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segunda-feira, fevereiro 10, 2020
A Luta de classes no Capitalismo Cognitivo em "Parasita", vencedor do Oscar
segunda-feira, fevereiro 10, 2020
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O diretor sul-coreano Joon-ho Bong é um especialista no tema luta de classes. Seus filmes como O “Expresso do Amanhã” e “Okja” são variações sobre um tema cada vez mais aprofundado pelo diretor. Até chegar a “Parasita” (Gisaengchung, 2019), o grande vencedor do Oscar (melhor filme, diretor, filme estrangeiro e roteiro original), sua reflexão mais profunda tomando como cenário o chamado “Capitalismo Cognitivo”: “não-pessoas” com seus celulares e cercados de tutoriais e aplicativos, prontos para subempregos terceirizados – forma avançada de capitalismo na qual os patrões tornam-se invisíveis e a luta de classes oculta em camadas de apps. Desempregados e “uberizados”, a família Kin-taek passa a se interessar pela família Park. Ricos, terceirizam na sua residência todos as necessidades cotidianas. É a chance dos Kin-taek arrumarem um emprego mais estável. Mas uma perturbadora revelação trará consequências catastróficas para todos os envolvidos.
domingo, dezembro 29, 2019
A banalidade do tédio conjugal e da pós-morte na série "Forever"
domingo, dezembro 29, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Amor, casamento, rotina, tédio. Uma série sobre amor e a rotina da vida conjugal onde duas pessoas casadas e entediadas tentam não ser chatas uma com a outra. Até o momento em que essa tragédia banal se transforma numa questão cósmica entre a vida e o pós-morte. Essa é a série da Amazon “Forever” (2018-), uma estranha “quase-comédia” sobre pessoas absolutamente banais: e se você decidisse transformar a sua vida em tudo aquilo que será, como você continuaria encontrando alegria na banalidade familiar, dia após dia, ano após ano? Será que até mesmo depois da morte? E se o inferno for mesmo a repetição, como fala Stephen King, onde até mesmo os segredos do pós-morte são tão banais quanto a rotina entediante dos vivos?
quinta-feira, dezembro 26, 2019
A sensibilidade cosmológica gnóstica do filme "Ad Astra - Rumo às Estrelas"
quinta-feira, dezembro 26, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“... para a exploração de novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”. Essa abertura da série clássica “Jornada nas Estrelas” (1966-69) mostrava como o gênero ficção científica sempre buscava um significado do homem no cosmos. Mas “Ad Astra – Rumo às Estrelas” (2019) é mais um filme que desconstrói essa premissa do sci-fi clássico: ao lado de “Prometheus” de Ridley Scott e, indo além para outros gêneros, como “Apocalypse Now” e “As Aventuras de Pi”, “Ad Astra” transforma a jornada do filho em busca do pai nos confins do sistema solar como a alegoria da própria busca humana por Deus. O peregrino cristão em busca da Cidade Celestial e a Jornada do Herói são os grandes arquétipos explorados pela narrativa, porém com a atual sensibilidade cosmológica gnóstica - uma jornada semelhante a uma espiral que nos conduz para dentro de nós mesmos, diante de um Universo vazio, hostil e sem propósito.
domingo, novembro 10, 2019
O "lixo branco" Ocidental na série "The End of the F***ing World"
domingo, novembro 10, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Filmes e series cada vez mais estão escolhendo o “White Crap” Ocidental como anti-herois: o “lixo branco” – depois de negros, hispânicos e imigrantes terem sido explorados até o bagaço, agora é a vez dos brancos caucasianos, filhos de uma classe média que acreditou no sonho que deu errado. São niilistas, ressentidos e cheios de raiva. Esperando apenas que o mundo acabe ou que apareça algum tipo de botão “eject”. Essa é a série Netflix “The End of the F***ing World” (2017-): um jovem tem certeza de que é um psicopata. E escolhe como vítima de estreia uma garota da escola, tão ou mais niilista e cínica que ele. Também à espera do fim do mundo para acabar com uma vida suburbana medíocre. Surge uma improvável estória de amor. Uma espécie de Romeu e Julieta pós-moderna que evolui para Bonnie e Clyde, com assassinatos e fugas. Jovens que vivem numa espécie de “Nowhere” psíquico sem um plano: não querem ficar onde estão, e muito menos chegar a parte alguma.
