. Dick ao adotar uma narrativa mais séria, grave e sombria do que o
original de 1990 de Paul Verhoeven. Mero engano. Como é possível um filme hollywoodiano assumir a virulência de um escritor que denunciava conspirações cósmicas e
pregava a revolta contra sistemas autoritários de controle em nome de ideais ocultistas
e esotéricos? Por meio de sutis estratégias que neutralizam as visões radicais de K. Dick permitindo ao
espectador voltar para a sua rotina como se nada tivesse acontecido depois que
as luzes do cinema forem acesas.
Desde que o escritor norte-americano Philip K. Dick atendeu
à campainha da sua casa em março de 1974 e surgiu uma menina de entrega de uma
farmácia usando um delicado colar de onde pendia um peixe dourado, sua vida
nunca mais foi a mesma. Se desde a década de 1950 K. Dick escrevia livros e
contos sobre conspirações cósmicas, universos
paralelos, amnésia, paranoia, estados ambivalentes entre a realidade e ilusão e
revolta contra sistemas autoritários de controle, essa prosaica experiência de
atender a uma entrega confirmou tudo o que imaginava: viu um raio cor de rosa
sair do peixe (símbolo do Cristianismo primitivo) e atingi-lo na região do
terceiro olho (sobre esse episódio da gnose do escritor veja links abaixo).
A partir daí, o
tecido da realidade se esgarçou para K. Dick que passou a vislumbrá-la como um constructu a partir de memórias artificiais implantadas em
cada um de nós: descobriu em uma espécie de epifania religiosa que seu
verdadeiro eu estava em uma realidade alternativa, arquetípica, negada pela
artificialidade dessa realidade.
O conto “We Can
Remember it for You Wholesale” (“Recordações por Atacado”) publicado em 1966 é um
dessas visões de K. Dick sobre a fragilidade da noção de realidade (como
escreve no conto “um conjunto de reações bioquímicas do cérebro estimuladas por
impulsos visuais”). Após o grande sucesso de “Blade Runner – O Caçado de
Andróides” de 1982, baseado em um livro de K. Dick (Do Androids Dream of
Eletric Sheeps?), Hollywood interessou-se pelos insights assumidamente
gnósticos do escritor.
sexta-feira, agosto 17, 2012
O drama subliminar da música de sucesso
sexta-feira, agosto 17, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A música popular de
sucesso esconde um drama subliminar: a tensão entre o beat, ritmo, melodia e
harmonia. E essa tensão é resolvida pelas seguintes maneiras: imposição de uma
estrutura circular, o tempo padrão, a linguagem tatibitate e dependência oral e
a auto-referência. Se Freud estiver correto ao afirmar que toda produção
simbólica humana como a arte, religião e mitologia partilham do mesmo processo
primário da elaboração neurótica do inconsciente como o devaneio, o sonho e o
pensamento infantil, essa tensão presente na música seria aquela existente
entre inconsciente e sociedade. A diferença, é que no hit popular essa tensão é
mais ampla: a luta entre as necessidades mercadológicas da indústria do
entretenimento e a liberdade.
“Ai Se Eu Te Pego” de Michel Teló, “Vem Dançar com Tudo” de
Robson Moura e Lino Krizz (tema da novela "Avenida Brasil" da TV Globo) e “Eu
Quero Tchu Eu Quero Tcha” de João Lucas e Marcelo. Por mais que torçamos o
nariz para esses hits efêmeros, temos que admitir que esses produtos midiáticos
expõem de forma explícita os mecanismos de criação da indústria do
entretenimento. São exemplos didáticos pelo seu esquematismo, repetição e
clichê.
Ouvir essas músicas não é apenas um tipo de entretenimento,
mas em termos de conteúdo significa viver. Numa análise estrutural da harmonia
das canções populares percebe-se uma estrutura básica periódica ou cíclica
refrões e riffs que se repetem criando uma tensão que aprisiona a melodia. A
música termina sempre exatamente onde começou, o que explica, em geral, o final
da canção terminar lentamente em BG: nenhum processo é concluído porque nada
aconteceu.
Para pesquisadores alemães sobre a canção de massas como S. Schädler (“Das Zyklische und das Repetitive: Zur Struktur populärer Musik” In: Prokop,
Dieter: Medienforschung, 2011) e Carmen Lakaschus (“Die Kommunikationswirkung des
Werbefernsehens”, Bauer, 1973) , o tempo cíclico das canções corresponde à própria
natureza cíclica dos eventos da vida cotidiana: amor, objetos, sexualidade,
natureza etc.
Ao analisar o fenômeno da música de massas esses pesquisadores aproximam-se
bastante das ideias sobre emoção estética em Freud como descarga (neurótica) de
intensidades afetivas por meio de condensações e deslocamentos (em termos
linguísticos por metáforas e metonímias). Schadler faz uma interessante análise
estrutural da canção popular ao descrever uma espécie de “drama subliminar” que
ocorreria no interior de cada sucesso: afetos, emoções, aspirações e desejos em
tensão com a ordem social do tempo cíclico e repetitivo das normas e demandas sociais,
representados na música na tensão entre ritmo, riffs e refrões cíclicos que
confinam da melodia.
quarta-feira, agosto 15, 2012
Requiém para um esporte no Museu do Futebol
quarta-feira, agosto 15, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Figuras fantasmagóricas se movimentam em telas
dentro de ambientes escuros como imagens passadas de um esporte que já não mais
existe. O Museu do Futebol parece um requiém da indústria do entretenimento a
um esporte que ela mesma ajudou a transformar, destruindo tudo aquilo exposto e
celebrado pela Exposição. Um exemplo da ironia da "reversibilidade
simbólica" onde a linguagem destrói tudo aquilo que ela tenta representar:" a mais alta pressão por informação
corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real".
Visitei o Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, aqui em São Paulo.
Enquanto caminhava pelas instalações high
tech (multimídias, interativas etc.) insistentemente vinha à mente a tese
do pensador francês Jean Baudrillard de que "a mais alta pressão por informação corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real": quando a mídia se erotiza, é porque o sexo deixou de existir; quando se fala muito de
informação, é porque esta também deixou de existir, e assim por diante. Todas
as coisas parecem perder a sua existência semiológica a partir do momento em
que tentamos representá-las. A fotografia e a câmera apenas representam aquilo
que já passou. O signo só pode representar a própria coisa a posteriori, depois que ela deixou de
existir. Tudo o que conseguimos é sempre a presença de uma ausência.
