sábado, junho 26, 2021

Salles, Bolsonaro e irmãos Miranda: a PsyOp dos fusíveis para queimar até 2022


As pragas bíblicas no Egito aconteceram uma após a outra. Mas nós não tivemos a mesma “sorte”: no Brasil, as pragas são simultâneas – crise hídrica, energética, econômica, sanitária etc. A grande mídia quer nos fazer acreditar na mitologia de que tudo é decorrência de fenômenos “naturais”: não chove, mudanças climáticas globais, o vírus, a natureza dos políticos etc. Da conveniente crise hídrica e energética em meio à privatização da Eletrobrás às canastríssimas performances dos atores envolvidos no escândalo da compra superfaturada da vacina Covaxin (o messiânico Onyx Lorenzoni fazendo citações bíblicas e o deputado Luis Miranda chegando no Congresso com coleta à prova de balas e Bíblia na mão) está em andamento a “segunda via” para 2022: queimar “fusíveis”, abduzir as manifestações (como em junho de 2013) e fazer o casamento perfeito entre o Partido Militar e a Direita liberal. 

De acordo com o livro bíblico do “Êxodo”, Deus infligiu no Egito dez pragas para convencer o faraó a libertar o povo hebreu, condenado à escravidão. Deus despachou uma praga por vez: as águas do rio Nilo tingiram-se de sangue; depois rãs caíram do céu; em seguida, a praga de piolhos e mosquitos, e assim por diante.

Mas parece que o Brasil vive uma situação pior do que o castigo imposto por Deus. Aqui, as pragas não vêm uma de cada vez, mas todas ao mesmo tempo: desemprego, inflação crescente, escalada da fome, crise sanitária, crise hídrica, crise energética, crise ambiental, só para ficar nas manchetes que dominam a pauta midiática.

 Porém, a diferença não fica apenas no fator temporal das pragas simultâneas. Lá no antigo Egito, o oponente do faraó era divino. Enquanto, aqui no Brasil do século XXI todas as pragas parecem ser algum tipo de vingança da Natureza. Pelo menos essa é a construção discursiva da grande mídia, um tipo de estratégia semiológica que o velho Roland Barthes chamava de “mitologia”: processar a realidade através de signos esvaziados da sua contingência, da História, através de um discurso despolitizado.

Vingança da Natureza? Sim! Abstraia o viés das notícias, colunas e análises do jornalismo corporativo e você terá dois grandes vetores que convergem na simultaneidade da desgraça: (a) está chovendo pouco, ou, pelo menos, chove nos lugares errados; (b) a economia estava retomando o caminho do desenvolvimento, mas daí surgiu a maldita pandemia... trazendo desemprego, mortes etc.

Ouçamos um pouco Roland Barthes:

Uma prestidigitação inverteu o real, esvaziou-o de história e encheu-o de natureza (...) O mito não nega as coisas; a sua é, pelo contrário, falar delas; simplesmente purificá-las, fundamenta-as na natureza e em eternidade, dá-lhes uma clareza não de explicação, mas de constatação. (...) Passando da história à natureza, o mito faz economia: abole a complexidade dos atos humanos, confere-lhes a simplicidade das essências, organiza um mundo sem contradições: as coisas parecem significar sozinhas, por elas próprias – BARTHES, Roland. Mitologias, Difel, p.163-164.

O vírus, assim como o clima, são fenômenos naturais que já estavam aqui muito antes da humanidade aparecer no planeta. Se a natureza gera os vírus que nos parasitam, também a sociedade parasita semioticamente os fenômenos naturais através de discursos, significações, sentidos e produção de valores.

Se a humanidade criou aldeias, vilas, cidades e metrópoles foi para se proteger das intempéries e prevalecer sobre o planeta. Porém, prevalecer de forma estratificada, dividida em escravos, castas, estamentos e classes sociais, ou seja, luta de classes. Ocultar esse “atrito” (proteger-se das intempéries, porém distribuindo de forma desigual essa proteção) exige parasitar semioticamente a Natureza, para criar o imaginário do destino que encobre a distribuição desigual dos efeitos das intempéries naturais entre os diferentes estratos sociais.  

A divisão desigual dos efeitos da Natureza sobre a sociedade (pandemias, enchentes, secas etc.) constitui-se num fenômeno político.




Eletrobrás e o “loop OODA”

Por isso, nesse momento, a cruzada midiática pela privatização da energia e da retomada econômica (o aumento “inesperado” do PIB) está imbrincada com essa estratégia semiológica da mitologia – a construção da ideia de que esses acontecimentos estão dentro da ordem da natureza e não da política, desigualdade e aceleração da concentração de riqueza.

Enquanto prefere falar em “capitalização” ou “concessão” do sistema da Eletrobrás, e não em “privatização”, a grande mídia toma carona no tema de consenso da mudança climática global: a falta de chuvas nesse momento (fenômeno sazonal e previsível do inverno) é justificativa para a “capitalização” do setor energético para enfrentar os desafios climáticos.

