segunda-feira, novembro 13, 2017

Hans Donner mostra nova bandeira no "Fórum do Amanhã" olhando para o ontem


As leis trabalhistas foram “modernizadas”, assim como o próprio trabalho com os ventos “modernizadores” do empreendedorismo e agora luta-se para que toda essa “modernização” alcance também a Previdência Social. Mas falta algo, alguma coisa que sinalize essa nova visão de país e inspire o povo. Para o designer gráfico Hans Donner, isso somente será possível com uma bandeira nacional também “modernizada” – com degradês, efeitos 3D, e a palavra “Amor” antes do lema “Ordem e Progresso” com a faixa apontando para cima, para dar “poder” ao povo... O designer austríaco apresentou o projeto em um evento chamado “Fórum do Amanhã” em MG, e pretende levá-lo ao Congresso para implementação. Ironicamente, em um evento sobre o “amanhã”, Donner apresenta uma bandeira retro-futurista igual a marca visual da Globo das décadas passadas, que hoje nem a própria emissora adota mais, privilegiando um visual “orgânico” e menos artificial. A “nova” bandeira nacional de Hans Donner certamente está menos na estética, e muito mais no campo dos sintomas: sinais expressados por uma elite que fala em futuro, mas com os olhos sempre mantidos no passado. Para deixar o presente igual o ontem: o futuro do pretérito.

Depois de projetar um futuro em que os brasileiros poderiam morar em um cenário da Globo (em 2011 revelou o seu lado de designer de móveis ao apresentar em um hotel luxuoso no Bento Gonçalves/RS suas mesas e cadeiras “retro-futuristas” com esferas, cones e pirâmides em fibra de vidro ao estilo da identidade visual que criou por décadas para a emissora – clique aqui), agora o designer gráfico austríaco Hans Donner pretende “sinalizar uma nova visão de país”.

Em um evento denominado “Fórum do Amanhã”, realizado em Tiradentes/MG de 9 a 12 de novembro, Donner apresentou um projeto para modificar a bandeira brasileira. O designer já estava trabalhando no projeto há dez anos. Mas agora, está motivado para apresenta-lo publicamente para, posteriormente, ser enviado ao Congresso para ser implementado.

Certamente porque o designer sente nesse momento os ares, digamos assim, mais favoráveis a intervenções que venham de cima para baixo – se o País está engolindo qualquer coisa, por que não uma propor uma “modernização” para o próprio pavilhão nacional?

Para o austríaco o Brasil precisa de um “sentimento mais positivo expresso na bandeira... o objetivo é começar por aí a resgatar a solidariedade que não pode faltar num símbolo de nação”.

Bandeira para sinalizar poder


E por onde o designer pretende começar essa revolução no astral nacional? Fiel a sua estética “retro-futurista”, Donner idealiza uma bandeira em tons de verde e amarelo em degradê, além de prever a inserção da palavra “amor” antes do lema da filosofia positivista de Augusto Comte “Ordem e Progresso”.


E cônscio das quase místicas conexões entre os elementos do design e energia espiritual, Donner pretende alterar o sentido da faixa, que hoje forma um arco com pontas direcionadas para baixo. Ele considera necessário inverter, indicando para o alto.

“Quando comecei a fazer design em Viena, uma das primeiras coisas que aprendi foi que uma frase que sobe tem poder. E queremos sinalizar esse poder, essa mudança que é necessária. Como está, a frase indica inferioridade, e isso acaba passando para o povo”, disse o designer austríaco, preocupado com as perniciosas influências da bandeira sobre o espírito nacional.   

E o evento no qual Hans Donner se sentiu à vontade para apresentar seu projeto acalentado por tanto tempo parece ter tudo a ver com o seu, por assim dizer, élan nacionalista. O “Fórum do Amanhã” tem como objetivo “reunir inteligências dispostas a pensar um brasil digno de ser sonhado, dar visibilidade e ideias e projetos pioneiros que apontam para o futuro”.

Domênico de Masi e Eduardo Giannetti


O Fórum foi idealizado por dois distintos intelectuais: Domênico de Masi – aquele sociólogo italiano que, além de contribuir com o conceito de “ócio criativo”, considera a sociedade “desorientada” – incapaz de definir o que é verdadeiro e falso, bom ou ruim, os problemas serão resolvidos pela Inteligência Artificial, “resolvendo problemas incompreendidos pelo ser humano”.

E pelo economista brasileiro Eduardo Giannetti da Fonseca – aquele que foi guru da candidata à presidência Marina Silva e que dizia: “comer um bife é uma extravagancia do ponto de vista ambiental”. Isso no momento em que brasileiros finalmente começavam a experimentar melhoria no padrão de consumo com as políticas econômicas neodesenvovimentistas.