quinta-feira, outubro 24, 2019
A adaptação esquizofrênica numa sociedade pós-moderna em "Greener Grass"
quinta-feira, outubro 24, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Freud acreditava que a
civilização cobrava um preço ao indivíduo: o mal-estar, a neurose. Ele e toda a
sociologia clássica temiam a “anomia”, o momento em que o mal-estar explodiria
contra a civilização. Mas a sátira do filme “Greener Grass” (2019), da dupla de
humor de improvisação stand up, Jocelyn DeBoer e Dawn Luebbe, mostra que no
mundo pós-moderno paradoxalmente o mal-estar e alienação se tornam ferramentas
de adaptação. Em um típico condomínio suburbano de classe média (algo como o
sonho americano dos anos 1950 que caiu no Instagram do século XXI) temos uma
visão maluca e surreal do tédio da vida suburbana kitsch e brega, vivendo um
estilo de vida esquizoide: sentimentos confusos que tentam conciliar interações
sociais competitivas com uma polidez politicamente correta neurótica. O
resultado é uma sociedade à beira da depressão e, por isso, mais adaptada pela
incapacidade de ousar.
sábado, setembro 28, 2019
O todo nunca é a soma das partes no filme "The Square: A Arte da Discórdia"
sábado, setembro 28, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Distraído por uma afluente vida pós-moderna, cercado por mantenedores de arte milionários e artistas e instalações conceituais, um bem-sucedido curador de um museu de Estocolmo vive em uma bolha social. Lá fora, o crescente problema dos refugiados e sem-tetos deitados nas limpas calçadas suecas. Até que o roubo da sua carteira e celular e a chegada de uma enigmática exposição chamada “O Quadrado” fazem o caos invadir a vida do protagonista: um incidente catastrófico de relações públicas para o museu somado ao inferno pessoal o fazem descer à realidade. Esse é o novo filme do diretor sueco Ruben Östlund “The Square: A Arte da Discórdia” (2017), no qual a arte continuará alienada da realidade enquanto acreditar que a soma de boas intenções individuais poderá mudar o mundo. Porque o todo é muito maior do que a soma das partes.
quarta-feira, setembro 11, 2019
Ao invés de conquistar corações e mentes, Esquerda prefere ser o cão de Pavlov
quarta-feira, setembro 11, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O “cão de Pavlov” foi o protagonista de uma experiência que revolucionou a propaganda política e a publicidade do século XX. Há 100 anos o médico russo Ivan Pavlov descobriu o reflexo condicionado: apenas o som de uma sineta fazia o cão salivar de fome, mesmo sem ter na sua frente um prato de comida. Diante da repetição de estímulos diários através de bravatas, provocações escatológicas, chulas e autoritárias do Governo, a guerra semiótica criptografada tem jogado a esquerda e oposições num labirinto de informações desconexas, transformando-as em um cão de Pavlov pós-moderno que reage de forma reflexa aos estímulos. Saliva de ódio e reage com o fígado, ficando apenas nas trincheiras da “guerra cultural”. Enquanto o patrimônio nacional é rapidamente vendido na xepa do mercado. Em sua guerra particular, esqueceu das massas silenciosas, supostamente anestesiadas. Anestesiadas porque não conseguem ver as relações causa-efeito entre a xepa e a sobrevivência cotidiana uberizada. Sem nenhuma iniciativa de comunicação didática para esclarecer ao brasileiro comum essa relação causal e conquistar corações e mentes, prefere assumir o confortável papel de cão de Pavlov.