País com o maior recurso hídrico do planeta (energia limpa e renovável) deve ser ajustado ao discurso da escassez, forma de produção de valor no capitalismo – aquilo que é escasso, passa a ser mais valorizado no mercado. O aumento das tarifas de energia elétrica será brutal. Afinal, a lei de oferta e procura é a “mão invisível” do mercado. Enquanto a culpa é colocada na conta da “mudança climática” – água é um “bem escasso”.

Escassez também metodicamente produzida ao longo dos anos com o desperdício na distribuição de água e sucateamento do sistema: só em São Paulo, os problemas da infraestrutura de distribuição (velha e caindo aos pedaços) desperdiça 35% do total da água. Ao mesmo tempo que a média nacional é de 39% - dados do Instituto Trata Brasil, clique aqui

Falta de planejamento (afinal, os períodos de seca são previsíveis, não acontecem do nada) e sucateamento deliberado são a parte principal da operação psicológica de modelagem da opinião pública chamada loop OODA (Observação-Orientação-Decisão-Ação): conduzindo gradativamente a um cenário aparentemente sem saída, restaria a única solução como fato consumado que orientará a tomada de decisão e a ação: no caso, as medidas neoliberais como único caminho “sensato” para enfrentar calamidades naturais.




A mitologia do PIB

Da mesma ordem é a suposta “surpresa” do aumento do PIB em plena crise econômica, da ordem de 2,31% no primeiro trimestre, projetando expectativa de 4,35% nesse ano, mesmo em meio a um cenário de desindustrialização, inflação alta e desemprego. O discurso da mitologização do real precisa tratar esse “paradoxo”, mais uma vez como fenômeno natural e não político.

Ocultar a evidência de que a pandemia abriu uma fantástica janela de oportunidade para uma violenta concentração de renda, além da progressiva eliminação de contingente humano não mais necessário na “Quarta Revolução Industrial” ou “Grande Reset Global” – Necrocapitalismo e Necropolítica – sobre esses conceitos, clique aqui.

Para os analistas da grande mídia, o desemprego, inflação e desindustrialização são efeitos da pandemia, enquanto a “surpresa” do PIB é um sinal de “superação” ou “retomada”. Maldito vírus cujos efeitos parecem, seletivamente, atingir somente os mais pobres! Assim como catástrofes naturais como enchentes.

E toca os telejornais produzir matérias motivacionais com o lugar-comum dos contos de fadas das estorinhas de superação: diante das desgraças naturais do destino, só a têmpera, resiliência e confiança em si mesmo para superar os “desafios”...

O fusível Ricardo Salles

É sincrônico que a queda do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles ocorra ao mesmo tempo em que o servidor do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, e seu irmão e deputado federal Luís Miranda (DEM/DF) denunciam que havia “irregularidades” no contrato da vacina indiana Covaxin.

Salles e os irmão Miranda (ao lado do próprio presidente Bolsonaro) são fusíveis para serem queimados. Mais um fenômeno da ordem da natureza, como quer a estratégia semiológica da mitologização: função análoga à manutenção da integridade da instalação elétrica diante do perigo da sobrecarga.

Como sabemos, a grande mídia opera nesse momento uma estratégia “morde-assopra”: precisa elevar a carga de eletricidade que alimenta o sistema (posicionar-se como “crítica” e “independente” no mercado de informações) mas, ao mesmo tempo, tem que “soprar”, evitar a sobrecarga – afinal, o governo atual de extrema-direita associado ao Partido Militar é, até aqui, a única alternativa para implementar a agenda neoliberal (privatizações, Quarta Revolução Industrial, Necrocapitalismo etc.).




Por exemplo, repare, caro leitor, como cuidadosamente a grande mídia lida com os esporros que Bolsonaro está dando em repórteres – principalmente mulheres. Apresentadores com feições graves (como a canastrice de William Bonner, apertando os olhos e maneando a cabeça) leem editoriais que condenam “gestos antidemocráticos” do presidente e fazem “veemente repúdio”. Porém, sem mostrar as imagens que geram impacto e vergonha alheia (ou “cringe”, ao ver o vexame do “tiozão do churrasco”), que tem que ser buscadas pelos telespectadores nas redes sociais. 

Por quê? Porque, em muitos ataques de Bolsonaro, ele se apropria de temas de crítica midiática que a própria esquerda faz. Essa ambiguidade não é nada recomendável para a estratégia morde-assopra.

Mas essa estratégia morde-assopra tem limites. Em dados momentos a sobrecarga torna-se tão perigosa que fusíveis precisam ser queimados e trocados. A pauta ambientalista-climática tem que ser mantida pela grande mídia (até carniceiros neoliberais como Miriam Leitão e Carlos Sardenberg viraram defensores das bandeiras das ONGs ambientalistas) para manter sua aparência editorial “independente”.

Por isso, pau diário no ministro Ricardo Salles! Até Bolsonaro exonerá-lo para nada mudar: assume Joaquim Álvaro Pereira Leite, que ocupava de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais do ministério. A entidade abstrata chamado “mercado” se acalma - afinal, Joaquim Leite foi conselheiro de organizações que representam o setor agropecuário no país

Queimado o fusível (com direito à bombástica apreensão do passaporte diplomático do ex-ministro, agora “investigado”), tudo continua na mesma: a transformação do País num gigantesco pasto para o agronegócio.