Por isso para Baudrillard, o signo só pode ser, desde o início, um simulacro daquilo que já não mais existe. Essa natureza secreta e perversa do signo Baudrillard referia-se à “reversibilidade simbólica” ou à própria presença do Mal na linguagem e no conhecimento. Inspirado em referenciais gnósticos cátaros e maniqueos, (em diversas entrevistas Baudrillard confirmou essa matriz gnóstica do seu pensamento – veja links abaixo) Baudrillard acreditava que a realidade, desde o início, já havia sido seduzida pela ilusão e que, por isso, todo conhecimento é fonte de erro para o espírito que acaba aprisionado na cadeia de significantes. Isto é, uma cadeia de signos que já não detém nenhuma transitividade com o real.
Por isso para Baudrillard, o signo só pode ser, desde o início, um simulacro daquilo que já não mais existe. Essa natureza secreta e perversa do signo Baudrillard referia-se à “reversibilidade simbólica” ou à própria presença do Mal na linguagem e no conhecimento. Inspirado em referenciais gnósticos cátaros e maniqueos, (em diversas entrevistas Baudrillard confirmou essa matriz gnóstica do seu pensamento – veja links abaixo) Baudrillard acreditava que a realidade, desde o início, já havia sido seduzida pela ilusão e que, por isso, todo conhecimento é fonte de erro para o espírito que acaba aprisionado na cadeia de significantes. Isto é, uma cadeia de signos que já não detém nenhuma transitividade com o real.
domingo, agosto 12, 2012
"Efeito Copycat", violência e sincromisticismo
domingo, agosto 12, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Poucos dias depois do massacre do Colorado, um
atirador invadiu um templo religioso Sikh (religião hindu que combina hinduísmo
e islã) em Oak Creek, Wisconsin (EUA), e disparou matando pelo menos sete
pessoas. Entre as vítimas, o suspeito morto pela polícia. Existe uma conexão ou
um padrão entre esses dois episódios? Para o pesquisador Loren Coleman, sim.
Seria o que ele denomina como “efeito copycat”, efeito de imitação de
criminosos a partir da repercussão que a mídia oferece a esse tipo de notícia.
Sob as camadas sociológicas e conspiratórias desses acontecimentos apontadas
pelo seu livro “The Copycat Effect - How the Media and Popular Culture Trigger the Mayhem in
Tomorrow’s Headlines”, Coleman em seu blog Twilight Language observa as
ondulações sincromísticas por trás de eventos aparentemente aleatórios.
Loren Coleman é um pesquisador com uma curiosa formação
multidisciplinar: sociologia, psicologia, além de transitar pelos campos da
parapsicologia, parapolítica e, de quebra, é um notório criptozoologista. A
partir do livro “The Copycat Effect” onde estuda os comportamentos suicidas e
homicidas a partir do contágio pelo sensacionalismo noticioso das mídias,
Coleman não se limitou ao clássico diagnóstico sobre o poder hipordérmico dos
meios de comunicação manipular e influenciar como uma estratégia de lavagem
cerebral.
Ele procura ir além dessa superfície: procura explorar conexões e
significados ocultos via sincromisticismo, onomatologia (estudos dos nomes) e
toponimia (estudo dos nomes dos lugares) em seu blog Twilight Language.
Explicando melhor, buscar padrões e coincidência
significativas que envolvam nomes, lugares, comportamentos, atitudes etc. Por
exemplo, o atentado ao um templo silkh dias depois ao atentado a um cinema em
Aurora contém uma curiosa coincidência: as igrejas estão cada vez mais parecidas
com salas de cinema e muito movimentos de mega-igrejas começaram em salas de
cinema compradas ou alugadas.
segunda-feira, agosto 06, 2012
Gnosticismo no MAD TV?
segunda-feira, agosto 06, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Criada nos anos 1950, a revista MAD sempre foi carregada de sátira e
crítica social. Chegou a ser investigada pelo FBI na era da Guerra Fria. Mas
parece que tudo ficou para trás: o vídeo-clip “Flammable” (paródia do clip “Firework”
da cantora pop Katy Perry) do programa “MAD TV” do canal infantil Cartoon
Network consegue ser mais conservador que o produto pop original. Para nossa
surpresa exploram a mitologia gnóstica libertária da centelha divina e da
condição humana prisioneira ao associá-la à situação de marionetes controladas
e manipuladas. Porém, as autoridades (bombeiros e policiais) nos alertam:
cuidado com o que vocês sonham. Vocês podem ser presos!
Férias com crianças em casa nos
reservam sempre surpresas. Principalmente ao acompanhar junto com elas os canais
infantis. Para minha surpresa deparei-me com o programa “Mad TV” no Cartoon
Network. Baseado na antiga revista MAD o programa humorístico de esquetes satiriza
filmes, atores e a cultura pop norte-americana.
Lia a revista Mad na minha
adolescência nos anos 1970 que, de tão bem sucedida no mercado brasileiro
naquela época, passou a fazer sátiras de novelas, mini-séries e filmes
brasileiros. Por isso, acompanhei com grande curiosidade para ver se ainda
mantinha o espírito irreverente e, principalmente, contestador e anárquico da
revista, sintonizada que estava com a contracultura e quadrinhos underground da
época.
Um dos esquetes era um
videoclip chamado “flammable” estrelado por marionetes, uma paródia do clip
“firework” da cantora norte-americana Katy Perry. O vídeo começa com uma marionete parodiando
Katy Perry ("Katy Puty") caminhando até uma varanda. Ela começa a cantar sobre como as
pessoas são deprimidas e sombrias porque se veem como marionetes feitas de
papel reciclado, sempre controladas e contidas. No entanto, ela exorta a todos
que libertem o calor e o brilho que existem dentro delas. No entanto isso acaba
sendo destrutivo porque as marionetes do clip de fato são feitas de papel e
cera e começam a pegar fogo e derreter. No final, Katy Perry é presa por um
policial e os demais personagens terminam queimados e derretidos.
quinta-feira, agosto 02, 2012
Zumbis invadem Havana em "Juan de los Muertos"
quinta-feira, agosto 02, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Juan de los Muertos” (2011), considerado o primeiro filme independente
cubano (co-produção Cuba e Espanha), é ao mesmo tempo curioso e irônico.
