Atiradores que abrem fogo em escolas e salas de cinema já tornaram-se
eventos icônicos na cultura pop atual. Acompanhamos nas últimas semanas dois
episódios nos EUA envolvendo salas multiplex: Lafayette (onde exibia o filme “Trainwreck”
– “Descompensada” no Brasil) e em Antioch (em cartaz o filme “Mad Max: Estrada
de Fúria”). O Brasil também teve tiros em sala de cinema num shopping em 1999
onde era exibido “O Clube da Luta”. Por que salas de cinema atraem atiradores?
O tom que a mídia aborda esses episódios é monocórdico: sempre retratados como atiradores solitários,
sem conexões, e que de repente decidem abrir fogo contra uma plateia. Há algo
mais por trás desses eventos? É o que pretende demonstrar as hipóteses do
Efeito Copycat, do Sincromisticismo e sobre secretas conexões entre Cinema e
Guerra.
Duas semanas
depois de um atirador ter aberto fogo contra a plateia em um cinema em Lafayette,
Louisiana nos EUA, outro atirador armado com espingarda e um machado, no dia 05
de agosto, foi abatido por policiais em um cinema que exibia Mad Max: Estrada da Fúria em Antioch, no
Tenessee.
O atentado
anterior, no dia 23 de julho, foi há exatamente três anos do atentado em
Aurora, Colorado, onde James Holmes atirou na plateia que assistia ao filme Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Aqui no Brasil
também tivemos um episódio de tiros em 1999 numa sala de cinema, com o chamado
“maníaco do shopping”: em um shopping em São Paulo um jovem chamado Mateus
Meira disparou uma submetralhadora contra a plateia de 40 pessoas que assistia O Clube da Luta, resultando em três
mortos e vários feridos.
O início: gangsters e doenças venéreas
Dois episódios
foram deram início a esse longo histórico de tiros em salas de cinema: em 1928
em Arlington, Carolina do Norte, George Holmes (nome sincrônico com James Holmes
do atentado em Colorado) matou uma pessoa no saguão do Lyric Theater que exibia
The Naked Truth, filme censurado em
diversos estados por mostrar os horrores das doenças venéreas – um dos
primeiros exploitation movies da
história do cinema daquele país.
"Manhattan Melodrama" (1934): um dos primeiros filmes envolvidos com tiros em sala de cinema |
E o mais famoso: o
gangster John Dillinger morre em frente ao Biograph Theater de Chicago em 22 de
Julho de 1934 (data sincrônica com os atentados de Aurora e Lafayette) a tiros
depois de assistir ao filme Manhattan
Melodrama – onde Clark Gable interpretava um gangster que terminava
condenado à cadeira elétrica. A história de Dillinger acabou transformada em
filme em Public Enemies (2009) onde
Johnny Deep interpretava o legendário gangster. Christian Bale fazia o homem do
FBI que o perseguia e Marion Cotillard interpretava a mulher que traia o
gangster. Bale e Cotillard seriam depois protagonistas no Filme Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge
envolvido no atentado em Aurora, Colorado em 2012.
A partir desses
dois episódios inaugurais temos uma extensa lista de massacres, brigas e tiros
em cinemas nos EUA como apresenta o pesquisador Loren Coleman no seu blogue Twilight Language – clique aqui.
Por que essa
recorrência de atentados e sincronismos envolvendo atiradores em salas de
cinema? O que há nas salas de cinema que
atrai esses supostos psicopatas? Por que a grande mídia parece ter um discurso
pronto após cada um desses episódios? Sempre os atiradores são descritos como
andarilhos solitários, sociopatas que vagam aqui e ali como zumbis e,
repentinamente, decidem abrir fogo no interior de salas multiplex.
Incomodado por
essas questões, o Cinegnose decidiu elencar as mais importantes hipóteses que
tentam romper com esse tom monocórdico que a grande mídia aborda esse fenômeno:
o Efeito Copycat, Sincromisticismo e as conexões secretas entre guerra e
cinema.
