terça-feira, fevereiro 28, 2017

"Envelopegate": por que "La La Land" não ganhou o Oscar de Melhor Filme?


O que há por trás do chamado “Envelopegate”, a histórica gafe da troca dos envelopes de premiação do Melhor Filme no Oscar 2017? Certamente, “La La Land” era o favorito da crítica especializada, consciente da lógica da premiação da Academia de Cinema na última década da Era Obama. O seu anúncio foi um “ato falho” cometido por uma empresa (a PricewaterhouseCoopers - PwC) cujo auditor minutos antes postava fotos dos bastidores da cerimônia no Twitter. Ironicamente, uma das empresas responsabilizadas em 2008 pela crise financeira por ter sido “desconcertadamente negligente”. Se Hillary Clinton tivesse ganho as eleições, e junto com ela o “neoliberalismo progressista”, assistiríamos à vitória de “La La Land”. Mas “Moonlight: Sob a Luz do Luar” foi a premiação “the last minute rescue” que serviu de bala para o canhão apontado diretamente na cara de Donald Trump. E o pior é que, ao contrário dos roteiro de filmes hollywoodianos, nessa história não há fronteiras que separem os mocinhos dos bandidos.

O chamado “Envelopegate” dominou a cerimônia do Oscar 2017. Em um primeiro momento os veteranos atores Warren Beaty e Faye Dunaway (astros do clássico Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas, 1967) anunciaram que a estatueta de Melhor Filme iria para La La Land. Um hesitante Beaty mostrou em longos segundos de silêncio conteúdo do envelope para Dunaway, que acabou anunciando o filme. A equipe do filme chegou a subir no palco para fazer os agradecimentos de praxe. Mas logo em seguida foi revelado o engano: na verdade, Moonlight – Sob a Luz do Luar era o grande vencedor da noite.

Mais tarde foi revelado que fora entregue por engano para Warren Beaty o envelope da premiação de Melhor Atriz, no qual figurava “Emma Stone, La La Land”.

O episódio do “Envelopegate” tornou ainda mais surpreendente a vitória de Moonlight, já que toda a crítica especializada apontava La La Land como o favorito para levar os principais prêmios do Oscar 2017.

O que torna ainda mais emblemático o episódio é que a empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers (PwC) assumiu total responsabilidade pelo incidente. Mais tarde, descobriu-se que um auditor da empresa (responsável pelos envelopes com os nomes dos vencedores), três minutos antes de Beatty e Dunaway entrarem no palco, ocupava seu tempo no twitter postando fotos dos bastidores do Oscar.


As “Big Four”


O sintomático é que essa empresa de auditoria pertence às chamadas “quatro grandes” (as “Big Four”: Deloitte, Ernst & Young, KPMG e PwC) que foram acusadas de serem “desconcertantemente complacentes” com o seu papel de auditor de bancos durante a crise financeira de 2008. As Big Four teriam sido “negligentes no cumprimento do dever”, deixando os bancos livres para assumirem riscos fatais que resultou na crise financeira de 2008 cujos reflexos ainda o mundo se ressente – clique aqui.

A gafe histórica do Oscar 2017 seria uma pequena amostra do modus operandi de uma das responsáveis pelo crash de 2008. Aliás, crise financeira que levou ao derretimento da Zona do Euro, a gigantesca crise imobiliária nos EUA que levou à depressão econômica cujo efeito direto foi a vitória de Donald Trump e a repulsa da chamada “América profunda” pela Globalização.

Por isso, a gafe pode ser considerada uma irônica vingança de Trump através da falha de auditores que parecem continuar negligentes no seu trabalho desde 2008.

Seguindo a lógica das premiações da última década (a Era Obama), certamente o vitorioso seria La La Land. O falso anúncio da premiação do filme pode ser considerado um “ato falho”: certamente, se Hillary Clinton estivesse na presidência, La La Land ganharia o Oscar de Melhor Filme.

Portanto, a vitória de Moonlight como o melhor filme ganha sentido colocado em perspectiva com o atual estado de guerra de Hollywood, Wall Street, Vale do Silício e correntes majoritárias dos movimentos sociais contra a eleição de Donald Trump.

As "Big Four" - do crash de 2008 ao Oscar 2017

A recorrência nas premiações


Na Era Obama, as premiações do Oscar, marcada por anos de crise econômica e guerra anti-terror, tenderam para filmes metalinguísticos, produções em torno de plots bélico-militares e temas históricos.