quarta-feira, agosto 07, 2019
Tarantino revela alterego e nostalgia pós-moderna no filme "Era uma Vez em... Hollywood"
quarta-feira, agosto 07, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quentin Tarantino nunca frequentou uma escola de cinema. Ele viu filmes. Mais do que isso. O que move Tarantino é a sua nostalgia cultural pós-moderna: ele não sente saudades de eras e momentos em que viveu. É nostálgico por tudo que apenas viu em filmes, TV e livros. Saudades daquilo que não viveu. “Era Uma Vez em... Hollywood” (Once Upon a Time... in Hollywood, 2019) é o paroxismo de toda a sua carreira cinematográfica: ambientado na cena de 1969 em que a velha Hollywood do “Studio System” com seus Westerns no cinema e TV desaparecia para dar lugar a Bruce Lee, Steve McQueen, Roman Polanski e a beleza trágica de Sharon Tate – assinada em um massacre perpetrado pela “Família Mason” liderada pelo guru Charles Mason. Sob camadas e camadas de iconografia pop, alusões e intertextualidades, Tarantino não só cria uma nostalgia hiper-real mas faz o filme mais metalinguístico de todos: a ansiedade do protagonista que não sabe o que fazer no futuro é o alterego do próprio diretor – como se reiventar agora, se a nostalgia pós-moderna acredita que o cinema já mostrou tudo o que era mais importante?
terça-feira, julho 02, 2019
Como fugir da barbárie sem celulares e tablets em "À Espera dos Bárbaros"
terça-feira, julho 02, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um grupo de seis pessoas está com medo: souberam através das redes sociais que os bárbaros estão chegando. Eles batem à porta da casa de um casal de magos, pedindo para se esconder do perigo iminente. Mas os magos impõem uma condição: deixar seus celulares e tablets num cesto na entrada, para iniciarem uma viagem iniciática e mística no presente e para o passado. Sem wi-fi e Internet, o grupo sente-se nas trevas – como saberão do avanço dos bárbaros sem Internet? Esse é o filme francês “À Espera dos Bárbaros” (“En Attendant Les Barbares”, 2017), de Eugène Green, uma experiência ao mesmo tempo documental e ficcional sobre nossa condição em um mundo tecnológico: a mídia está para nós assim como o peixe está para a água. Sem nossos dispositivos tecnológicos nos sentimos fora d’água. Mas esta não seria a oportunidade de nos religar com o outro e com a realidade? Filme sugerido pelo nosso leitor Fernando Câmara.
quinta-feira, junho 20, 2019
Livro "A Morte da Verdade: a culpa é dos russos e pós-modernos
quinta-feira, junho 20, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A Internet era um sonho do Vale do Silício, um paraíso inspirado na fé pela natureza humana criado por pioneiros tecnológicos. Então, apareceram “agentes mal-intencionados” que deturparam tudo com o pecado – fake news, pós-verdades, obscurantismo e preconceitos. Na capa do livro que nos conta essa história bíblica vemos uma serpente que se esgueira para fora de um balão de HQ. Essa serpente é Donald Trump e a chamada “direita alternativa”, ajudados por hackers russos. Mas também inspirados nos pensadores pós-modernos como Baudrillard e Derrida que teriam destruído a âncora filosófica da Verdade – a noção de Realidade, fazendo o Paraíso decair no niilismo e relativismo. A crítica literária norte-americana Michiko Kakutani vai encontrar o pecado original das fake news nos hackers russos e pensadores do pós-modernismo no seu livro “A Morte de Verdade”. Kakutani revela um discurso que transforma não só a teoria das fake news em um novo rótulo do jornalismo corporativo no mercado das notícias. Também é uma forma ideológica de varrer para debaixo do tapete as mazelas da financeirização global, das "machine learnings" e algoritmos do Vale do Silício – a culpa é sempre dos russos e franceses...
sexta-feira, junho 14, 2019
A fina casca que protege a civilização no filme "Climax"
sexta-feira, junho 14, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais um filme para cinéfilos aventureiros e destemidos. Os filmes do diretor argentino Gaspar Noé são disruptivos: ou você ama ou odeia. Tal como “Irreversível” ou “Enter The Void”, o filme “Climax” (2018) nos apresenta um verdadeiro assalto à nossa percepção através de imagens alucinatórias, música techno implacável, pesada, e movimentos de câmera vertiginosos, tomando nossos sentidos e embaralhando o cérebro. Confronta-nos com uma experiência imersiva na qual acompanhamos uma trupe de dança após audição preparatória para uma turnê na América. Depois, todos comemoram com uma festa na qual, repentinamente, as coisas começam fugir do controle. E de maneiras cada vez mais perturbadoras - prazer e morte se confundirão, transformando o jogo artístico, de instrumento civilizatório, em bomba de autodestruição. Gaspar Noé quer nos mostrar que apenas uma fina casca protege a civilização de si mesma.
