Esqueça a trégua das festas de fim de ano e os eufemismos de compaixão que costumam marcar essa época. Em 2025, o espírito de Natal deu lugar ao jogo semiótico pesado que já antecipa as tensões eleitorais de 2026. Entre o simbolismo religioso da cirurgia de Bolsonaro e a "mais-valia semiótica" de Fernanda Torres em um comercial das Havaianas, o que se observa é uma mudança de roteiro no jornalismo corporativo: o abandono da "defesa da democracia" em favor de uma indignação seletiva contra o STF no jornalismo declaratório em off da “colonista” Malu Gaspar em “O Globo”. O objetivo é claro: pavimentar o caminho para uma "terceira via" técnica, tentando forçar uma simetria simbólica entre extremos enquanto o capital financeiro reorganiza o tabuleiro para o próximo ano. Esse movimento revela a estratégia do capital para "trazer os adultos de volta à sala" e decidir se o futuro brasileiro pertencerá à negociação social ou ao capitalismo de catástrofe.
Esse ano está demorando para acabar. Até há pouco tempo, a
proximidade do Natal e da noite de Ano Novo despertava (pelo menos de uma
maneira efêmera) aqueles sentimentos cristãos em segunda mão sobre “compaixão”,
“amor ao próximo” ou, em tempos neoliberais progressistas (apud Nancy Fraser), sobre
o eufemismo “cuidado aos vulneráveis” e assim por diante.
E a agenda midiática era tomada por “festas sem fome” e outras
variações do tema em que “vulneráveis” são agraciados com uma noite de
Cinderela.
Mas este ano de 2025 não! Até à véspera do Natal o jogo está
pesado, prenunciado o ano eleitoral de maldades de 2026: Xandão libera o
presidiário Bolsonaro a fazer cirurgia em pleno dia natalino (com o óbvio
simbolismo religioso que a malta bolsonarista vai extrair disso); enquanto o
jornal O Globo denuncia um encontro “sigiloso” do ministro com Galípolo, do BC,
supostamente para tratar sobre o Banco Master; e os deputados Eduardo Bolsonaro
e Alexandre Ramagem, autoexilados nos EUA, são cassados pela Câmara e perdem
seus passaportes diplomáticos.
E, dando o tom político definitivo do que será o ano que vem, a
nova musa da esquerda, Fernanda Torres, protagonista do oscarizado filme Ainda
Estou Aqui, figura em um filme publicitário das sandálias Havaianas, de cara,
em um tom provocativo, dizendo: “Desculpa, mas eu não quero que você comece
2026 com o pé direito”.
A proximidade de um ano eleitoral e o evidente significado
político investido na atriz ao estrelar um filme sobre a ditadura militar
brasileira, torna a fala de Fernanda Torres dotada de um explícito sentido
político.
Ela até tenta contemporizar na fala subsequente no comercial: “Isso
não tem nada a ver com a sorte. O que eu desejo é que você comece o Ano Novo
com os dois pés. Os dois pés na porta, os dois pés na estrada, os dois pés na
jaca, os dois pés onde você quiser”.
Tenta tirar a história do pé direito do evidente campo político
para o das mandingas para atrair a sorte na virada de ano.
Só os mais ingênuos não conseguem perceber que a campanha
publicitária das Havaianas está retirando sua mais-valia semiótica do próximo
ano eleitoral.
E da polarização política, cujo “efeito firerose” (espiral
interpretativa) já começou: Nikolas Ferreira e Eduardo Bolsonaro já associaram
a frase a um suposto posicionamento esquerdista da marca. Em resposta, o filho
do ex-presidente publicou um vídeo nas redes sociais descartando um par de
Havaianas e afirmando que começaria o ano “com o pé direito, mas não de
Havaianas”.
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A nova musa das Havaianas
Enquanto isso o campo progressista comemora o “pé na porta” da
nova musa da esquerda brasileira – apesar dela, ao lado da mãe Fernanda
Montenegro, serem garotas propaganda do banco Itaú que figuram como “reservas
morais” do lado “humano e ético” do financismo brasileiro.
Para entrar em ação os clichês dos clichês da mídia: o
comportamento da bolsa de valores. Primeiro, as ações da Alpargatas
(controladora da Havaianas) sofreram perdas de 2,4% impulsionadas por um
boicote, incitado por políticos bolsonaristas nas redes sociais.
Para depois, a mídia progressista comemorar a “disparada” de 3,5%
dos papeis da companhia – repetindo o mesmo viés ideológico da grande mídia que
vê profundos significados políticos e econômicos no sobe e desce especulativo
do mercado de ações.
E para reforçar essa atmosfera midiática de um ano que não
consegue acabar (ou pelo menos de trégua para as festas de fim de ano) entra em
ação o indefectível jornalismo declatório de fontes off do colunismo de
produção de notinhas diárias: em sua coluna no jornal O Globo, a “colonista”
Malu Gaspar garante (escudada em “seis fontes”) que o Ministro Alexandre de
Moraes procurou o presidente do BC, Gabriel Galípolo, para tratar do Banco
Master.
