sábado, outubro 29, 2022

Lula descobre as estratégias alt-right de desconstrução de debates. Será tarde?


Nervoso, numa noite particularmente beligerante, perdendo o controle e exigindo até um inédito direito de reposta do mediador William Bonner. Pisando em falso e quase se desequilibrando. Procurava sempre na palma da mão a colinha com duas palavras chaves fatais que teimava em esquecer: “décimo terceiro” e “férias”. Um candidato visivelmente incomodado, porque viu o oponente Lula utilizando as mesmas técnicas de desconstrução trumpista e pós-moderna que a alt-right sempre se primou: metalinguagem, comunicação indireta, técnica de dissociação e desautorização do interlocutor. Talvez, um reflexo do “efeito Janones”: apropriar-se do mesmo ímpeto desconstrutivista do adversário e lutar no mesmo campo semiótico que sempre a extrema direita atuava sem ninguém incomodar. Até agora. Resta saber se essa novidade tardia veio a tempo suficiente para evitar o pior.

O que impressionou em todo esse tempo de campanha eleitoral é a forma como a grande mídia a enxergou: a vantagem de Lula sempre estável, intenções de voto consolidadas, e assim por diante.

 A cada debate a avaliação final sempre foi a mesma: um candidato ganhou em um bloco... o outro candidato ganhou depois... e no final, empate. Parece que em toda a campanha, a grande mídia evitou a todo custo surpresas, sempre quis manter a temperatura constante. Isso quando não contou com o the last minute rescue do presidente do TSE, Alexandre Moraes, quando decidiu retirar das redes o vídeo “pintou um clima” e quaisquer referências a ele. Como foi no debate da Band, garantindo um “debate” anódino.

E no lado das pesquisas eleitorais, o mesmo tom: eleitor polarizado, opiniões consolidadas, pouco espaço para viradas ou de eleitores indecisos que poderiam ser conquistados, números entre votos validos e totais praticamente idênticos etc. Até acontecer a única coisa fora da curva dessas eleições: “candidatos fantasmas” que ganharam “votos invisíveis” - candidatos ao senado que de repente viraram com ganhos de votos num padrão de 20% - votos brotaram e as viradas foram épicas, sempre para a extrema direita. Trazendo crise aos institutos de pesquisa e pauta para a extrema direita, decidida em criar uma “CPI das pesquisas”.

Em suma: parece que a estratégia geral do jornalismo corporativo foi “descafeinar” as campanhas, manter tudo em banho maria, criar uma imagem de estabilidade. 

E no último debate da Globo não poderia ter sido diferente. Enquanto a emissora fazia o seu habitual exercício tautista (jornalistas como crianças radiantes mostrando o estúdio, passeando em carros elétricos pelo Projac, um “colonista” entrevistando outro “colonista” sobre o “debate histórico” etc.), nas redes pegavam fogo com a suposta “bomba” que o deputado federal André Janones (Avante) estaria levando aos assessores de Lula nos estúdios da Globo.

Ao chegar na emissora, Bolsonaro saiu do carro visivelmente tenso, rosto crispado, não olhou para a repórter que lhe dirigiu uma pergunta, olhar perdido em algum horizonte imaginário, repetindo frases em tom de decoreba, como se quisesse se livrar o mais rápido possível de uma situação incômoda

E o início do debate confirmou essa impressão: tenso, mais agressivo do que o de costume, não cumprimentou ninguém e partiu para o ataque, chamando Lula de “Luis Inácio”.

O que estaria rolando nos bastidores? Pouco importava para a anfitriã do evento, a não ser tentar passar uma atmosfera de absoluta normalidade de que supostamente estaríamos num estúdio da BBC em alguma democracia civilizada liberal europeia. 

Em postagem anterior falávamos que os formatos televisivos de debates eleitorais buscam qualquer coisa, menos aprofundar ideias e propostas. As fórmulas desses debates visam fundamentalmente desgastar o primeiro colocado nas pesquisas eleitorais. Principalmente num segundo turno, quando todas as expectativas estão voltadas em saber se aquele que está atrás nas pesquisas poderá virar o jogo – clique aqui.



