quarta-feira, dezembro 31, 2025

O metrô e o loop infinito da armadilha existencial da vida moderna em 'The Exit 8'


O que separa um trem desaparecido em uma anomalia espacial de um homem perdido em um corredor infinito de azulejos brancos? A resposta está na Fita de Möbius, o conceito matemático que une o clássico argentino “Moebius” (1996) ao recente thriller japonês “The Exit 8” (8-ban deguchi, 2025). Mais do que ficção científica, essas obras operam como espelhos de uma sociedade hiperconectada, porém solitária, onde a percepção da realidade é constantemente desafiada por deepfakes, bolhas virtuais e a monotonia do cotidiano. Nestes labirintos modernos, a saída depende da nossa capacidade de olhar além das telas e identificar as anomalias de uma vida vivida em modo automático. Em “The Exit 8” um homem se vê prisioneiro em um loop infinito topológico em um trecho dos labirínticos corredores subterrâneos do metrô de Tóquio.

“O metrô é sem dúvida o símbolo dos tempos atuais. Um labirinto onde em silêncio cruzamos com nossos semelhantes, sem saber quem são e de onde vêm. Centenas de plataformas no qual levamos para estabelecer um equilíbrio, analisar a situação e tentar olhar para além de um trem, uma mudança de vida. É um jogo estranho em que mergulhamos em túneis sem fim, sem perceber que cada transferência definitivamente muda o nosso destino. 
Com o metrô descobriu-se a máquina mais poderosa de olhar.”


Essa é uma locução em off que abria um filme argentino de 1996 chamado Moebius, inspirado na enigmática figura topológica da "fita de Möbius", interpretando-a como um portal dimensional. Um trem desaparece no metrô de Buenos Aires. A rede do metropolitano ficou tão complexa que assumiu a forma da "fita de Möbius" - figura geométrica paradoxal que não possui o lado de "dentro" e de "fora". Sem saber os engenheiros projetaram um portal por onde o trem passou. E ele continua viajando, invisível e prisioneiro de uma anomalia espacial.

Esse filme argentino dos anos noventa foi emblemático por explorar um argumento que ia na contramão da ficção científica, até então preocupada unicamente com os paradoxos temporais – influenciada pelo impacto da mecânica quântica.

Moebius desenvolvia um inédito paradoxo topológico inspirado da famosa “Fita de Möbius” - matemático que no século XIX criou uma subdivisão na área da Topografia: a Topologia. Ele trabalhou com superfícies sem escalas ou dimensões, tratando superfícies elásticas que resistem a deformações de tal forma que todas as suas propriedades métricas e projetivas são perdidas. 

Sua principal contribuição foi o paradoxo espacial criado pela “fita de Möbius”, uma figura paradoxal cujas propriedades abolem o principal de orientação (não possui o lado de “dentro” e de “fora” como uma fita normal). Sua convergência e continuidade formam um paradoxo espacial onde a torção cria uma fita de apenas um lado.

Essa figura espacial paradoxal e impossível de ser expressa por meio de uma equação inspirou trabalhos do artista plástico M.C. Escher e a exploração topológica do ego feita por Lacan (o descentramento do sujeito pela subversão do espaço explorado culturalmente pelas manifestações artísticas do século XX).

Por isso, o filme argentino Moebius foi muito além da ficção científica, entrando no campo da literatura do Realismo Fantástico latino-americano.



Não por acaso a famosa ilustração da Fita de Möbius de Escher é uma referência onipresente no filme japonês The Exit 8 (8-ban deguchi, 2025). O filme dirigido por Benki Kawamura é mais do que uma simples adaptação mecânica de um popular videogame homônimo. Ele se tornou um espelho nítido das ansiedades contemporâneas, transformando o conceito de "simulador de caminhada em primeira pessoa" dos games em um thriller psicológico existencial.

O conceito do popular videogame de exploração "Exit 8", da desenvolvedora Kotake Create, era tão espartano que chegava a ser quase monástico. O jogador (representado olhar em ponto de vista, em primeira pessoa) estava perdido em um túnel labiríntico e excessivamente iluminado do metrô japonês, e a única maneira de encontrar a saída de sua construção em loop infinito, semelhante a uma obra de Escher sobre a Fita de Möbius, é identificar suas "anomalias" — pequenos desvios deliberados da norma previamente estabelecida.

 O filme The Exit 8 é ainda mais simples, mais direto e menos preocupado em explicar a premissa. Em vez disso, o truque aqui é que, na ausência da perspectiva em primeira pessoa do jogo original, Kawamura e o co-roteirista Kentaro Hirase adicionam um componente psicológico à narrativa em terceira pessoa. Aqui, o dilema do protagonista é desencadeado pelo fato de ele estar em um ponto de virada em sua vida.

Indo além do videogame, The Exit 8 desenvolve o conceito de "espaço liminar" — locais de transição (corredores, salas de espera, metrôs) que, quando vazios, geram um desconforto onírico. Isso reflete a sensação moderna de desorientação urbana. Em um mundo hiperconectado, o vazio desses corredores brancos espelha a solidão paradoxal das metrópoles.