Isso em um contexto em que a grande mídia abandonou
definitivamente o script da “defesa da Democracia” (o apoio irrestrito ao STF
contra a “trama do golpe” do 8/1) e “descobriu” os conflitos de interesse que
sempre existiram nas relações perigosas dos ministros com a sociedade –
inclusive com a própria Globo, com o Prêmio Innovare com apoio estratégico da
emissora: o prêmio que “reconhece as melhores práticas de promotores, juízes e
outros profissionais do Direito que tornam a justiça mais eficiente e acessível”.
Lembrando a indignação seletiva da grande mídia dos bate-bumbos dos
jornalões na época da Lava Jato - a mídia teria direcionado uma
"guerra" contra o PT e Lula, enquanto outros partidos e políticos
envolvidos não receberam a mesma atenção.
E por quê o jornalismo corporativo voltou ao modo “indignação
seletiva”?
(a) Porque para o financismo da Faria Lima, a polarização política
já cumpriu o seu papel (visibilidade ao Brasil Profundo e da extrema-direita
para empurrar a agenda neoliberal goela abaixo da Nação). Agora é o momento de
recolocar os adultos na sala: um governo de terceira via, “técnico”, sem
arroubos ideológicos. A ordem agora é “despolarizar”;
(b) Porque o jornalismo corporativo percebeu que as narrativas da
judicialização da política e “defesa da Democracia” também já passaram do prazo
de validade, resultando no oposto: a criação de círculo virtuoso na agenda
política de Lula.
Modo indignação Seletiva
Por isso nos últimos dias as capas dos jornalões e escaladas dos
telejornais têm figurado um espaço cada vez maior a denúncias contra problemas
éticos de ministros do STF: Dias Toffoli e a viagem de jatinho com advogado do
Banco Master, o bate-bumbo da proposta de um “Código de Conduta” feita pelo
Ministro Fachin para magistrados dos tribunais superiores etc.
Indignação seletiva: por que só AGORA o jornalismo corporativo
descobriu tais conflitos de interesse depois de anos de eventos corporativos
promovidos, por exemplo, pela LIDE, de João Dória Jr. (aqui e nos EUA), com a
participação de ministros do STF?
E o escândalo anual do “Gilmarpalooza” - apelido informal e satírico dado ao Fórum Jurídico de Lisboa, um evento anual realizado em Portugal e organizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, o maior evento de lobby judicial do mundo.
O problema é que esse contramovimento é ainda muito incipiente. A
ponto de a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) confirmar que participou
de reuniões com autoridades públicas, incluindo o ministro do Supremo Tribunal
Federal, Alexandre de Moraes, para tratar exclusivamente dos efeitos
da Lei Magnitsky sobre o sistema financeiro – clique aqui. Desmentindo as
informações veiculadas pela “colonista” Malu Gaspar.
Parece que a orquestração midiática ainda não conseguiu atar todos
os nós.
A campanha publicitária das Havaianas junta-se a esse esforço de “trazer
os adultos de volta para a sala”: não entrar em 2026 com o pé-direito, mas com
os “dois pés”.
Este Cinegnose vem reportando esse esforço hercúleo da
grande mídia ao longo desse ano dentro daquilo que chamamos de “Semiótica
Nem-Nem” ou “Ninismo” como dizia o semiólogo francês Roland Barthes – forçar uma
igualdade simbólicos entre extremos. Construir uma representação de Bolsonaro e
Lula como iguais no extremismo ideológico.
O último movimento foi a cena “vazada” nas redes sociais do filme Dark
Horse, co-produção Brasil/EUA, drama biográfico sobre Bolsonaro – criando o
equivalente semiótico com o filme sobre Lula, Lula, o Filho do Brasil (2009).
Além de tudo isso, há o esforço da grande mídia em defender o
legado simbólico da Lava Jato. Principalmente depois que Dias Toffoli autorizou
mandado de busca e apreensão da PF na 13ª Vara Federal de Curitiba para a busca
de documentos sensíveis contra o então juiz Sérgio Moro, no âmbito da Operação
Lava Jato – a apreensão da famosa “caixa amarela”, objeto que protagonista de
uma das maiores celeumas envolvendo Sérgio Moro.
Que, segundo o ex-deputado estadual Tony Garcia, guarda cerca de
400 horas de gravações clandestinas feitas a mando do então juiz – clique aqui.
Esse modo “indignação seletiva” do jornalismo corporativa em pleno
período das festas de final de ano (mandando às favas o clima de “menino Jesus”,
“manjedouras”, “amor”, “tolerância” etc.) mostra que as eleições de 2026 serão
decisivas porque revelam um divisor de águas para a história brasileira: entre
o Capitalismo das “lutas de fronteiras” (Apud Nancy Fraser) pela negociação
entre a avidez financista e a defesa dos cuidados sociais; e o capitalismo “técnico”
de catástrofe.
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quarta-feira, dezembro 24, 2025
Wilson Roberto Vieira Ferreira




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