Em última instância, o que a grande mídia pretende é manter o controle de qualquer narrativa escolhendo perguntas ou dividindo o debate em blocos de temas que, por fim, retroalimentam tautisticamente a agenda imposta pelo próprio jornalismo corporativo. As únicas “surpresas” toleradas em debates são gafes (incapacidade do candidato de lidar com a linguagem televisiva) ou falácias articuladas como fossem graves denúncias.

Inception!

Porém, nessa campanha, a novidade nos debates televisivos foi o de dispor livremente aos oponentes tempo para perguntas, réplicas e tréplicas dos oponentes – blocos de 15 e cinco minutos. Deixando o “debate” correr mais solto.

Mas nem assim os debates televisivos conseguiram fugir da retroalimentação tautista dos oponentes apenas repercutindo as pautas midiáticas.

E na Globo chegamos ao paroxismo, no qual o debate foi simplesmente asfixiado, transformando-se numa espécie de pot-pourri de todos os clichês e inflexões dos anos de jornalismo de guerra de Mensalão e Lava Jato.

“Corrupto!”, “mentiroso!”. Foram apenas asserções como essas que dominaram de cabo a rabo o suposto debate final. Lula bem tentou começar lançando a questão da pauta econômica: por que em quatro anos o salário-mínimo não teve aumento real? Para dar início à dobradinha corrupto/mentiroso, ora de um lado, ora de outro.

O pretenso debate transformou-se apenas numa câmara de eco de tudo que o jornalismo de guerra inseriu nos corações e mentes do País ao longo das últimas décadas. Inception! Angustiados, os “colonistas” se queixaram nas “mesas redondas” da ausência de “propostas” e de um debate “monotemático”. Ora! Depois de anos da presença de jornalistas em debates e entrevistas questionando “petrolão”, “rachadinhas” etc., seja para quem fosse, fica difícil voltar a colocar a tampa na caixa de Pandora. 

Como Guilherme Boulos observou muito bem no programa Roda Viva, da TV Cultura, “soltar o pit bull é fácil, quero ver prendê-lo outra vez...”.

O que assistimos na TV, portanto, foi Lula baixando no mesmo nível simbólico alt-right trumpista no qual Bolsonaro sente-se à vontade. Ou, pelo menos, sentia-se, a partir do momento em que a esquerda parece estar começando a aprender o método de desconstrução pós-moderna da extrema-direita. A chegada do deputado André Janones na campanha petista foi o começo. 


Estratégia trumpista de desconstrução de debates


E agora Lula começa a aprender: nos seus quinze minutos de dois blocos, o ex-presidente dava estocadas rápidas e saia andando. O tempo inteiro desautorizava seu interlocutor. Com isso conseguiu controlar a dinâmica, quase levando Bolsonaro ao descontrole quando, em uma das suas divagações erráticas, começou a atacar o “sistema”, a TV Globo e Bonner. Que, de forma inédita, fez o próprio mediador pedir direito de resposta. Enquanto os assessores do presidente sentiam o impacto, passaram a ficar agitados e falar alto. Forçando Bonner a interromper por duas vezes o “debate”.

O próprio Lula, em entrevista concedida no podcast “Flow”, já havia declarado sua perplexidade, depois de 50 anos de carreira política, com a impossibilidade em discutir qualquer coisa com Bolsonaro. O debate da Globo pelo menos serviu para mostrar que Lula superou sua perplexidade para jogar no mesmo campo semiótico do adversário.

Lula seguiu o roteiro de desconstrução alt-right. Primeiro, metalinguagem e comunicação indireta. Diversas vezes, Lula quebrou a chamada “quarta parede”: “agora vou olhar para essa câmera e dizer...”. “O candidato está descompensado... se quiserem eu paro para ele se recuperar”, falou olhando para Bonner e os assessores por trás das câmeras.