E esse paradoxo da desorientação urbana com hiperconectividade seria ampliado com o fenômeno cultural da situação cotidiana de pessoas imersas no individualismo desses espaços subliminares com a atenção afundada nas telas dos smartphones. Imersas em suas próprias bolhas virtuais, nas redes sociais, como se quisessem criar uma realidade alternativa ou paralela.

Até que o protagonista descobre que inadvertidamente caiu em uma realidade alternativa, num loop infinito: em uma arquitetura impossível em um pequeno trecho do labiríntico metrô de Tóquio.

O Filme

Nosso herói, sempre referido apenas como o “Homem Perdido” (o astro do J-pop Kazunari Ninomiya), está no trem quando presencia um empresário arrogante importunando uma jovem mãe por causa do choro do seu bebê e nem ele ou passageiros intervém – todos estão absorvidos pelas telas dos celulares, com seus fones de ouvido.

Logo depois, ele desembarca e recebe uma ligação de uma recém ex-namorada que diz estar no hospital, grávida dele, e aguarda sua opinião sobre o que fazer.

Assim, com a atenção concentrada na ligação, ele leva um tempo para perceber que, de repente, está sozinho em um labirinto de corredores do metrô, em um pesadelo retilíneo de corredores subterrâneos revestidos de azulejos brancos E que seguir a sinalização amarela sem graça do piso em direção à saída sempre o levará de volta ao ponto de partida, caindo num loop aparentemente infinito.



Na verdade, o “Homem Perdido” não está completamente sozinho; um homem magro carregando uma pasta (Yamato Kochi) passa impassivelmente por ele sempre que ele chega a um dos corredores. Mais tarde, outros andarilhos também aparecem, mas suas interações com eles são artificiais, como se fossem personagens não jogáveis ​​(NPCs) de um videogame.

Assim como no jogo, a única escolha ativa que o Homem Perdido pode fazer é seguir em frente ou voltar, e logo um cartaz aparece explicando como exercer esse livre-arbítrio limitado. Sempre que ele avistar uma anomalia qualquer na ambiência ou mesmo no comportamento dos “NPCs”, deve mudar de direção. Se não houver nada de errado, deve continuar, e dessa forma conseguirá navegar pelos oito níveis e chegar a uma saída. Se errar, porém, tudo recomeça do início e todo o seu progresso é perdido.

Operando com o mesmo princípio cativante que impulsiona milhares de jogos de objetos escondidos ou de encontrar as diferenças, agora nós, junto com o Homem Perdido, começamos a analisar obsessivamente cada quadro em busca de possíveis desvios. Os cartazes do metrô estavam na mesma ordem da última vez? Aquela porta sempre esteve entre duas saídas de ar? Por que o Homem Andando de repente virou o Homem Parado, e quando ele começou a exibir aquele sorriso horripilante? 

As anomalias buscadas tanto pelo protagonista quanto por nós espectadores e a dinâmica da busca por erros é uma metáfora poderosa para a cultura dos Deepfakes e da desinformação. No século XXI, fomos treinados a duvidar da nossa percepção: Aquele vídeo é real ou IA?  Este rosto é humano ou gerado?

No filme, um detalhe minúsculo (um cartaz que muda levemente ou o olhar de um NPC) pode significar a perdição, ecoando nossa paranoia constante em filtrar a verdade em um fluxo infinito de dados.



Metáforas poderosas

Mas certamente a metáfora mais poderosa é a rotina urbana representada pelo loop infinito unidimensional, tal como a fita de Möbius. O corredor que se repete é o trajeto diário do trabalhador (commuting), uma rotina que se tornou uma prisão. O filme sugere que estamos todos presos em nossos próprios "exits", repetindo comportamentos e ignorando sinais de que algo está errado em nossa saúde mental.

E nossos próprios “exits” são as telas dos nossos dispositivos móveis, nos quais ficamos absorvidos, alienados da realidade – no filme, representada, no início, no choro do bebê que incomoda a atenção de todos os passageiros concentrados nos seus smartphones.

E depois na notícia da gravidez indesejada da ex-namorada do protagonista através de uma ligação. Desencadeando o dilema pessoal e a armadilha topológica no metrô.

Tal como a fita de Möbius, na qual não conseguimos mais identificar o lado de fora e de dentro, o interior e o exterior, a alucinação e a realidade, nas realidades solipsistas das bolhas virtuais nas quais nos enfiamos, não identificamos mais a realidade (o lado de fora), o futuro, a posteridade.


 

 

 

Ficha Técnica

Título:  The Exit 8

Direção: Genki Kawamura

Roteiro: Kotake Create, Kentaro Hirase, Genki Kawamura

Elenco: Kazunari Ninomya, Yamato Kôchi, Naru Asanuma

Produção: AOI Promotion, Toho

Distribuição: Neon

Ano: 2025

País: Japão

 

 

 

 

 

 

Postagens Relacionadas

 

 

 

 

Um trem desaparece em anomalia topográfica no metrô de Buenos Aires em "Moebius"

 

 

Filme "O Culto": e se nossas vidas forem gigantescas anomalias temporais?

 

 

 

O smartphone matou a experiência urbana do flâneur

 

 

 

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review