terça-feira, abril 16, 2019
O destino da arte é a simulação no filme "Minha Obra-Prima"
terça-feira, abril 16, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No passado Renzo Nervi foi
um pintor bem-sucedido. Hoje, não consegue vender um único quadro. Amargo,
ressentido e à beira da indigência, ele recebe a ajuda de um amigo marchand
dedicado a lucrar com a arte alheia. Até que um inesperado acidente proporciona
a oportunidade inédita (e ilegal) de ganhar dinheiro em um mercado de arte onde
o luxo e o esnobismo concorre com o artifício e a mentira.No filme argentino “Minha
Obra-Prima” (“Mi Obra Maestra”, 2018) acompanhamos uma comédia farsesca de
humor negro que apresenta o destino da arte no mundo pós-moderno: a simulação -
simular o valor de uma obra como se fosse puramente artística, quando na
verdade é tão vazia quanto um suspiro. Não se trata mais, como no passado, de
dissimular a falsidade. Mas agora de simular qualquer vocação artística.
Theodor Adorno acreditava
que a arte continha a alteridade e a transcendência. Como obra do espírito, a
arte tendencialmente pretenderia ultrapassar a si mesma, criando uma tensão com
a sociedade e o próprio espírito – a negação do Todo, social, político,
econômico etc.
Como músico que era, além de
filósofo (Adorno tocava violino), via essa natureza transcendente da arte na
“Música Nova” – a música atonal de Schoenberg e o serialismo da nova música
erudita como alternativa à integração da cultura de massas e Indústria
Cultural.
Mas os tempos pós-modernos
do pós-guerra integraram toda qualquer pretensão de “alteridade” ou “tensão” da
arte: virou “intervenção” ou “performance” em exposições que se transformaram
em “instalações artísticas”. Artistas “incompreendidos” ou “rebeldes” passaram
a ter cotação no mercado, assessorados por “marchands” e donos de galerias de
arte.
Então, o que é arte? Qual a
diferença entre um quadro e um pôster publicitário? Ou entre a cópia e o
original, já que tudo é “commoditie”, reprodução, cópia? Filmes como Cópia Fiel (2010) ou Velvet Buzzsaw (2019) são exemplos
cinematográficos dessa desconstrução pós-moderna da arte, ao reduzi-la à
ilusão, simulação, artifício, mentira.
Por isso, nada melhor do que
assistir à comédia argentina farsesca e de humor negro Minha Obra-Prima (Mi Obra
Maestra, 2018) sobre Renzo Nervi (Luis Brandoni), um pintor que já foi
bem-sucedido nos anos 1980 em Buenos Aires, mas hoje não consegue vender um
único quadro. Porém, um inesperado acidente proporciona a oportunidade inédita
(e ilegal) de ganhar dinheiro em um mercado de arte onde o luxo e o esnobismo
concorre com o artifício e a mentira.
Minha Obra-Prima continua com a
visão ácida sobre os intelectuais argentinos do filme anterior (El Ciudadano Ilustre) da dupla de
diretores Gastón Duprat e Mariano Cohn: como a burguesia (e principalmente os
novos ricos em busca do verniz cultural) se movem em ambientes artísticos,
voltando a fazer uma dura crítica ao banal na vida cultural.
Mas há também algo
universal, sobre o destino da arte no mundo pós-moderno: como o processo de
valorização do objeto artístico é uma simulação e não uma dissimulação – não se
trata mais de falsificar uma obra assim como se imprime dinheiro falso. Mas
simular o valor de uma obra como se fosse puramente artística, quando na
verdade é tão vazia quanto um suspiro – resultado de um jogo de especulação,
ausente de escrúpulos ou qualquer de qualquer vocação artística.
O Filme
Arturo Silva (Guillermo
Francella) há décadas dedica-se a venda de obras de arte em sua galeria no
Centro de Buenos Aires. Seu único interesse é lucrar com a arte alheia.
Encantador e sempre com um discurso sedutor e persuasivo, desde vários anos mantém
uma amizade com Renzo Nervi (Luis Brandoni) que se encontra nos últimos anos da
sua vida – depois de uma carreira bem-sucedida, há anos não consegue vender uma
única obra.
