sexta-feira, dezembro 18, 2020

Suposta resiliência de Bolsonaro oculta 'jornalismo snapchat' e psy-ops da grande mídia

Enquanto os números das pesquisas revelam o melhor percentual de aprovação a Bolsonaro desde o início do mandato, eximindo-o de qualquer responsabilidade pelos mortos da Covid-19, além do aumento da resistência popular contra a vacina, jornalistas falam em “resilência do presidente ao bombardeio incessante da mídia”. Vamos combinar! Será que depois de todo esforço do consórcio Mídia-Mercado-STF como proxy na guerra híbrida, agora a grande mídia se voltaria contra sua própria criatura? Essa percepção incorre em dois erros metodológicos, típicas da incompreensão de fenômenos de comunicação: confundir o “jornalismo snapchat” da mídia corporativa (a ambiguidade das “passadas de pano” + psy-ops das profecias autorrealizadoras e psicologia reversa) com “bombardeio midiático”. E confundir “influência da mídia” com “influência social” que, em última instância, é o que sanciona os conteúdos propagados pelos meios de comunicação, seja de massa ou digitais. 

Primeiro vamos aos números

A divulgação das informações das últimas pesquisas Datafolha revela que, apesar dos 7 milhões de casos da Covid, de uma economia em frangalhos chegando a 14 milhões de desempregados (fora os chamados “desalentados” e outros eufemismos midiáticos para diluir o impacto da crise) e negacionismos sanitários e ambientais, o presidente Bolsonaro segue firme e aparentemente blindado.

A aprovação do presidente se mantém em 37%, o melhor percentual de aprovação desde o início do mandato. Entre ótimo/bom/regular chega-se a 66%, enquanto ruim/péssimo alcança tão somente 32%.

  Em relação à pandemia Covid-19, 52% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro não deve ser responsabilizado pelas, até agora, 183 mil mortes.

E, de quebra, a pesquisa mostra o crescimento do número de pessoas resistentes à vacinação – 22% dos entrevistados disseram que não pretendem se vacinar. Em agosto, esse número era de tão somente 9%. Enquanto os que dizem sim à vacina caiu de 89% para 73%.

Diante desses números e da aparente blindagem de Bolsonaro (ele parece ser imune – desculpe o trocadilho! - a qualquer crise sanitária ou econômica), muitos falam em uma suposta “resiliência” do capitão da reserva, mesmo com o “bombardeio incessante contra Bolsonaro” feito pela grande mídia. Por exemplo, essa é a análise feita pelo jornalista Luís Nassif:

Mais que isso, baseado em casos concretos, na responsabilidade objetiva de Bolsonaro pelas mortes na Covid-19, no envolvimento de filhos com corrupção, no aparelhamento de todos os níveis do Estado, na minimização da tragédia nacional. Tudo a seco, sem a necessidade da enorme ginástica mental e jurídica utilizada para criminalizar as pedaladas de Dilma. E o nível de aprovação de Bolsonaro não cai – clique aqui.


Para Nassif, a “resiliência” de Bolsonaro é uma evidência do “fim do poder da mídia” – em particular, Globo, Folha e Estadão. O capítulo decisivo do fim da era em que os mercados de informação pautavam a sociedade através do efeito “pedra no lago” ao criar círculos concêntricos que se espalhavam pela opinião pública. 

Esse ambiente de comunicação cartelizada criava uma narrativa, encampada pelos outras mídias que, através das agências de notícias, se embrenhavam pela imprensa regional até chegar aos grotões do Brasil. Mas tudo está sendo superado por “bolhas independentes em relação aos grupos de mídia – tecnologias de convergência fazendo o discurso chegar direto ao público através das mídias sociais.

Vamos combinar! Bolsonaro só chegou ao poder através do consórcio Mídia-Mercado-STF, em um movimento (Guerra Híbrida) iniciado em 2013 através da tática de Revolução Popular Híbrida – vulgo “primaveras” ou “revoluções coloridas”. Quando estouraram as “Jornadas de Junho” a grande mídia levou uma semana para entender o que estava acontecendo – de “ignorância misturada com rancor”, de repente a grande mídia comemorou como a “nova política” comandada pelos “novos caras pintadas nas ruas”.