Curioso, porque a figura do zumbi, que desde o diretor George Romero é
utilizado como metáfora crítica à sociedade de consumo, agora é utilizada como
crítica à ordem socialista. E irônico, pois os zumbis que invadem Havana na
ficção, na vida real associam-se a outro clichê cultural norte-americano: a da invasão
de Cuba. O filme do diretor Alejandro Brugués parece conter um desejo secreto:
a contaminação de Cuba pela modernidade, nem que seja por zumbis: a criatura
que é a melhor metáfora para o Capital no pós-moderno.
Definitivamente a vida de Cuba
desde a Revolução de 1959 não foi fácil. Tentativas de invasão, embargo econômico liderado pelos EUA, dissidentes conspirando
em Miami e agora... zumbis invadem Havana. Pelo menos na ficção. É o filme
“Juan de Los Muertos”, de Alejandro Brugués, considerado o primeiro filme
independente cubano por não contar com o financiamento do Instituto Cubano de
Artes e Indústria Cinematográfica.
Com co-produção da espanhola La
Zanfoña Producciones, embora sem contar com dinheiro cubano o governo não
interferiu e autorizou inclusive as gravações em monumentos históricos. O filme
faz uma sátira ao regime de Fidel Castro através da invasão de zumbis que
inexplicavelmente chegam a Havana pelo mar e, ao melhor estilo hollywoodiano,
vão aos poucos instaurando o caos e lentamente destruindo a capital, com
direito a efeitos digitais dos “disaster movies” como um helicóptero
descontrolado explodindo no Capitólio.
O longa cubano foi exibido na
22° Cine Ceará desse ano e causou grande agitação. Em entrevistas, o diretor
afirmou que “Juan de los Muertos” já foi vendido para 12 países (ainda sem previsão para chegar no Brasil) e está fazendo
inesperado sucesso nos Estados Unidos. Na estreia em Havana, no Festival de
Cinema no ano passado, havia 15 mil pessoas tentando entrar no cinema. “Parecia
show de rock”, disse Alejandro.
Questionado se os zumbis seriam uma metáfora por serem tão podres
quanto o conceito de “novo homem” pregado pela revolução cubana, Alejandro
afirmou que o filme critica a “ideologia que previa construir heróis cubanos” e
que esse conceito político “perdeu completamente significado”.
Curiosa esse aplicação da metáfora dos zumbis para a realidade
política cubana. Os zumbis como metáfora surgem na história cinematográfica
como uma crítica à intolerância racial em “Noite dos Mortos Vivos” (1968) de
George Romero, contra o militarismo norte-americano em “A Volta dos Mortos
Vivos” (1985) de Dan O’Bannon ou “Madrugada dos Mortos” (2004) onde zumbis
tentam invadir um shopping na melhor aproximação entre zumbis e sociedade de
consumo – consumistas como fossem mortos-vivos. Portanto, os zumbis sempre
foram usados como metáfora crítica à sociedade capitalista. Dessa vez, a força
metafórica dos zumbis é direcionada a uma crítica à ordem socialista.
quarta-feira, agosto 01, 2012
A "materialidade" das produções midiáticas (parte 1): rupturas tecnológicas
quarta-feira, agosto 01, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine um álbum ao vivo da banda Led Zeppellin
como o “The Song Remains the Same” de 1973. O conteúdo (um show no
Madson Square Garden, Nova York) foi imortalizado por diversas mídias sucessivas
ao longo das décadas: vinil, fita cassete, VHS, CD e, finalmente, mp3. Cada uma
dessas mídias criou uma “acoplagem” diferente do usuário com os dispositivos de
reprodução: caixas de som, o mono e o stéreo, headphones, tubos catódicos,
telas LCD etc. Poderiam essas diferentes “materialidades” das mídias moldarem a qualidade da recepção estética, ideológica ou política do conteúdo transmitido? Sim, de acordo com a chamada “Teoria da
Materialidade da Comunicação” de Gumbrecht.
Certamente uma
das linhas de pesquisas atuais sobre produção midiática é a “teoria da
materialidade da comunicação” desenvolvida por pesquisadores do departamento de
Literatura Comparada da Stanford University. O principal articulador da Teoria
das Materialidades é o alemão Hans
Ulrich Gumbrecht, ao lado de um grupo de pesquisadores europeus e
norte-americanos como Jeffrey Schnapp, Niklas Luhman, Friedrich Kittler, entre
outros. O termo “materialidades” no enfoque da comunicação não significa
apresentar uma epistemologia absolutamente nova. Ao contrário, significa
encarar, de uma maneira renovada, um aspecto bastante tradicional no fenômeno
da comunicação.
Em primeiro
lugar, quando se fala em “materialidades da comunicação” significa ter mente
que todo ato de comunicação necessita de um suporte material para efetivar-se.
Falar de “materialidades” a partir deste aspecto (significantes, suportes,
meios etc.) parece tocar num aspecto tão óbvio ou já assentado no campo das
discussões teóricas que nem parece ser digna de menção. Porém, esta aparente
naturalidade parece ocultar aspectos decisivos: em que aspecto as diferentes
mídias ou suportes (ou, então, canais) de comunicação alteram o regime de
produção e troca de idéias? As mídias não podem ser consideradas apenas como
diferentes sistemas de signos através dos quais os significados são
transmitidos, de uma forma neutra e isenta de qualquer interferência. Cada
mídia e dotada de uma ambivalência fundamental: por um lado transmite conteúdos
e, ao mesmo tempo, altera o regime de produção e recepção e interfere nos
próprios processos de recepção sentido das mensagens.
terça-feira, julho 31, 2012
A materialidade das produções midiáticas (parte 2): as "acoplagens"
terça-feira, julho 31, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quais as diferentes “acoplagens” que os
receptores têm com as diferentes mídias? Ao longo da história da comunicação,
cada mídia criou um diferente regime de recepção (temporal e espacial). Oralidade,
manuscrito, escrito até chegarmos ao impresso, cada uma dessas mídias criou uma
cultura própria que altera a recepção, assimilação e compreensão de conteúdos.
Discos de vinil e CDs foram os últimos representantes da “acoplagem” inaugurada
pela cultura tipográfica que será desmaterializada pela cultura digital do mp3.