Metalinguísticos (Hollywood olhando para o próprio umbigo): O Artista (2012), Birdman (2015), Argo (2013), Spotlight (2016, ou o réquiem para o jornalismo comunitário substituído pela Internet e Globalização – clique aqui.

Bélico-militar e elogios ao combate anti-terror: Guerra ao Terror (2010), Argo (2013).

Temas Históricos: 12 Anos de Escravidão (2014), O Discurso do Rei (2011) e, mais uma vez, Argo (2013). O filme Argo, cuja premiação teve link direto com a Casa Branca na qual Michelle Obama anunciou o prêmio, foi uma produção simultaneamente metalinguística, bélica e com temática histórica – como a simulação de uma filmagem no Irã planejada pela CIA ajudou a libertar americanos do país durante a revolução islâmica. Um filme que conseguiu na época reunir os principais quesitos dentro da lógica de premiação da Academia de Cinema.


La La Land era a bola da vez


Mais uma vez a metalinguagem estava presente em La La Land, homenageando a era de ouro dos musicais e do jazz, além de mostrar os bastidores do Studio System – estúdios, audições para novos atores etc. E ainda o filme está ideologicamente sintonizado com o atual espírito do tempo: o mix de nostalgia, estética vintage e realismo amargo no qual sempre o desejável é substituído pelo possível – sobre isso clique aqui.

Mas para azar do produtor de La La Land, Jordan Horowitz (que revelou o engano ao mostrar o verdadeiro envelope e anunciar Moonlight como o melhor filme) os tempos mudaram com a vitória de Trump: toda a indústria do entretenimento e grande mídia norte-americana agora mobiliza-se para tornar a vida do presidente eleito num inferno – e se tiverem sorte, quem sabe Trump até renuncie...

Ao longo da última década temas polêmicos como pais separados, homossexualismo, álcool, drogas, jovens marginalizados etc. foram considerados pela Academia de Cinema como ideologicamente difíceis – veja os exemplos de filmes preteridos como Brokeback Mountain (2006) ou Boyhood (2015). Naqueles momentos de guerra anti-terror e crise econômica, Hollywood queria unificação e otimismo para tempos difícieis.

Por isso, em tempos normais que teriam continuidade com a vitória de Hillary Clinton, Moonlight não teria a menor chance, limitando-se à indicação. Um filme sobre a vida de um jovem negro e gay na periferia da costa sudoeste dos EUA, suas descobertas sexuais e relações com gangues da região e consumo de drogas, seria um ponto muito fora da curva para ser premiado com a principal estatueta.

La La Land: o azar de estar na Era Trump

Neoliberalismo progressista e anarcocapitalismo


Mas Trump não derrotou apenas Hillary Clinton. Derrotou também aquilo que a pesquisadora da New School for Social Research de Nova York chama de “neoliberalismo progressista”, a ideologia que legitima a atual Globalização financeira do Anarcocapitalismo: o alinhamento perverso entre correntes dos movimentos sociais (feminismo, LGBT, antirracismo, multiculturalismo, entre outros), o setor de negócios baseados em serviços simbólicos e tecnológicos (Vale do Silício e Hollywood) e o capitalismo cognitivo representado por Wall Street e a financeirização.

O “neoliberalismo progressista” foi iniciado nos anos 1990 de Bill Clinton com uma coalizão entre empresários, classe média dos subúrbios e novos movimentos sociais. Todos emprestando um carisma jovem com a boa fé moderna e progressista – a aceitação da diversidade, empoderamento, multiculturalismo e os direitos das mulheres – sobre esse conceito clique aqui.

Ao mesmo tempo em que a grande mídia e Hollywood apoiam esses ideais progressistas, criaram uma estranha bolha no qual a igualdade de raças e gêneros, empoderamento feminino e diversidade somente se realizam no nível da cultura – filmes, movimentos sociais, arte e entretenimento. Enquanto isso, a financeirização é entregue à Goldman Sachs e a desregulamentação bancarias sob a vista complacente de auditores como a PwC – tão complacente que produzem de “gafes” financeiras (crash de 2008) à confusão no Oscar 2017.

O perverso anarcocapitalismo que reproduz guerras anti-terror, militarismo, refugiados, ódio, intolerância e preconceito.

Em síntese, a premiação “the last minute rescue” de Moonlight serviu de bala para o canhão apontado diretamente na cara do fanfarrão Donald Trump. E o pior é que, ao contrário dos roteiro de filmes hollywoodianos, nessa história não há fronteiras que separem os mocinhos dos bandidos.

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