Sua paixão pela arte acabou
resultando num estilo de vida prá lá de decadente: amargo, cínico, misantropo e
autoindulgente parece que conscientemente prepara sua própria ruína, com um
final a uma morte trágica parecida com os boêmios pintores impressionistas
parisienses.
Os egos, as mesquinhezas e
as misérias desses dois personagens os unem numa estranha amizade. Arturo tenta
impulsionar novamente a carreira de Renzo até que Arturo logra associar-se a
uma influente colecionadora de obras de arte internacional, Dudu (Andrea
Frigerio).
Conseguem para Renzo uma
encomenda para a confecção de um mural. Mas a autoindulgência e orgulho do
pintor decadente falam mais alto: ele jamais aceitou fazer qualquer tela sob
encomenda, como se sua arte fosse um mero produto. Mas estranhamente aceita,
para depois sabotá-la, como mais um ato de protesto autodestrutivo.
Renzo está à beira da
indigência, sustentado pelo seu único aluno, o espanhol Alex (Raúl Arévalo) – um
personagem contrastante, comparado ao cinismo de Renzo e do seu amigo Arturo.
Alex é idealista e admira a arte do autodestrutivo mentor.
“Argentina é um país singular” – Alerta de spoilers à frente
Tudo caminha para o desfecho
inevitável: a morte trágica – Renzo é atropelado por um caminhão depois de
displicentemente atravessar a rua, quase que pedindo para alguém abreviar seu
sofrimento. No hospital, sugere para seu amigo Arturo a eutanásia.
Mas Arturo acaba tendo uma
ideia muito melhor, seguindo seu instinto de especulador da arte alheia – por
que não simular a morte de Renzo? Afinal, Van Gogh só alcançou a fama e suas
obras o valor de milhões de dólares somente após a sua morte!
Com a ajuda da influência
internacional de Dudu, Arturo da um incrível impulso “pós-morte” para as obras
de Renzo – ganha exposições exclusivas em diversas capitais do mundo.
O marchand e o artista
decadente criam o golpe perfeito: Renzo vive isolado numa região remota,
produzindo cópias que emulam seu ápice criativo dos anos 1980. Tudo quadros
“descobertos” em casas de parentes. Enquanto xeiques novos ricos compram lotes
das suas obras a milhões de dólares.
Nível inédito de especulação
artística: na “pós-morte” Renzo faz cópias “falsas” de si mesmo. De um ápice
artístico do passado que só depois da própria morte passa a ter valor de
mercado.
Se no passado a questão da
arte era o confronto entre a cópia e o original artístico (a arte como um signo
que ainda gozava de uma referência ou legitimidade socialmente sancionada),
hoje o valor se desprende do campo da arte para entrar nas estratégias de
simulação – dizer que existe alguma coisa (a morte de um gênio), quando na
verdade só existe o vazio: o blefe.
A partir daí a narrativa
desdobra esse blefe a um nível que, a certa altura, Renzo afirma: “Argentina é
um país singular”.
A simulação como um blefe é
a própria essência da comédia farsesca. Mas a amizade de um marchand com o
artista é a própria definição do blefe pós-moderno na arte, como uma espécie de
“cinismo esclarecido”, termo cunhado pelo filósofo Peter Sloterdijk: o cínico integrado aos seus postos e privilégios (gerentes, executivos,
professores, jornalistas ou artistas) que mantêm um autodistanciamento irônico
e melancólico sobre o que fazem, um sentimento de “inocência perdida”, de
ironizar e depreciar a si mesmo e ao que faz (“é o que tem prá hoje”, dizem),
uma falsa consciência conformista e sem sonhos diante do sistema de onde tira
seus privilégios – leia SLOTERDIJK, Peter. Crítica
da Razão Cínica, Estação Liberdade, 2012.
É a amoralidade e o
pragmatismo de uma comédia farsesca, cujo gênero parece ser uma especialidade do cinema argentino.
Ficha Técnica
|
Título: Minha Obra-Prima
|
Diretor: Gastón
Duprat, Mariano Cohn
|
Roteiro: Andrés Duprat, Gastón Duprat
|
Elenco: Luis Brandoni, Guillermo Francella, Andrea
Frigerio, Raul Arévalo
|
Produção: Arco Libre, Hei Films
|
Distribuição: A Contracorriente
Films
|
Ano: 2018
|
País: Argentina
|
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