Sendo as
materialidades da comunicação “a totalidade dos fenômenos que contribuem para a
constituição do sentido sem serem, eles próprios, sentido”[1],
vamos fazer uma breve análise de como os diferentes suportes (indiciais,
icônicos e simbólicos) produzem distintas formas de interações ou “acoplagens”
entre o usuário e a mídia, alterando os regimes de produção de sentido: as
relações entre enunciado e enunciação, a natureza do discurso e a própria
experiência temporal. Isso poderá ser mais drasticamente observado na passagem
das mídias icônicas para as simbólicas, ou seja, dos processos de inscrição
analógicos para as digitais. Aqui, novamente, poderemos constatar a crise das
noções de referência, tempo e totalidade descritas por Gumbrecht.
segunda-feira, julho 30, 2012
A vida antes das redes sociais no filme "Denise Está Chamando"
segunda-feira, julho 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Por que um filme premiado em Cannes com o “Caméra D’Or” como “Denise
Está Chamando” (Denise Calls Up, 1995) foi sendo pouco a pouco esquecido nas prateleiras de
VHS das locadoras pelas novas gerações? Talvez porque a
narrativa tragicômica sobre alienação e estranhamento com o telefone tenha se
tornado incompreensível para uma geração que euforicamente abraça as redes
sociais onde a diferença entre noções como “presencial” e “simulação da presença”
desapareceram. O filme é sobre uma geração onde telefone, secretárias
eletrônicas e fax começavam a substituir as relações presenciais: sexo, morte e
nascimento são eventos experimentados pelos personagens exclusivamente através do telefone com um mix de culpa e
estranhamento. A comparação com o atual filme “A Rede Social” torna-se inevitável.
Estamos na era do e-mail, das
chamadas telefônicas em espera, das secretárias eletrônicas e fax da chamada
Geração X. É a década de 1990, uma época em que a comunicação não presencial começa
a substituir a comunicação interpessoal: jovens que vivem em seus confortáveis
isolamentos diante das telas de seus laptops imersos em trabalho, workhólics
que não precisam mais encarar face a face amigos ou inimigos.
Embora o filme conte a estória
de sete personagens, o principal personagem é mesmo o telefone. Todos são
capazes de experimentar eventos relacionados com sexo, nascimento e morte
(talvez as principais experiências de uma existência) através do telefone, sem
qualquer contato interpessoal ao longo da narrativa. Todos experimentam um
misto de culpa e alienação por nunca conseguirem ou, pelo menos, terem
disposição para travar encontros presenciais. O trabalho é sempre a desculpa.
“Denise Está
Chamando” é um filme sobre a geração pré-redes sociais onde havia um mal-estar
nas comunicações impessoais. Ao contrário da atualidade onde isso desapareceu
com os avatares, emoticons e eventos partilhados em fãs pages que criam a
ilusão de participação e comunidade.
A materialidade das Produções midiáticas (parte 3): as desreferencializações
segunda-feira, julho 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine uma pessoa chegando a um restaurante. Ela pede o cardápio e começa a comer os signos dos pratos (as fotos) ao invés dos referentes (as comidas que são representadas no cardápio). Pois algo parecido ocorre nas mídias eletrônicas e digitais: passamos a tomar ícones, imagens e a própria tela como fosse o próprio real e não mais uma representação, como tínhams consciência nas mídas anteriores. O resultado é que nas novas tecnologias paradoxalmente as mídias atuias retornarão a muitas características das formas presenciais e orais de comunicação. As consequências encontraremos em diversos gêneros televisivos e digitais.
Como afirmamos na
postagem anterior (veja links abaixo), a produção imagética eletrônica e
digital, aparentemente icônica, podemos classificá-las como simbólicas. Se o signo
simbólico caracteriza-se pelo corte semiótico, ou seja, a transferência da
coisa para o signo, a autonomia e o desligamento do mundo significante,
encontramos esta característica nas mídias das novas tecnologias. A relação
contígua com objeto presente tanto na fotografia como no cinema desaparece nas
tecnologias eletrônicas e digitais. O objeto é trans-codificado ou transcrito
para a cadeia algorítmica dos significantes digitais.
Aqui não encontramos nem
a contigüidade e nem a similaridade icônica. Cores, tonalidades, luzes e
sombras são convertidas para CDs e discos rígidos em seqüências de dígitos ou
algoritmos. Temos a relação semiótica arbitrária dos símbolos com os traços
sensíveis do objeto. Abertos estes arquivos numa tela de computador, temos a simulação de uma imagem a partir de uma
matriz numérica.
Mesmo na TV temos
a simulação através do bombardeio de raios catódicos nos pixels do tubo de imagem, originados a partir do sinal hertziano
proveniente do rastreio eletrônico de uma imagem contiguamente criada na câmera
dentro do estúdio. Tanto nas mídias eletrônicas como digitais temos a recriação
ou transcrição do objeto, seja em pixels
ou em algoritmos.
Esta categoria de simulação
é central para compreendermos a natureza crítica das novas tecnologias de
comunicação.
sexta-feira, julho 27, 2012
Sobre coincidências e sincronicidades
sexta-feira, julho 27, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Da esquerda: James Holmes, o atentado ao WTC em 2001 e Mateus Meira (o "maníaco do Shopping) em 1999 |
Quanto mais nos aprofundamos no
caso do massacre do Colorado, mais informações e “coincidências” aparecem por
todos os lados obrigando a quem pesquisa fenômenos comunicacionais a ter que
admitir: as atuais referências teóricas e metodológicas não conseguem dar conta
de fenômenos extremos como esse.
Percebe-se que essas
coincidências têm acendido a imaginação política dos teóricos da conspiração e
a imaginação sociológica de muitos pesquisadores acadêmicos. Todos parecem
estar procurando a causalidade secreta, o elo perdido dos eventos: a questão da
regulamentação de armas, Iluminatis, misteriosos projetos governamentais de
controle mental, assassinatos rituais ocultistas, cultura da violência,
sociedade de consumo etc.
Das intrincadas maquinações dos
teóricos da conspiração às pesquisas científicas acadêmicas, todos têm um mesmo
denominador comum metodológico: a busca das relações causa-efeito – uma
sociedade secreta, uma disfunção social, uma patologia mental endêmica e assim
por diante.
Mas será que eventos extremos
como esse têm uma “causa”? E se os fatos forem a parte mais visível, midiática
e sensacionalista de uma fenômeno cotidiano, “atmosférico” ou sincrônico que
envolve a todos assim como o ar que respiramos?
quarta-feira, julho 25, 2012
Adendo ao post "O Coringa e o massacre do Colorado"
quarta-feira, julho 25, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Nosso leitor Felipe Cardoso enviou para nós essa incrível "coincidência".