Hans Donner: tudo começou com os móveis

Intelectuais de pedigree da típica radicalidade chique de salão com clichês do tipo “a crise profunda dos modelos da civilização ocidental” (De Masi) ou a urgente questão existencial colocada por Giannetti para todos os brasileiros de boa vontade: “Existirá uma utopia mobilizadora da alma e das energias dos brasileiros?”...

O Futuro do pretérito


Para o designer gráfico Hans Donner a reposta é sim, e começa pela “modernização” da bandeira nacional. Mas o problema é que o futuro concebido por Hans Donner tem a cara do ontem – o futuro do pretérito.

Nos anos 70 e 80 o então “futurismo” do design de Hans Donner teve um papel histórico: a inserção dos produtos da TV Globo no mercado internacional e a criação uma estética moderna para a cultura brasileira. Se o conteúdo dos produtos oferecidos pela emissora, como imagem brasileira para o mercado externo, continuavam o mesmo (mulheres e natureza), a estética do designer austríaco superou os velhos clichês do passado como  Carmen Miranda, bananas, baianas e carnaval.

Agora tudo isso era colocado em movimento por computadores sobre esferas, pirâmides e cones, criando atmosferas futuristas e New Age com sólidos geométricos em fundos com degradê... Muito degradê, para criar sensações de profundidade para os sólidos geométricos em movimento se destacarem.

 Tudo isso encarnava a utopia do “Brasil Grande” do milagre econômico brasileiro dos governos militares e o surgimento de uma nova classe média identificada com a “modernidade” trazida pelos “enlatados” (pacotes com minisséries, filmes e desenhos animados principalmente norte-americanos) exibidos pela TV Globo.


Para Donner, essa estética nas décadas passadas era tudo muito “futurístico”, mas a “aceitação mostra que o Brasil mudou”.

Depois de décadas sob essa identidade visual “space opera” criada por Donner para a Globo, hoje até a própria emissora tenta se dissociar desse retro-futurismo repaginando seus programas, aberturas e telejornais com uma marca visual mais “orgânica” e menos metálica, geométrica e artificial.

Uma bandeira com a cara do ontem


A cara de ontem do projeto de Hans Donner começa pelo onipresente degradê ou gradiente, efeito de transição entre cores que ficou famoso nas décadas de 80 e 90, principalmente com a popularização de softwares de imagens vetorias como o CorelDraw.

No passado, os degradês não eram nada sutis, e foram tão popularizados que até o programa de humor Casseta e Planeta ridicularizava esse efeito com o logo de uma empresa popular fictícia chamada “Organizações Tabajara” – efeito cromático tão artificial quanto os produtos vendidos pelo “conglomerado monopolista”, como definiam os cassetas. Na verdade, o logo da organização emulava e parodiava a estética Hans Donner.

Hoje o degradê até retorna ao design, porém bem diferente do retro-futurismo de Donner: agora temos transições suaves, cores que harmonizam, tons pastéis e até mesmo incorporando elementos de flat design, produzindo um resultado mais agradável e menos contrastante, como vemos na identidade visual da Apple e do Spotify.

Se Hans Donner fosse coerente com a “modernização” estética, então a bandeira nacional teria que converter suas cores para tons pastéis e em flat design.


A bandeira de Hans Donner é um sintoma


Porém, como sempre, a verdade está em outra cena: está no campo do sintoma. O projeto da bandeira nacional retro-futurista revela menos preocupações estéticas, e muito mais um ato-falho que expressa o que as elites brasileiras entendem por “futuro” ou “utopia” para o País.

A “nova” bandeira tem a cara da velha marca visual do monopólio da Globo dos anos 70 a 90, marca que atualmente a própria emissora vem abandonando. Paradoxalmente o projeto de Donner revela a retro-utopia de que o Brasil permaneça igual ao passado, a fase áurea profissional do designer austríaco no qual seus sólidos geométricos metálicos voadores e sua musas graficamente adornadas sambavam para o eterno país do futuro que nunca deixava de olhar para o passado.

Um projeto futurista como esse somente poderia vir a público num evento como esse “Fórum do Amanhã” com o velho modelo de um elite que pensa projetos para, depois, enfiar goela abaixo do populacho.

Karl Marx acusava o pensamento econômico burguês de se orientar por “robinsonadas” – tomar como ponto de partida o indivíduo isolado, livre, sem determinações sociais. O “Fórum do Amanhã” parece reeditar, em pleno século XXI, esse velho paradigma da teoria econômica do século XIX: projeto individuais (oficinas para empreendedorismo) e, até, coletivos como o Coletivo Qilombo MG, o Nós etc. Sempre na perspectiva de grupos sem vínculo partidário ou classista. Afinal, a política é suja e utopias são Ok!

Mas sempre com o tradicional viés tão tecnocrático e positivista como o lema estampado na bandeira nacional: uma elite de intelectuais que sempre escolherá o “melhor” protótipo de projeto – aquele que fale em futuro, mas mantenha sempre os olhos voltados para o ontem.  



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