Os fusíveis irmãos Miranda

Outros dois fusíveis são os irmãos Miranda – o deputado federal Luis Miranda (DEM/DF) e o servidor. Aqui temos uma sobrecarga elétrica bem especial: o fim do sonho de uma possível “terceira via” entre Lula e Bolsonaro em 2022 – a construção da chamada “esperança branca”. Diante das atuais pesquisas que apontam vitória de Lula no primeiro turno, as esperanças Huck, Mandetta et caterva foram embora.


O canastrão Luis Miranda: de colete à prova de balas e Bíblia


Na sua estratégia “morde-assopra”, a grande mídia teve que abrir generoso espaço para as manifestações de 19 de junho. Mas, ao mesmo tempo, sobreveio o movimento de “assoprar”: abrir também espaço para o vice general Mourão. Primeiro, destacando as queixas de Mourão de que tem sido sistematicamente excluído das reuniões de Bolsonaro com os ministros: “sinto falta” e “a gente fica sem saber o que está acontecendo”, reclamou o general.

E a entrevista na Globo News para o jornalista Roberto D’Ávila, apontando que o governo falhou em não fazer “campanha firme” sobre a Covid.

Mais uma vez ressurge a imagem de Mourão como o único lastro moral de racionalidade no governo. Porém, agora, dentro de uma operação mais ampla diante do fim da “terceira via”: como aponta o jornalista Rodrigo Vianna (clique aqui), preparar uma “segunda via” – a única saída para a direita liberal é uma candidatura unida ao Partido Militar, arranjo que inclui mídia/Banca financeira/PSDB. A direita tradicional que tenta queimar o fusível da direita alternativa (a extrema-direita alt-right) depois dos bons serviços prestados. 

Nesse cenário, passa a ter sentido a canastrice melodramática dos atores envolvidos no escândalo da suspeita de corrupção na compra da vacina Covaxin. Tudo começou com a teatral performance do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorezoni (ou “Ducha Lorenzenti” para os detratores), reagindo às denúncias em coletiva, com direito a citações bíblicas.

E a épica chegada dos irmão Miranda na CPI no Congresso: o deputado Luis Miranda chegando com colete tático a prova de balas e com uma edição da Bíblia em uma das mãos, erguida para ficar bem visível às câmeras; e o irmão Luis Ricardo Miranda, exausto, vindo dos EUA acompanhando a entrega de um lote de vacinas da Janssen. “Um herói que trouxe vacinas para os brasileiros”, elogiou o presidente da CPI Omar Oziz (PSD-AM).

“Estou aqui não só pelo interesse público, mas pelo meu irmão de sangue!”, abriu seu depoimento de forma dramática o deputado.

Para tudo terminar quando o deputado Luis Miranda finalmente cuspiu os feijões sob a pressão da senadora Simone Tebet (MDB/MS) e entregou o nome do líder do Governo na Câmara Ricardo Barros (ex-ministro da Saúde no governo Temer) no envolvimento com o esquema corrupto envolvendo a empresa off-shore Precisa Medicamentos na compra superfaturada da Covaxin. 

Cuspiu os feijões vertendo lágrimas, tenso por supostamente temer as consequências para ele e seu irmão...

Assim como no escândalo do Mensalão, cujo ponta pé inicial veio das denúncias do “sangue bom” deputado Roberto Jefferson, o deputado bolsonarista Luis Miranda também não é flor que se cheire: ex-youtuber que dava dicas picaretas de como empreender e enriquecer nos EUA; no horário eleitoral de 2018 posava ao lado de uma bandeira dos EUA; e envolvido em falência de uma franquia de estética em meio a calotes e processos na Justiça provenientes de sócios, pacientes e ex-funcionários.

É o fusível perfeito para ser queimado (pobre do irmão dele, servidor concursado...). Para quê? Para se desfazer de outro fusível, o presidente Bolsonaro.

O “morde-assopra” é o stand by da grande mídia à espera de uma saída viável: criar uma “frente ampla” pela Democracia para tentar emplacar a “segunda via” – o casamento perfeito entre o Partido Militar e a Direita. Por quê? Porque nenhuma direita puro sangue ganha eleições com uma agenda neoliberal. 

Essa agenda deve ser escamoteada através de um candidato (quem sabe?) como General Mourão para dar uma continuidade mais soft ao golpe militar híbrido que aconteceu e ninguém viu... porque não foi televisionado.

Por esse motivo, deve-se prestar atenção no alerta do presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, de que a direita estaria “preparando um novo junho de 2013 para chegar em um acordo no lançamento de uma candidatura cívica, que seria o homem das manifestações, tirar o Lula e tal” – clique aqui.

Ou seja, os protestos devem ser exclusivamente de esquerda, sem a presença dos golpistas numa chamada “frente ampla”. 

 

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