Após James Holmes, de 24 anos, matar 12 espectadores
durante a estreia do último filme do Batman, em Aurora, no Estado do Colorado,
muitos fãs das histórias em quadrinhos notaram a tétrica semelhança entre o
massacre e um capítulo da HQ lançada em 1986 "Cavaleiro das Trevas"
("The Dark Knight Returns"), de Frank Miller.
Na publicação, o personagem Arnold Crimp, visivelmente fora de si, entra em um cinema armado e atira contra a plateia.
Na publicação, o personagem Arnold Crimp, visivelmente fora de si, entra em um cinema armado e atira contra a plateia.
Isso é mais do que um exemplo do célebre provérbio de
que “a vida imita a arte”. Apenas comprova o aforismo de que “os pensamentos
são coisas”. É difícil conceber outro lugar onde pensamentos, arquétipos,
mitos, lendas e fatos históricos podem se cristalizar, sedimentar e misturar do
que a indústria do entretenimento. Outrora era a Religião. Hoje são os produtos
midiáticos, com uma diferença: a tecnologia de irradiação, tanto física como
mental.
terça-feira, julho 24, 2012
O Coringa e o massacre do Colorado
terça-feira, julho 24, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Os pensamentos são coisas”
(antigo aforismo oriental)
Desde que o ator Jack Nicholson falou “Eu o avisei!” após a morte do
ator Heath Ledger pouco depois de interpretar o Coringa no filme “Batman: o
Cavaleiro das Trevas”, estranhas “coincidências” passaram a cercar esse
personagem. Nicholson havia interpretado o Coringa em versão anterior do Batman
do diretor Tim Burton. Parecia que ele já havia experimentado a estranha força
desse personagem, espécie de alter ego invertido do protagonista Batman. O
massacre provocado por um atirador na estreia do novo filme do Batman em um
cinema em Aurora, Colorado (EUA), reabre essa discussão: será que esse episódio
é um eco de uma realidade mais profunda que se tenta esconder?
James Holmes foi preso pouco
depois dos disparos e afirmou ser o Coringa para os policiais. O fato de que
muitos fãs foram fantasiados à estreia de “Batman: O Cavaleiro das Trevas
Ressurge”, permitiu ao agressor passar despercebido com máscara de gás e uma
escopeta AR-15.
O próprio pai de Heath Ledger, Kim
Ledger, apressou-se a dizer que “não devemos culpar Heath Ledger ou o
personagem”. A pressa com que Kim Ledger fez essa declaração e o próprio
interesse imediato dos jornalistas em saber o que ele pensava sobre tudo isso revelam
um ato falho: há algo de mais profundo nesse episódio, para além do controle de
armas e munições. Ainda estamos em uma discussão sobre as relações de
causa-efeito. A “loucura” de Holmes encontrou farta disponibilidade de armas e
bombas para se materializar. Mas fica em suspenso a questão: que espécie de “loucura”
é essa?
Dentro do histórico de
atiradores e serial killers na cultura norte-americana, dois elementos chamam a
atenção: primeiro, o atirador não se matou (ou pelo menos não houve tempo para
isso); segundo, faltou o elemento narcísico: o atirador não deixou nenhum vídeo
destinado à divulgação pelas mídias sobre “explicações” do porquê do seu ato.
Parece que o caso do massacre do Colorado não se enquadra no script de casos
anteriores como Columbine. Podemos formular uma hipótese: e se esse caso do
Colorado for a expressão mais dramática e mortal de um fato que é mais
corriqueiro do que imaginamos? Explicando melhor, será que Holmes levou a sua
performance ao extremo em uma sala de cinema onde muitos estavam fantasiados
com os personagens do filme Batman? Ele levou à sério demais seu personagem?
segunda-feira, julho 23, 2012
Um passeio pelo consumo subliminar no curta "Supermercado"
segunda-feira, julho 23, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Finalista do “Vimeo Awards 2012” o curta-metragem brasileiro “Supermercado”
faz um bizarro tour em um centro de compras onde um consumidor “surta” e
transforma-se em um imundo “monstro” que passeia calmamente empurrando seu
carrinho de compras diante de clientes perplexos. O que os publicitários chamam
de identificação do consumidor com o produto e a marca, o curta leva às últimas
consequências: a revelação de que grandes centros de compras como supermercados
são locais de manipulação subliminar tanto da arquitetura quanto da percepção.
Entramos em um supermercado
através de um plano sequência pelo ponto de vista do interior de um carrinho de
compras. Passamos pelos corredores formados pelas gôndolas de produtos. A lente
em grande angular só reforça a poluição visual da parafernália de cores,
displays e embalagens. Um homem todo vestido de branco empurra esse carrinho.
Ele se detém diante de uma prateleira de refrigerantes, pega uma pet, abre e
despeja o conteúdo calmamente na cabeça.
Esse é o início do curta-metragem
brasileiro “Supermercado” que foi um dos finalistas do “Vimeo Awards 2012”. Seus
realizadores Eduardo Srur e Fernando Huck descrevem o curta como “uma intervenção
no supermercado que caminha por várias nuances, do prazer absoluto a repulsa
total, um surto dentro de uma prisão chamada consumo. O espaço público é
utilizado como palco da subversão e dialetiza com os consumidores de forma
pacífica, mas contundente.”
De fato, o protagonista “surta”: despeja em sua cabeça camadas e mais
camadas de achocolatados, mostarda, creme de leite e assim por diante, até
adquirir a aparência de um monstro imundo no ambiente asséptico de um supermercado. E continua calmamente empurrando
seu carrinho diante de perplexos clientes.
Embora o argumento do curta-metragem baseie-se em clichês
psicologizantes das tradicionais análises sobre o consumismo (o consumidor como
um ser passivo e indefeso, a sociedade de consumo como uma prisão – reforçada
pelo ponto de vista interno do carrinho que faz uma analogia com as celas de
uma prisão, etc.), a narrativa apresenta interessantes insights acerca do verdadeiro espaço subliminar que é um
supermercado.
quinta-feira, julho 19, 2012
Uma dura lição para as crianças em "A Era do Gelo 4"
quinta-feira, julho 19, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Férias escolares com chuva e frio. Em metrópoles como São
Paulo uma das poucas opções nessas situações são os shoppings e seus cinemas
multiplex. Pelas associações (chuva, água e frio) veio a ideia de levar os filhos para assistir “A Era do Gelo 4”.
