Junto com o midiático Celso Russomanno, somam-se para as próximas
eleições à prefeitura de São Paulo os televisivos José Luiz Datena e João Doria
Jr. Cientistas políticos vêm interpretando esse fenômeno como crescimento do
conservadorismo de uma cidade que em outros tempos elegeu Maluf, Celso Pitta e
Ademar de Barros. Ou como reflexo do “vácuo político” decorrente da
judicialização da Política feita pela Operação Lava Jato. Mas haveria algo
mais, um projeto que estaria sendo gestado e que tornaria São Paulo o
laboratório de uma experiência de vanguarda: a midiatização total da vida
pública. Esses personagens midiáticos representam a quintessência do imaginário
paulistano: justicialismo, meritocracia e consumo. Mas desta vez, sem
intermediários: diferente dos políticos, ainda presos na cena teatral, Datena,
Russomanno e Doria Jr. vivem na cena midiática - pelo menos sabem ler um teleprompter e se
posicionam bem diante das câmeras.
O blogue Cinegnose vem considerando em postagens
recentes que São Paulo é um enclave conservador dentro do Brasil. Exemplos
disso seriam os protestos e resistências a medidas civilizatórias globais como
a construção das redes de ciclovias e a redução da velocidade dos carros. E, o
que é pior, protestos que muitas vezes associam essas medidas a um suposto
totalitarismo bolivariano cuja solução final seria um golpe militar.
Mas, temos que dar
a mão à palmatória. Na verdade, São Paulo está na vanguarda. Um exemplo desse
vanguardismo estaria na praça ecologicamente correta chamada de Praça Victor
Civita - sincronicamente localizada ao lado da decadente Editora Abril, da sucateada
Sabesp e do fétido Rio Pinheiros). Como esse blogue observou em outra
oportunidade, a praça é mais do que um símbolo da sustentabilidade: é o símbolo
da vanguarda de um projeto que pretende se expandir para todo o País – por meio
do sucateamento deliberado do Estado, tornar escasso todos os bens tidos como
universais (água, educação, energia etc.) para, depois, serem entregues à
regulação do mercado como simples mercadorias – sobre isso clique
aqui.
Eis que São Paulo exibe para o País mais uma
prova do seu espírito vanguardista: a pouco mais de um ano das eleições municipais,
dois personagens midiáticos sem vida orgânica partidária e sem experiência
política entram na cena como candidatos, à espera de confirmação, para a
prefeitura municipal: José Luiz Datena (âncora de programa policial) e João
Doria Jr. (apresentador do programa Show
Business). Somam-se a outro candidato midiático que participou do último
pleito: Celso Russomanno, do PRB-SP.
Praça Victor Civita: exemplo do "laboratório vanguardista" de São Paulo |
Por que vanguarda?
Porque depois de décadas de um trabalho diário (da grande mídia brasileira e
mundial) de desconstrução da Política e da figura do político (cuja
espetacularização do Judiciário com a Operação Lava Jato é mais um episódio), a
grande mídia vislumbra a possibilidade de mandar às favas os intermediários – para
quê ter o trabalho em pautar e roteirizar políticos se as própria estrelas
televisivas podem assumir o protagonismo?
Política: do teatro à mídia
Que a Política
sempre foi um palco teatral, não é novidade para qualquer cientista político.
Porém, com a instituição da chamada “Sociedade do Espetáculo” (nos termos propostos
por Guy Debord) a Política deixou de ser teatral para tornar-se midiática –
balões de ensaio, factoides ou pseudoeventos passaram a ser a pratica comum de
políticos para buscarem o foco das câmeras. A mise en scène teatral foi substituída pelo timing midiático da logística das coberturas e horários de
fechamento das redações.
Mas apesar da espetacularização da política,
ainda a figura do político exige os protocolos parlamentares, o rito das
plenárias e discussões, o corpo-a-corpo com outros políticos nos bastidores e
com os eleitores nas campanhas. O político ainda deve um tributo às suas
origens cênicas no palco do teatro.
Políticos ainda estão presos à cena teatral |
Por isso, ele
ainda se mostra desajeitado diante do aparato midiático que ao mesmo tempo
promove e desconstrói a Política: a performance canastrona nos vídeos, os
ternos com cortes ultrapassados, a dificuldade em ler um teleprompter, os olhos
injetados para as câmeras pedindo votos, o déficit telegênico. Tudo isso apenas
reforça na mente do espectador a suspeita que a própria mídia alimenta: políticos
são tão confiáveis (e canastrões) quanto um vendedor de carros usados.
Chega de intermediários!