Por exemplo, a Globo chegou a sacrificar seus medalhões do jornalismo ao ridículo como Miriam Leitão e Carlos Sardenberg no chamado “escândalo da Wikipédia” para atacar o governo Dilma – sobre isso, leia o trepidante livro do Cinegnose “Bombas Semióticas na Guerra Híbrida Brasileira (2013-2016: Por que aquilo deu nisso?” – clique aqui.

Temer e, mais tarde, Bolsonaro foram os cavalos de Tróia para implementar a agenda política (desmontar a representação sindical, criminalização de movimentos sociais etc.) e econômica neoliberal (desmonte do Estado, do soft power nacional, das garantias sociais, precarização do trabalho etc.). Sim! Cavalo de tróia, porque tal agenda nunca ganhou eleições e foi escondida debaixo do tapete da guerra cultural e de costumes - a guerra semiótica criptografada de Bolsonaro para distrair o respeitável público.

Se sob a superfície da guerra semiótica criptografada (as bravatas presidenciais negacionistas proferidas diretamente do “cercadinho” do Palácio da Alvorada, diariamente repercutidas pela grande mídia) o Governo Bolsonaro obedientemente vem atendendo às demandas do Big Money, por que a mídia corporativa iria fazer “bombardeio incessante” contra Bolsonaro?

Essas análises sobre a suposta “resiliência” de Bolsonaro incorrem em dois equívocos metodológicos, como sempre ligados à incompreensão dos fenômenos de comunicação:

(a) Confundir o chamado “jornalismo snapchat” da mídia corporativa (o “morde-assopra” combinado com “passadas de pano”) com “bombardeio midiático” contra o presidente;

(b) Confundir o “fim do poder da mídia” com a chamada Teoria dos Efeitos Limitados da Mídia, detectada pelas pesquisas empíricas de campo de Paul Lazarsfeld nos anos 1940 que mostraram as relações entre influência da mídia e a influência social.

Jornalismo snapchat e guerra criptografada

Nessa semana, diretamente do “cercadinho” do Palácio da Alvorada (momento em que Bolsonaro se encontra com a claque de apoiadores), num dos seus costumeiros rompantes defendeu a ideia de exigir um termo de responsabilidade de quem tomar a vacina. Para o Estado se isentar de quaisquer responsabilidades por possíveis efeitos colaterais. Claramente um factoide.



Mais uma das bravatas e ilações que o jornalismo corporativo prontamente repercutiu por 48 horas, em incessantes e repetitivas análises com informantes de pauta críticos à “ideia”. Coincidentemente, simultâneo ao novo capítulo da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro, agora envolvendo a Abin e órgão do governo federal que teriam agido ilegalmente na defesa do filho do presidente.

A pauta do negacionismo presidencial se sobrepôs e escondeu o essencial: o aparelhamento dos serviços de inteligência. O escândalo envolvendo Abin e GSI foi relegado ao jornalismo snapchat - assim como no aplicativo de mensagens Snapchat onde cada “snap” dura um breve período, para depois ser excluído do aplicativo e servidores, também são as notícias potencialmente explosivas que depois são excluídas da memória do espectador.

Esse é um pequeno exemplo de como a grande mídia cria ilusão de isenção e equilíbrio, mas, ao mesmo tempo, limita-se a qualificar os rompantes de Bolsonaro como “polêmicos” (tentem contabilizar quantas vezes essa passada de pano se repete todo dia) e repercute seus factoides do cercadinho como fatos políticos relevantes que devem ser “interpretados” ou “analisados”.

O discurso do jornalismo da grande mídia é no mínimo ambíguo, para não dizer esquizoide: ao mesmo tempo em que mobiliza seus analistas e informantes de pauta escolhidos a dedo nas empresas de investimentos e corretoras de títulos para defender teto de gastos e Estado Mínimo, por outro celebra a importância da capilaridade do SUS na pandemia. Enfaticamente exalta a necessidade das reformas administrativas que supostamente atrairão os tais “investimentos estrangeiros” para o País, enquanto toca o salve-se quem puder do empreendedorismo – ou seja, não vai ter emprego mesmo!