Dessa vez o trio central de amigos (o mamute Manny, o tigre
dente-de-sabre Diego e o bicho preguiça Sid) vai enfrentar uma gigantesca
catástrofe geológica: a separação dos continentes provocada pelo esquilinho
Scrat na sua busca incansável pela noz. A estreita faixa de terra e gelo em que
vivem está sendo empurrada para o oceano por um gigantesco paredão de rochas. A
única chance de sobrevivência é escapar por uma ponte de rochas e terra
vislumbrada no horizonte. É o início da fuga de todos os animais liderados pela
família de mamutes protagonistas. Para complicar, Amora, filha de Manny e
Ellie, está na adolescência e naquela fase de busca da própria independência e
desafiando a autoridade dos pais.
Amora sente-se atraída por um jovem mamute que pertence a um
grupo de “rebeldes” que sempre estão em lugares perigosos para viverem
experiências de diversão radicais pouco recomendadas pelos pais. Situação
suficiente para criar diálogos conflituosos como “eu queria que você não fosse
meu pai!” que precederá a uma grande avalanche que separará a família: Manny,
Diego e Sid cairão no oceano sobre um imenso bloco de gelo cuja corrente
oceânica os levará para longe de Amora e Ellie.
Amora se sentirá culpada pelo desaparecimento do pai depois
de ter dito palavras tão duras, enquanto Manny e seus amigos empreenderão uma
épica luta enfrentando piratas e outras ameaças para poder retornar à família
ameaçada pela catástrofe.
Culpa, renúncia e sacrifício são as palavras-chave dessa
continuação da franquia “Era do Gelo”. Comparado com os temas dos episódios
anteriores da série (o valor da amizade, respeito às diferenças, a coragem e a
ajuda ao próximo), os temas dessa continuação parecem ser mais duros, sérios,
como se tivesse uma mensagem para todos: se preparem para os tempos duros que
virão e mantenham a família e amigos juntos e disciplinados!
terça-feira, julho 17, 2012
"Ad-Gnose: a Engenharia do Espírito na Publicidade" será discutida na COMUNICON 2012
terça-feira, julho 17, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Foi aceito o resumo expandido de um artigo científico desse
humilde blogueiro submetido à comissão de avaliação do II Congresso Internacional
Comunicação e Consumo - COMUNICON 2012, evento que será realizado nos dias 15 e
16 de outubro na Escola Superior de Propaganda e Marketing em São Paulo com o
tema “Comunicação, Consumo e Ação Reflexiva: caminhos para a educação do
futuro” (clique aqui para ver a programação). O resumo expandido refere-se ao artigo “Ad-gnose: a engenharia do
espírito na publicidade”.
O artigo será apresentado dentro do Grupo de Trabalho"Comunicação, Consumo e Cultura Contemporânea; Imagem, Cidade e Juventude"
“Ad-gnose” foi um conceito criado a partir das pesquisas
nesse blog sobre a linguagem publicitária contemporânea: as estratégias publicitárias atuais
estão para além do comportamental, subliminar ou da captura das fantasias
compulsivas ou impulsivas. Atualmente busca-se um nível mais profundo: o
repertório da simbologia arquetípica da espécie humana. A fase “Este é o
produto, agora compre-o!” foi deixada no passado para, em seu lugar,
consolidar-se a prospecção dos simbolismos mais profundos da alma humana que
procura apresentar o consumo como uma experiência espiritual de
autoconhecimento.
A
Publicidade parece que assimilou todas as críticas feitas a ela ao longo da
história (consumismo, superficialidade, frivolidade, materialismo etc.) e
procura demonstrar que mudou, se espiritualizou e não vê mais o consumo como
mero ato de aquisição, mas de enriquecimento espiritual.
É claro
que esse conceito de “Ad-Gnose” (advertising + "gnosis", iluminação espiritual) é crítico e irônico: buscar a experiência
espiritual (a transcendência) numa troca econômica (imanência) que pressupõe
todo um sistema econômico e político que se impõe como um princípio de
realidade é, na verdade, confinar as aspirações contidas nos arquétipos,
transformando-as em dócil e resignada motivação para o consumo.
Leia
abaixo o resumo expandido do conteúdo a ser discutido na COMUNICON 2012:
Demiurgo prisioneiro do tempo em "Crimes Temporais"
terça-feira, julho 17, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Como fazer um filme
sobre um tema tão revisitado e com tantas versões como viagem no tempo? Na
época estreando em longa-metragens, o espanhol Nacho Vigalondo, escreveu e
dirigiu o filme “Crimes Temporais” (Los Cronocrimenes, 2007) que dá uma
resposta criativa e inovadora ao gênero ao misturar o voyeurismo de Hitchcock
no clássico “Janela Indiscreta” com uma curiosa sacada metalinguística onde o
diretor faz o próprio cientista que perde o controle de uma experiência
temporal – cientista, roteirista e diretor, todos demiurgos prisioneiros de
limites análogos: na Física as leis da entropia e inércia; no roteiro, as
regras narrativas e a verossimilhança. Física e roteiro governados pelo mesmo
inimigo implacável: o Tempo.
Após ser indicado para o Oscar em 2004 com seu curta “7:35 De La Mañana”, o diretor e roteirista espanhol Nacho Vigalondo pôs em prática seu projeto de filmar um “roteiro
enlouquecido sobre viagens no tempo com muitos paradoxos temporais que jamais
imaginava que pudesse realizá-lo”. Uma estória intrincada sobre viagem no tempo
com escassos deslocamentos espaciais e temporais: deslocamentos ao passado de
uma hora com toda ação acontecendo dentro de um espaço limitado a um quilômetro.
Vigalondo inspirou-se em uma cena do filme “De Volta Para o
Futuro 2” (Back To The Future 2, 1989) onde Michael Fox tem que se esconder do
seu próprio “eu” futuro para montar um roteiro com três pistas narrativas (com
a possibilidade final de uma quarta!). Um homem de meia idade chamado Hector
(Karra Elejalde) muda-se com sua esposa Clara (Candela Férnandez) para uma casa
em uma região rural de Cantábria no norte da Espanha.