Efeito Copycat
Também conhecido
por “imitação” ou “efeito de contágio”, lida com o poder da comunicação de
massa criar uma epidemia de comportamentos semelhantes. Conceito criado pelo
pesquisador Loren Coleman, as origens do Efeito Copycat podem ser encontradas
no pós-guerra como, por exemplo, no caso clássico do suicídio de Marilyn Monroe
em 1962. No mês que se seguiu, 197 suicídios (principalmente de jovens,
mulheres e loiras) parecem ter usado a tragédia da estrela como modelo para seu
próprio suicídio – a taxa de suicídio aumentou 12% nos EUA após a notícia do
suicídio da atriz.
Atentado em Barcelona foi um efeito copycat de "Game of Thrones" |
Atento a fenômenos
como esse, Coleman observa que em aniversários de atentados célebres ou datas
de nascimento ou morte de assassinos que tornaram-se celebridades midiáticas.
Por exemplo, o
célebre atentado a tiros na escola de Columbine (EUA) em 1999 e as mortes
cometidas por um aluno adolescente do Instituto Joan Fuster (Barcelona,
Espanha) nesse ano com uma besta e uma machete ocorreram no mês da morte de
Hitler – abril. Sendo que neste episódio da Espanha haveria uma outra evidência
de copycat: no dia do atentado, alguém postou no blogue do Instituto uma foto
da série Games of Thrones onde o
personagem Joffrey Baratheon empunha a arma atiradora de flechas.
Houve também um
efeito copycat com o filme Capitão América: O primeiro Vingador lançado em 22
de julho de 2011, dia do massacre de Breivik, na Noruega, por um neo-nazista.
Para Coleman, é significativo o sincronismo das datas de julho nos atentados de
Colorado e Lafayette: datas de eventos repercutidos pelas mídias são um fator
importante para o efeito copycat.
E a franquia de
filmes Batman com a sombria figura do palhaço do crime, o Coringa, também é o
responsável por famosos efeitos copycat: o mais infame efeito do lançamento de O Cavaleiro das Trevas de 2008 foi o
caso envolvendo Kim de Gelder, o “Joker de Dendermonde”, na Bélgica em 2009. Com
maquiagem facial semelhante ao Coringa da série Batman, entrou em uma creche
armado com facas (arma predileta do Coringa) feriu e matou crianças e adultos.
O mais
significativo é que o crime foi cometido um ano após a morte do ator Heath
Ledger que interpretou o vilão e o sobrenome “de Gelder” é um anagrama do
sobrenome do falecido ator.
Para Coleman, o
efeito copycat é a própria natureza dos efeitos midiáticos, seja nas suas
formas mais leves (copiando modismos como gostos musicais ou carros da mesma cor)
ou dramáticas como pessoas dando tiros em cinemas e escolas.
Acompanhando o
pensamento de Freud, Coleman acredita que o homicídio é um “suicídio voltado
para o exterior” e que as salas de cinema seriam o cenário mais perfeito para o
efeito copycat: ato vingativo contra a plateia e suicida diante da fonte de
tudo isso – a tela do cinema.
Hipótese Sincromística
Novamente Loren
Coleman, acompanhado de outros pesquisadores como Christopher Knowles (veja o
blogue The Secret Sun, Jake Kotze
(veja o blogue The Brave New World Order) e Jason Horsley
(autor do livro Secret Life of Movies), apostam na chamada hipótese sincromística como uma espécie de
complementação esotérica ao conceito sócio-psicológico do efeito copycat.
"Birdman" e "Trainwreck" envolvidos em fenômenos sincromísticos |
Baseado em
conceitos teosóficos como forma-pensamento, arquétipos e sincronicidade, o
Sincromisticismo concebe as relações sociais como que imersas em um oceano de
pensamentos que dentro de determinadas condições sedimentam-se em egrégoras e
formas-pensamento autônomas capazes de criar “conexões significativas”. Se nas
relações interpessoais esses fenômenos são facilmente perceptíveis, imagine-se
em nível social onde egrégoras e formas-pensamento são exploradas e
repercutidas pela indústria do entretenimento – certamente os efeitos serão
exponenciais.