Enquanto comemora a alta do PIB no terceiro trimestre (7,7%) puxado pela indústria e serviços graças à reabertura do comércio e turismo (é emblemática a vinheta da Globo “turismo, a gente vê por aqui” falando em “turismo responsável” na base da máscara e álcool em gel), histericamente aponta aglomerações em ruas de comércio popular e praias – close em pessoas sem máscaras e planos detalhes das aglomerações.

Estratégia retórica de jogar a culpa na irresponsabilidade do populacho, enquanto as medidas sanitárias das autoridades são sempre dúbias, ambíguas, nunca assertivas – é notável como durante as eleições as tais “médias móveis” da pandemia estavam em quedas, para subirem depois dos resultados do segundo turno. Lembram quando após a reeleição de FHC em 1998 o real se maxidesvalorizou? Pois, então...

Não é para menos que a maioria dos brasileiros não vê responsabilidade no Governo pelas mortes da Covid-19 – a retórica da grande mídia é jogar a culpa na patuleia “irresponsável” enquanto trata, para variar, como “polêmicas” as medidas sanitárias sempre contraditórias e inócuas. Shoppings e aeroportos são abertos... mas tudo deve ser “responsável” e orientadas por “protocolos”... Apresentadores dos telejornais locais se calam com aglomerações em ônibus e plataformas de metrô levando trabalhadores que produzirão mais-valia ao capital... mas ficam histéricos quando a escumalha se aglomera em pancadões ou praias tentando se divertir.


Naturalização e psicologia reversa

Jornal Nacional, Globo News e CNN apresentam com pompas o “Plano de Vacinação” do General Pazuello. Ele sim, outra prova do pudim da tática “passada de pano” da grande mídia na militarização dos ministérios-chave: Pazuello foi saudado como um campeão da logística (operação semiótica de equivalência: Exército=logística...) para “gerir um corpo técnico de excelência” do Ministério. 

E também naturaliza a judicialização de um plano sem data de início, logística ou definição das vacinas a serem implementadas – aliás, outra agenda secreta do Cavalo de Tróia Bolsonaro: a judicialização do óbvio, assim como foi a decisão do STF pela vacinação obrigatória, com três efeitos táticos:

(a) naturalizar a judicialização de toda e qualquer qualquer decisão, seja qual for o poder da República, minando um dos pilares da Democracia: o equilíbrio entre poderes. 

(b) judicialização como movimento em pinça da guerra híbrida: lá na frente quaisquer medidas que contrariem o consórcio Mídia-Mercado (a “Banca”) serão judicializadas em um modus operandi natural e aceito pela opinião pública, criminalizando qualquer política que se oponha aos interesses do Big Money;

(c) Deixar Bolsonaro “bem na fita” diante do seus 30% (o núcleo duro) da sua base, capaz de levá-lo a segundo turno nas eleições 2022: o presidente não seria o responsável pela vacinação, porque, afinal, teve as mãos amarradas pelo “sistema”. Bolsonaro nunca se envolve diretamente em decisões e política, porque sempre são judicializadas.

Aqui é importante definir essa estratégia retórica de naturalização tanto dos discursos do “cercadinho” quanto da judicialização: é a retórica que transforma o anômalo ou o disfuncional em “verossímil”, “provável”, “plausível”, em cada “análise” feita pelos jornalistas especializados que tentam encontrar “significados” políticos.Naturalização é a função retórica da estratégia de “passada de pano” na nuvem de poeira levantada todo dia pela guerra semiótica do Governo.

Além do jornalismo Snapchat, naturalização e passadas de pano há a profecia autorrealizável do auxílio emergencial: de tanto as “análises” repetirem o mantra de que o auxílio emergencial faz aumentar o apoio entre os mais pobres ao presidente, essa profecia cria o efeito recursivo da autorrealização expressa nos números das pesquisas. 