Enquanto estão às voltas com móveis, tintas e reformas,
Hector tem sua atenção despertada para um bosque. Pegando um binóculo no meio
das caixas da mudança, Hector concentra-se naquela área vizinha e descobre que
uma bela jovem está tirando a roupa por trás das árvores. Aproveitando que
Clara saiu de carro para comprar alimentos para o jantar, guiado pelo impulso
de curiosidade e atração sexual, Hector vai até o bosque para encontrar a
desconhecida mulher. Hector acaba encontrado-a deitada, nua e desfalecida até
ser atingido por um golpe no braço com uma tesoura desferida por uma estranha
figura com a cabeça envolvida por ataduras vestindo um pesado casaco negro.
sábado, julho 14, 2012
Vidro e cultura da interface em "A Day Made Of Glass"
sábado, julho 14, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O vidro talvez tenha
sido um dos objetos que mais representaram a Modernidade na arquitetura, design
e decoração. Da transparência, passando pelo fumê e espelhado dos shoppings e
mansões dos novos ricos, hoje chegamos à opacidade definitiva – a conversão em tela
touchscreen. O curta publicitário “A Day Made Of Glass” apresenta de forma
sintética a ideologia por trás dessa transformação do vidro em interface: da
transparência como uma janela aberta para o mundo e para si mesmo (telescópios
e espelhos), o vidro transforma-se em tela onde ícones e diagramas fazem a
mediação com o real criando a ilusão de controle e funcionalidade. Cada vez
menos nosso interesse em objetos, pessoas e eventos é orientado pela
curiosidade da descoberta, e muito mais pelo interesse operacional e logístico.
Como será o futuro? A Corning, uma empresa norte-americana
que fabrica vidros protetores de alta resistência, produziu um curta chamado “A
Day Made Of Glass” (Um Dia Feito de Vidro) com cenários futuros do que seria o
dia-a-dia das pessoas: como será a interação da humanidade com os eletrônicos
através de interfaces de vidros, logicamente produtos da empresa. Para a
Corning os dispositivos touchscreen
serão parte integrante do cotidiano, não apenas em computadores, mas em
celulares, espelhos no banheiro, fogões, outdoors.
Curtas como esse, ainda mais publicitários, são sempre muito
interessantes porque estamos diante de um produto cultural altamente
concentrado e sintético: retórica, ideologia e visão de mundo sintetizados em
um curto espaço de tempo. Por isso, torna a visão de mundo ideológica
explícita, sem as camadas de linguagem como nos filmes longa-metragem.
Além dos aspectos retóricos evidentes da linguagem
publicitária (os planos e fotografia lembram um grande comercial da família
feliz com cereais matinais e os personagens elaborados a partir dos tipos
ideais que lembram os modelos sorridentes da cidade de “Seaheaven” do filme
“Show de Truman”), o que chama atenção é que o vídeo não é uma “visão de um futuro
próximo”. É na verdade um wishfull thinking,
isto é, uma projetação em um futuro hipotético dos próprios desejos da empresa Corning
no presente. O que torna esse vídeo não uma utopia (o vislumbre de novos mundos
diferentes dos atuais), mas uma “atopia”: o futuro como uma espécie de
metástase da visão de mundo pré-existente.
quinta-feira, julho 12, 2012
Góticos, darks e emos vagam pelos shoppings
quinta-feira, julho 12, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O poder dos símbolos e divindades pagãs é estetizado há décadas pela
indústria do entretenimento, por exemplo, através do imaginário dark, gótico ou
de todo um "sub-zeitgeist" que fascina sucessivas gerações. Seria o sintoma ao mesmo tempo de tendências depressivas principalmente de jovens e adolescentes e do anseio pela "experiência
religiosa imediata". Com o esvaziamento da mitologia política, temos agora o Sagrado e o Religioso como um novo imaginário para canalizar a angústia por transcendência do jovem.
"Toda ideologia tem o seu momento de verdade" (Theodor Adorno)
Recentemente
os alunos da disciplina de Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicação da
Universidade Anhembi Morumbi produziram seus primeiros Argumentos e Sinopses,
apresentando oralmente suas produções na sala de aula. Uma característica
recorrente nos argumentos das narrativas apresentadas me chamou a atenção: de
14 estórias apresentadas, quase a metade se inseriam em um imaginário gótico e
místico, recheado de simbologias alquímicas, protagonistas esquizofrênicos que
não distinguem ilusão de realidade, lugares subterrâneos e mundos paralelos
atacados por vampiros etc.
Estórias cujos protagonistas em geral adolescentes, que levam uma vida normal até descobrirem que têm estranhos poderes e que são observados secretamente por entidades sombrias. Por que jovens com idades em torno dos 20 anos são fascinados por esse imaginário dark, com tonalidades ao mesmo tempo depressivas e épicas?
É marcante
o constante revival entre jovens deste universo que ao longo
das décadas assume diversos rótulos.
quarta-feira, julho 11, 2012
Terrorismo e a propaganda política no filme "Iron Sky"
quarta-feira, julho 11, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine uma co-produção finlandesa, alemã e australiana que mistura “Star Wars”, bases lunares nazistas, filme “Independence Day”, a republicana Sarah Pallin na presidência dos EUA, Naziexploitation e um astronauta negro símbolo do marketing político dos republicanos que cai nas mãos dos nazistas lunares para ser embranquecido e tornar-se ariano por médicos da SS. Pois essa combinação delirante foi premiada no Festival de Cinema Fantástico de Bruxelas e no Festival de Berlim. É o filme “Iron Sky” (2012). Pode parecer um pastiche de inconsequente humor negro, mas por trás dessas camadas de puro absurdo estão interessantes insights sobre o terrorismo de Estado e propaganda política além de fazer refletir sobre a natureza das teorias conspiratórias contemporâneas.
“De onde somos? Da Terra. E quando nós saímos? 1945. E para onde nós fomos? Para o lado escuro da Lua!!! Salve Hitler!” Essa é uma das primeira sequências de “Iron Sky” onde acompanhamos uma aula na escola infantil dentro de uma gigantesca base lunar com tecnologia e arquitetura retro e com astronautas trajando roupas que parecem ter saído de algum brechó temático da II Guerra Mundial. Mas é uma base lunar para onde os nazistas fugiram após a invasão Aliada na Alemanha no final da Guerra para se esconder no lado escuro da Lua. Lá planejam a grande invasão à Terra para construir dessa vez o IV Reich.
Tudo vai bem até serem incomodados com a chegada do primeiro astronauta
americano naquela região, James Washington (Christopher Kirby), em uma missão
que é um produto da propaganda política de uma ultraconservadora Sarah
Palin (“Um Negro na Lua. Sim! Ela Pode!” – é o slogan da campanha da presidenta à reeleição).