Todos esses
pesquisadores buscam padrões e recorrências envolvendo datas e nomes de pessoas
e lugares. Por exemplo, o atentando na sala de cinema em Lafayette ocorreu
durante a exibição do filme Trainwreck
(exibido no Brasil sob o título Descompensada).
Coleman aponta para uma coincidência significativa com uma linha de diálogo do
filme ganhador do Oscar Birdman onde
Sam pergunta a Riggan se ele está pronto para a estreia da peça teatral. Riggan
responde: “Sim, sim... quero dizer, estreias são praticamente um trem
desgovernado (“trainwreck”). Não consigo ter um bom desempenho sem um incêndio
ou uma ereção furiosa”.
Ou ainda o
sincronismo linguístico entre os atiradores de Aurora (James Holmes), Colorado,
e Lafayette (John Houser): Houser é uma variante do sobrenome alemão Häuser, de
“casa” denotando alguém que dá abrigo, proteção. “Holmes” evolui da mesma raiz
etimológica de “House”, casa.
Sincromisticismo
vem do latim sunkronos e do grego syn + Khronos (tempo) e
do latim mysticus (mistérios) e do grego mysticos (aquele que é
iniciado). O termo foi usado pela primeira vez por Jake Kotze em 2006 em seu
blog “The
Brave New World Order”. Kotze definiu o conceito
como “a arte de encontrar coincidências significativas em fatos aparentemente
banais com significados místicos ou esotéricos”.
Para Christopher
Knowles, os doentes psíquicos são aqueles que estão vivendo em o mundo
crepuscular dos sinais, símbolos e signos. São atormentados por essa realidade
sincromística, podendo infectar a população em geral.
James Homes e John Houser: sincronismo etimológico poderia predestinar atentados |
Guerra e Cinema
Essa hipótese é a
mais “acadêmica” (e, por isso, cientificamente mais aceitável) porque baseada em autores consagrados nas ciências sociais
como o filósofo Walter Benjamin e o pensador e urbanista francês Paul Virilio.
O cinema
desenvolve-se paralelo à evolução tecnológica e científica das grandes guerras
mundiais do século XX. Mas para Paul Virilio há uma íntima conexão entre cinema
e a evolução militar. O cinema surge quando há uma revolução na logística das
guerras: abater o adversário é menos captura-lo do que cativá-lo, é infligir
antes da morte o pânico da morte - leia VIRILIO, Paul, Guerra e Cinema, Boitempo Editorial, 2005.
Desenvolvem-se no
campo de batalha as “armas de teatro” que substituem o “teatro de operações”:
assim como o cinema, as armas devem criar a surpresa técnica e psicológica. As
bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki ou a tática do “Ghost Army” (
aplicações pelos aliados na II Guerra Mundial de recursos cenográficos e de
áudio para criar medo e desorientação no inimigo - clique
aqui), são exemplos do direcionamento das tecnologias para a sedução,
surpresa e impacto.
Walter Benjamin
que o cinema baseava-se em um estado de choque contínuo dos espectadores: a
aceitação dos choques na sala de cinema tornaria mais fácil ao indivíduo
enfrentar os hiperestímulos do cotidiano – perigos, efeitos choque etc.
O compositor
alemão Wagner parece ter previsto isso ao conceber as sua óperas no século XIX
como “obras de arte totais” que deveriam envolver todos os sentidos
simultaneamente – hoje chamaríamos de “imersão” ou “multimídia”. No século XX
as técnicas fizeram Guerra, Cinema e cotidiano perderem as fronteiras e se
fundirem.
Talvez os
atiradores de salas multiplex sejam a irônica realização dessa “imersão”: a
sedução através do pânico pula da tela para invadir a sala de projeção.
“Death is just a
big show in itself” (A morte em si é exatamente um grande show), afirmava
Samuel Rothapfel, filho do inventor da primeira grande sala de cinema batizada
como “catedral” em 1925 nos EUA, o Roxy.
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