E comunicação indireta, técnica clássica que torna impossível conversar com alguém de extrema direita: Lula tinha consciência de que não havia debate ou conversa com um interlocutor. Na verdade, ele deveria falar com os indecisos ou silenciosos do outro lado da tela de TV. E dar estocadas curtas para levar o oponente a falar de forma errática. O que importa não é o conteúdo, é o efeito: “estão vendo como ele se descontrola... assim não dá!”.

“Eu não vim conversar com o candidato, mas com o povo brasileiro”, anunciou Lula logo no início, claramente demonstrando a estratégia de comunicação indireta.

Não é por menos que a filósofa Márcia Tiburi se retirou dos estúdios da Rádio Gauíba, em Porto Alegre, em 2018, ao descobrir que teria que debater com Kim Kataguiri. Na época ativista do Movimento Brasil Livre, Kataguiri, assim como outros da incipiente extrema direita trajada de verde amarelo nas manifestações de rua pelo impeachment de Dilma Rousseff, eram notórios por esse modus operandi indireto de fazer provocações ao invés de debater com argumentos. 

Segundo, a técnica de dissociação: “fala que o que eu disse é mentira, fala!”, desafiou Lula em alguns momentos, levando Bolsonaro a se desconcentrar, tornando sua fala ainda mais divagante -  técnica bem conhecida entre os vendedores para fazerem consumidores perderem o controle e o foco dentro do espaço de vendas das lojas, tornando-os mais vulneráveis: deixar o cliente aguardando de 10 a 15 minutos enquanto o vendedor “procura” o modelo pedido no estoque; troca de vendedor durante as negociações; criar jogos mentais durante um test drive, por exemplo, com uma pergunta do tipo “esse modelo de veículo não é o que sempre gostou de ter?”. Tudo para criar desconcentração e embaraço - leia HOWARD, Martin, We Know What You Want, New York: Desinformation, 2005.

E terceiro, a desautorização do interlocutor, como apontamos acima. “Bolsonaro mentiu 6.498 vezes”, disse Lula algumas vezes. “Meu adversário está descompensado”, “Ele é um samba de uma nota só”, “Assim não dá para conversar com esse candidato”, entre outras pontadas rápidas.

Ou seja, desde o episódio com a filósofa Márcia Tiburi, levou pelo menos quatro anos para a esquerda começar a não só compreender a estratégia comunicacional desconstrutivista, mas de também decidir lutar nesse mesmo campo semiótico no qual a extrema direita nadava de braçadas.

Só esperamos que não seja tarde.



Sociopata?

Desde que o chefe do executivo abriu a porta do carro e respondeu, com muita má vontade, à primeira pergunta de uma jornalista da Globo na entrada do estúdio em que se realizaria o debate, ficou clara uma atitude recorrente: Bolsonaro não olha para o seu interlocutor, e nem mesmo para a lente da câmera – sempre seus olhos parecem estar perdidos, voltados para algum ponto de fuga imaginário.

Seja homem ou mulher, mas principalmente jornalistas, ou qualquer outra pessoa ouse em dirigir a ele a palavra, Bolsonaro tem um olhar fugidio, como se não quisesse cruzar com o olhar do outro. Muito diferente quando diante dele está um igual ou superior hierárquico, principalmente militar.

Os psicólogos dizem que isso é forte indício de sociopatia – principalmente a incapacidade de sentir empatia pelo outro e nem mesmo remorso por suas ações e conduta.

Dizem que o senador Fernando Collor de Mello, principalmente na época em que era presidente da República (1990 a 1992, em que emulava um yuppie ao estilo Gordon Gecco, do sucesso da época Wall Street, com Michel Douglas), manifestava também esses traços de sociopatia. 

Porém, com uma pequena diferença: diferente de Bolsonaro, Collor encarava seus interlocutores. Mas, segundo jornalistas, era estranho porque Collor encarava com um olhar vazio e, outras vezes, com um olhar “penetrante”, como se quisesse atravessar o outro. De outra maneira, era como se o outro não existisse diante dele.

Collor e Bolsonaro... não é à toa que são aliados. 

 

 

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