Depois do
incansável trabalho em desmoralizar não apenas o político, mas a própria
Política, a grande mídia ensaia entrar para a fase decisiva de seu projeto
histórico – a midiatização total da vida pública. Deputados midiáticos eleitos
como o comediante Tiririca, o cantor Sérgio Reis, o apresentador Wagner Montes,
entre outros, são ainda o estágio inicial e folclórico desse projeto.
Principalmente no
momento atual da política brasileira onde, pela incompetência da oposição
parlamentar em se apresentar à sociedade como projeto alternativo ao PT, a
grande mídia teve que pautar e levar a reboque os opositores ao Governo
Federal, parece que há uma espécie de cansaço midiático: chega de
intermediários!
Há muito tempo a
mídia vem construindo a percepção na sociedade de como a democracia
representativa e o parlamento são lentos, obsoletos e corrompidos. Quando a
grande mídia fala em “jornalismo comunitário” e de “prestação de serviços”, na
verdade ela se alvoroça em provar subliminarmente, através de seus repórteres
estrelas que supostamente ouvem as reivindicações por uma construção de uma
passarela ou sobre a necessidade de canalização de um córrego, o quanto os canais representativos
parlamentares são ineficientes diante a rapidez ao vivo midiática.
Jornalismo comunitário supera a representação parlamentar |
Para a grande
mídia, uma pesquisa por amostragem sobre os índices de popularidade de um
presidente ou governador vale muito mais do que o resultados de eleições
majoritárias.
Nesse contexto,
compreende-se a experiência vanguardista das próximas eleições em São Paulo. Se
tudo der certo, será o modelo de midiatização integral da Política.
Vácuo político?
Cientistas
políticos interpretam que esse fenômeno costuma aparecer em momentos de
profunda crise política e institucional como é o caso da ascensão a primeiro
ministro de Silvio Berlusconi, homem de mídia e negócios na Itália, como
decorrência do vácuo político criado pela Operação Mão Limpas durante a década
de 1990 – com muitos paralelos com a Operação Lava Jato brasileira.
Mas há algo mais: Datena,
Doria Jr. e Russomano são os protótipos mais bem acabados desse projeto
midiático – além das suas aparentes “purezas” (não têm vida partidária orgânica
e vêm do mundo asséptico dos estúdios de TV), suas figuras são construções
simbólicas resultantes de anos de acerto e erro nas suas relações com a
audiência. Tornaram-se espelhos do neoconservadorismo. Respectivamente,
materializam os pilares arquetípicos da mentalidade paulistana: justicialismo,
meritocracia e consumo.
Se não, vejamos:
(a) José Luiz
Datena: síntese visual do jornalismo justiceiro. Seus rosto redondo com feições
duras, olhos esbugalhados que se apertam ao fitar de baixo para cima espelham a
dureza de como o paulistano encara seu próprio cotidiano. Suas feições duras e
dicção semelhantes a de um pastor televisivo transmitem a lição fascista: quem
é duro consigo mesmo, tem o direito de ser com os demais. Por isso pede justiça
rápida, sem ritos processuais civilizados. Diante do telão no estúdio, parece
que dá ordens em tempo real para helicópteros, policiais, bombeiros etc. E
comemora cada cadáver de um suposto bandido.
Datena: o jornalismo justicieiro |
(b) João Doria
Jr.: misto de banqueteiro e organizador de eventos de elites empresariais, sua
imagem é a síntese de um suposto sucesso pelo mérito, trabalho e competência.
Se Datena é a dureza crua da luta do dia-a-dia, Dória Jr. está no céu dos
homens bem sucedidos graças ao talento e trabalho honesto e empreendedor.
Aliás, empreendedorismo e sustentabilidade são suas palavras-chave, sabe-se lá
o que esses palavras mágicas querem exatamente dizer. Em seu programa
televisivo Show Business recita essas
conceitos da cartilha empresarial. Dória Jr. é a imagem do sucesso para as
classes médias.
(c) Celso
Russomanno: para o paulistano, o consumo está imbuído de um simbolismo religioso
e terapêutico (a relação fetichista com marcas de produtos e serviços e
oportunidade de fazer “shopping terapia” no final de semana). Por isso
Russomano se notabilizou na TV e no imaginário do paulistano pela defesa de
consumidores em pendengas com prestadores de serviços. Seus programas
participam do processo de desmoralização da Política ao provar que a TV é
supostamente muito mais rápida do que os
canais representativos na defesa dos interesses dos consumidores. Aliás, essa é
a mensagem subliminar e despolitizadora: não há cidadãos, existem consumidores.
E a Constituição (cheia de um incompreensível jargão jurídico) deveria ser
substituída de uma vez pelo Código do Consumidor.
Se essa
experiência der certo no verdadeiro laboratório de vanguarda em que se tornou a
cidade e o Estado de São Paulo, quem sabe teremos no futuro Luciano Huck para
presidente.
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