Efeito paradoxal de uma bomba semiótica baseada no mecanismo da psicologia reversa: quanto mais os “analistas” criticam o “populismo” de Bolsonaro com o auxílio emergencial, mais o efeito se reverte na causa: o apoio dos que nada mais têm (nem renda nem emprego).   

Portanto, dizer que Bolsonaro é resiliente porque sobrevive ao “bombardeio midiático” é cair sob o fascínio dessa superfície de caos semiótico: o discurso ambíguo, esquizo, para que o distinto público não consiga ligar causa a efeito. 

Por que a grande mídia se voltaria contra seu cavalo de Tróia, depois de anos de esforços em ser um proxy da guerra híbrida? Bolsonaro quer dar o tiro de morte no modelo de comercialização da Globo proibindo o bônus de veiculação via CADE? (clique aqui). Pouco importa para os filhos do Roberto Marinho: afinal, eles vivem do rentismo e investimentos em paraísos fiscais.




Mídia e predisposições do receptor

Mesmo se aceitarmos a ideia de que Bolsonaro é um sobrevivente ao bombardeio da grande mídia, seria uma constatação incorreta por confundir a suposta resiliência do presidente com os efeitos limitados da mídia.

Desde os anos 1940, as primeiras pesquisas empíricas de campo de recepção dos meios de comunicação coordenadas por Paul Lazarsfeld nos EUA desmentiam o poder hipodérmico da mídia – ou o efeito “pedra no lago” como efeito rápido e de curto prazo.

Entre as descobertas do fator credibilidade (exposição seletiva do receptor às fontes) e do “efeito latente” (predisposição e memória seletivas, dissociação entre conteúdo e receptor etc.), Lazarsfeld descobriu que antes da influência midiática, o mais decisivo é a influência das relações interpessoais – em última instância são os fluxos sociais que determinam a aceitação dos conteúdos propagados pelas mídias.

Disso decorre que os efeitos dos conteúdos (alterações comportamentais – opinião, atitude, valores etc.) são de médio a longo prazo. 

Por exemplo, desde o bombardeio midiático em torno do escândalo do mensalão iniciado em 2005, mirando num impeachment imediato de Lula, o presidente não só conseguiu a reeleição como ainda fez a sucessora Dilma e sua reeleição. Mesmo com ataques diários e o lançamento do “Mensalão 2.0”: a Lava Jato. Somente dez anos depois, a grande mídia conseguiu encher a Avenida Paulista de bolsomínios, patos amarelos e camisetas da CBF exigindo impeachment. Foi necessário aguardar o lento trabalho daquilo que Lazarsfeld chamava de “two step flow”: o convencimento dos líderes de opinião e a sanção dos conteúdos através das suas relações sociais.

A mídia, seja de massa ou de convergência, é menos eficiente (pelo menos no curto prazo) na mudança de opinião e atitude do que no reforço de predisposições já existentes nos receptores. Os números do Datafolha comprovam isso. Isto é, desde que partamos do princípio de que há realmente um “bombardeio midiático” contra Bolsonaro.

Em outras palavras: se Bolsonaro é resiliente em relação aos supostos bombardeios da mídia, não é pelas suas “virtudes” populistas. Mas pelos efeitos limitados intrínsecos à relação das mídias com a sociedade: reforço de predisposições ocorrem em curto prazo; alterações comportamentais (a alteração das predisposições de escolha política, ideológica, de valores etc.) são, quando acontecem, de médio a longo prazo. 

Os números das pesquisas comprovam essa eficácia midiática em apenas reforçar predisposições seletivas no curto prazo: desde o início do mandato, Bolsonaro mantém o seu 1/3 da opinião pública (graças ao jornalismo corporativo “Snapchat”, capaz de levá-lo a um hipotético segundo turno. 

Para depois contar com o voto da “maioria silenciosa”, politicamente ambígua (até votaram no Lula!) mas seguramente cultural e moralmente conservadora. Por isso, o interesse estratégico da extrema-direita em arrastar as esquerdas para o campo da guerra cultural e dos costumes.

 

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