segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Um "Homem Sério" perdido num mundo aparentemente sem Deus

O que acontece quando Ciência e Religião falham como instrumentos de explicação ou conforto para um homem comum imerso em uma sequência de desgraças que peversamente se sincronizam? Onde falham a Ciência e a Religião ao tentar dar conta da presença do Mal no cotidiano? Esses são os temas centrais do intrigante e provocativo mais recente filme dos irmãos Coen “Um Homem Sério” cuja estréia nos cinemas brasileiros está prevista para este mês.

O protagonista do filme, Larry Gopnik, é um homem decente. Mas ele é também um homem incerto. Ele deseja ser "um homem sério", mas parece incapaz de encontrar a certeza espiritual necessária. Quanto mais ele procura esta certeza, mais evasivo ela se torna, criando uma série de situações tragicômicas.

Larry é um professor de Física que depois de receber um suborno de um aluno insatisfeito pela reprovação nas provas descobre que sua esposa infeliz faz planos de deixá-lo. Sua casa está sobrecarregada pela presença do irmão de Larry, Arthur, que, quando não escreve espécies de algoritmos em um caderno, laboriosamente drena um quisto sebáceo de seu pescoço. Os dois filhos de Gopnik são auto-absorvidos e sem inspiração, para dizer o mínimo, e Larry está sofrendo crescentes despesas por conta dos adolescentes. A saúde e carreira de Larry estão em perigo. E, no cúmulo da injustiça, Larry se vê obrigado a pagar as despesas do funeral do amante da sua esposa, falecido num acidente automobilístico.

É a história do homem moderno a procura de sentido em um universo indiferente, aparentemente ausente de Deus.

A miséria de Larry é dividida em três capítulos que correspondem às três tentativas tragicômicas de encontros com rabinos para buscar um significado divino para tudo que lhe acontece. Mas a Larry é sistematicamente negado o acesso final aos contos sem sentido que os rabinos narram como uma metáfora da inacessibilidade de uma experiência religiosa esclarecedora.

Ao mesmo tempo a Ciência de Larry (Física e Matemática) é paradoxal e frustrante. Larry informa aos alunos, após fazer em um enorme quadro negro a longa demonstração matemática do Princípio da Incerteza de Heisenberg, que a única coisa que podemos ter certeza é a incerteza.

Dybuk e o Mal


O filme faz um paralelo entre o prólogo que abre o filme (a história de um homem judeu passada a cem anos atrás que convida inadvertidamente o Mal – um Dybuk ou demônio - para entrar na sua casa) e as desventuras de Larry que por estar imerso em suas elocubrações matemáticas não consegue dar conta do progressivo desarranjo que invade sua vida (“mas eu não fiz nada”, tenta sempre justificar Larry).

Tanto a Ciência como a Religião partem de uma mesma matriz Teológica: a certeza de que a Totalidade (seja divina ou científica) é perfeita e de que o homem é a parte mais fraca, ou pelo pecado ou pela ignorância. O Mal, portanto, só pode estar presente no homem.

O que o filme dos irmãos Coen nos apresenta através de um humor negro é a falsidade das perguntas sobre o sentido da vida, o propósito ou o sentido para o cotidiano. Quanto mais o protagonista busca uma totalidade que dê sentido ao particular, mais ele se depara com a presença do Mal, isto é, com o imperfeito, o precário, o inefável, aquilo que escapa a qualquer racionalidade ou fé.

Imperfeição marcada simbolicamente na sequência em que, após uma longa demonstração matemática em um imenso quadro negro, Larry conclui que a única certeza de que dispomos é a de que tudo é incerto (a confirmação por meio do Princípio da Incerteza de Heisenberg da velha suspeita do Gnosticismo de que o Universo é corrompido nas suas origens). Ou as evasivas tragicômicas dos rabinos através de contos sem desfechos, como a analogia que o rabino Junior faz da vida com o estacionamento lotado de carros.

O protagonista não consegue contrapor a essa Teologia Positiva uma" "negatividade": procurar não a Totalidade, mas, ao contrário, encontrar a iluminação ou a experiência do Sagrado no particular, no precário, no efêmero, no cotidiano. O Sagrado não está numa suposta conexão com uma Totalidade que, repentinamente, descobriríamos em um momento místico ou de fé. A aspiração pelo Absoluto talvez encontra-se nas experiências mais banais, rotineiras e enfadonhas, como na sequência em que Larry sobe no telhado para consertar a antena (aliás, imagem emblemática do próprio pôster promocional do filme). Do alto do telhado, o protagonista, em contraste com um profundo céu azul, se detém por alguns momentos e contempla a banal beleza da vizinhança com seus prosaicos personagens e extensas áreas de grama em um típico subúrbio norte-americano. Ele parece se deter diante de uma beleza que nunca tinha dado conta. Mas uma beleza não conformista: o belo que de tão pequeno, mísero e precário somente pode aspirar a algo totalmente outro, a transcendência. Não é a Totalidade que detém o Absoluto, mas o singular que aspira ao transcendente.

Por isso a excelente epígrafe que abre o filme escrita a centenas de anos pelo rabino medieval Rashi: “Receba com simplicidade tudo o que acontecer com você”.

Ficha Técnica

Um Homem Sério (A Serious Man)
Diretor: Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Michael Stuhlbarg, Sari Lennick, Richard Kind, Fred Melamed, Aaron Wolff, Jessica McManus, Adam Arkin, Simon Helberg, Adam Arkin, George Wyner, Katherine Borowitz.
Produção: Joel Coen, Ethan Coen
Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen
Fotografia: Roger Deakins
Trilha Sonora: Carter Burwell
Duração: 105 min.
Ano: 2009
País: EUA

Trailer do filme "Um Homem Sério"

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