Prisioneiro, os nazistas roubam seu celular e descobrem uma tecnologia muito
mais avançada que pode colocar em ação a maior de todas as armas: a gigantesca
nave “Crepúsculo dos Deuses” – uma espécie de “Estrela da Morte” como no filme
“Star Wars”.
Mas a bateria do celular acaba. Eles precisam de outro
celular. Decidem enviar um pequeno grupo à Terra, junto com o astronauta James
que, submetido aos tratamentos dos médicos da SS, torna-se ariano (!) – em uma
hilariante referência ao filme “Dr Fantástico” de Kubrick, constantemente seu
braço direito quer fazer a saudação nazi, mas é contido pelo esquerdo...
domingo, julho 08, 2012
A história secreta da Moda e dos manequins
domingo, julho 08, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Os modernos manequins nas
vitrines dos shoppings são herdeiros de uma longa tradição do fascínio humano
por bonecos, fantoches, autômatos e demais simulacros humanos. Esse fascínio
teria suas origens mágicas e herméticas na Teurgia e Alquimia. Se isso for
verdadeiro, a história dos manequins revelaria uma nova narrativa sobre a Moda
que vai além dos tradicionais discursos antropológico e semiótico/linguístico.
Uma narrativa que descreveria a história de como o corpo humano foi ao poucos
transformado em um “golem” (o “não formado”): um corpo inanimado à espera de um
Espírito (o “Estilo”) que lhe traga a vida.
sexta-feira, julho 06, 2012
O que há em comum entre a fotografia e o dinheiro?
sexta-feira, julho 06, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Com essa pergunta não queremos falar sobre a profissionalização da fotografia ou sobre os conflitos entre a arte e a mercantilização. Estamos mais interessados em encontrar as semelhanças entre essas duas invenções no plano do imaginário social. Devido à função de representação que eles carregam (representar o real e a riqueza), a sociedade investe neles um alto valor moral: respectivamente objetividade e verdade; gratificação pelo empreendimento pessoal. Porém, a "obesidade" tecnológica parece inverter essa função ao reservar à fotografia e ao dinheiro o destino da dissimulação, simulação e hiper-realidade.
A fotografia e o dinheiro talvez sejam as principais bases
imaginárias do Capitalismo. A primeira foi a invenção que deu início de toda a
civilização da imagem, do espetáculo e das celebridades; e o segundo foi o
instrumento para a criação de um princípio geral de equivalência, troca e
unidade contábil através da qual todas as qualidades (objetos, valores, desejos
e até sentimentos) podem ser quantificadas em um sistema de calculo universal.
A invenção da fotografia se desdobrou em uma série de
subprodutos: fotojornalismo, foto publicitária, fotografia de viagem, retratos,
foto-arte etc.; e o dinheiro em papel-moeda, cheque, crédito, dinheiro digital
etc..
Embora gêneros de diferentes mundos (o cultural e o
econômico) capazes de assumirem diferentes formas, um princípio único e mais
básico os torna comuns: ambos são exemplos do primado da ordem da representação no Ocidente. Esse “partido
da representação” pode ser formulado da seguinte maneira: em toda e qualquer
forma de representação alguma coisa se encontra no lugar de outra coisa.
Representar significa o outro do outro. Seriam exemplos do desejo humano em
simbolizar, representar o que vê, o que sente e o que produz.
Tanto a fotografia quanto o dinheiro partilham de um poder
de representação, isto é, a existência de uma relação semiótica de similaridade
entre o negativo ou a foto impressa com o referente “real” ou uma relação
semiótica simbólica entre um pedaço de metal ou plástico com uma quantidade de
riqueza econômica correspondente.
terça-feira, julho 03, 2012
Filme "Eva": o que você vê quando fecha os olhos?
terça-feira, julho 03, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A chamada “senha
sagrada”, a pergunta “o que você vê quando fecha os olhos?”, é uma bomba lógica
e fatal para os robôs no filme espanhol “Eva” (2011), usada em situações
extremas quando o robô deve ser imediatamente “desligado”. Com temática
semelhante a “I.A.” (2001) de Spielberg, o diretor Kike Maíllo evitou os clichês dos
mundos sombrios, pós-apocalípticos e distópicos para colocar a questão em um
futuro próximo ao focar os robôs dentro do problema central da inteligência
artificial: a lógica linear e binária dos robôs não consegue entender os
paradoxos lógicos como o que está contido nessa pergunta fatal. Sem vida interior
os robôs somente enxergam a escuridão. Isso até tentarem fazer um robô especial
que seja capaz de ver a Luz da consciência, mas com perversas consequências. Filme sugerido pelo nosso leitor Fábio Hofnik.
“EVA” é um desses filmes difíceis de serem resenhados porque
qualquer coisa que se escreva sobre ele corre o risco de transformar-se em um
grande spoiler, matando a graça da narrativa.
Isso porque o filme consegue realizar uma coisa que é o sonho de todo
roteirista: uma narrativa bem amarrada a partir de um gancho perfeito. No caso
de “Eva” o gancho é uma pergunta denominada por um dos personagens como “a
senha sagrada”: “O que você vê quando fecha os olhos?” Uma pergunta que somente
pode ser formulada a um robô em casos extremos, quando não resta outra
alternativa. Em quais casos extremos? Quando robôs irremediavelmente se
danificam, algumas vezes a ponto de ameaçarem seres humanos. Ao ouvir a
pergunta, o robô imediatamente entra em colapso e desliga.
Em um futuro bem próximo, Alex Garel (Daniel Brühl – “Adeus
Lênin” e “Bastardos Inglórios”) é um famoso programador de robôs que retorna à
sua cidade natal dez anos depois para reencontrar sua antiga Universidade de
Robótica e seu amor Lana (Marta Etura), pesquisadora e professora da
Universidade, mãe de uma menina chamada Eva. Agora casada com o irmão de Alex
(David Garel – Alberto Ammann), cria-se um triângulo amoroso que irá se tornar
no tenso pano de fundo do projeto que envolverá todos: a criação de uma nova
linha de robôs livres e autônomos.
Em busca de uma personalidade infantil ideal para servir de
modelo para desenhar um inédito programa de personalidade para esse novo robô,
Alex encontra na menina Eva a criança perfeita: inteligente, perspicaz e
criativa.
Tecnologia do Blogger.