quinta-feira, fevereiro 23, 2017

Fissuras no monopólio da Globo: Atletiba, blocos de rua e impeachment no Corinthians


O muro do monopólio da Rede Globo está trincando. Nos últimos dias, uma série de fissuras começaram a surgir: o histórico cancelamento do clássico Atletiba como reação ao monopólio das transmissões esportivas da emissora; o impeachment mal sucedido no Corinthians, no ápice de recorrente pauta negativa da emissora envolvendo a arena do Itaquerão; e o crescimento exponencial do carnaval de blocos, atraindo verbas publicitárias que migram do sambódromo para as ruas, ameaçando um dos principais produtos oferecidos pela emissora ao mercado. Por trás dessas fissuras estão tecnologias de convergência, mídias sociais, empreendedorismo e competição. Tudo aquilo que o telejornalismo e colunistas globais raivosamente defendem como o futuro ético para o País. Mas que, na prática, o monopólio tautista da Globo foge, assim como o diabo foge da cruz. 
  
O que há em comum nessas três histórias?

(a) O cancelamento do clássico “Atletiba” (Atlético Paranense X Coritiba) no domingo passado por que os clubes se negaram a jogar devido ao impedimento da transmissão do jogo ao vivo, exclusivamente pelos seus canais no Facebook e YouTube, pela Federação Paranaense.

(b) A absolvição do presidente do Corinthians Roberto de Andrade e o arquivamento do pedido de impeachment feito pelo Conselho Deliberativo do clube.

(c) O crescimento dos blocos de carnaval de rua nas grandes cidades brasileiras. Em consequência, grandes marcas estão trocando os camarotes dos sambódromos pelas ruas. Depois de 26 anos de presença cativa no sambódromo carioca, a Ambev anunciou o fim das suas marcas (Antarctica, Skol, Bhrama etc.) nos camarotes VIP. Prefere agora desconcentrar a verba publicitária, dividindo-a pelo maior número de cidades e blocos de carnaval de rua.

 O leitor deve ter matado a charada: o que há em comum é que essas três histórias narram três derrotas sequenciais da Rede Globo. Três derrotas que abrem perigosas fissuras no monopólio global de comunicações.

A mais importantes fissuras são a (a) e (c) pois têm a ver com o crescimento das tecnologias de convergência e redes sociais, cujo monopólio da Globo vem, a todo custo, tentando frear ou desmerecer principalmente pelas pautas negativas - para a emissora, Internet é sinônimo de crimes, vício, piratas e pedófilos.


 Assim como fez nos anos 1990 com a ameaça dos canais por assinatura: monopolizou o mercado da TV fechada (ao custo do endividamento em dólares que quase a destruiu, não fosse o financiamento do BNDES dos tempos de FHC) e evitou a sua expansão, tornando o serviço caro e ineficiente. Literalmente, sentou em cima do futuro daquela mídia – aliás, muitos telespectadores passaram a assinar a TV fechada apenas para melhorar o sinal do canal aberto da Globo.

 Abordaremos essas questões mais abaixo. Vamos começar pela história (b).

Fissura 1 – derrota no impeachment corintiano


Desde que as articulações políticas de Lula levaram à construção da Arena Corinthians, a Globo vive com o clube uma relação conflituosa: seus jogos são a principal audiência na grande São Paulo, maior praça comercial do País. Conta com a segunda maior torcida do futebol brasileiro, o Corinthians torna o futebol, ao lado das telenovelas, um dos principais produtos da emissora.

Por outro lado, dentro da atual tabelinha com a Operação Lava Jato e a liderança da Globo no movimento do impeachment, as relações de Lula com a chamada “nação corintiana” tornam-se problemáticas, principalmente com a proximidade das eleições de 2018 e a necessidade de torna-lo inelegível.

Desde o ano passado, uma pauta negativa em relação ao clube foi posta em prática: queda de parede, vídeos de vazamentos, queda de placas, supostos perigos aos torcedores ou qualquer coisa negativa envolvendo a Arena Corinthians. E mais estranho: do noticiário local a pauta foi transferida para o programa esportivo Globo Esporte.

O crescendo negativo chegou com uma das delações de Emílio Odebrecht, sempre divulgada em programas esportivos: o estádio teria sido um presente para Lula, que é torcedor do time. A construtora pertence ao consórcio que administra a Arena.

TV Globo faz previsível aproximação do impeachment no Corinthians com Operação Lava Jato.

E culmina com a tentativa de impeachment do presidente Roberto de Andrade por supostas irregularidades no contrato do estacionamento com uma empresa, com todo estardalhaço no noticiário esportivo.

A absolvição de Roberto de Andrade, após todo estardalhaço do noticiário da emissora com direito a infográficos e os indefectíveis testemunhos com áudio alterado com o rosto do entrevistado à contra-luz para impedir identificação, foi a derrota para uma emissora que pretende, a todo custo, negativar todo legado de Lula no clube.

Nesses 35 anos como jornalista, professor universitário e pesquisador de mídia, esse humilde blogueiro nunca viu um noticiário esportivo dar tanto espaço à política interna de um clube. Mas, sabemos, que Lula fez parte do Conselho Deliberativo corintiano até 2016, então...

Fissura 2 – o histórico cancelamento do Atletiba


“O Grupo Globo continua respeitando os clubes e trabalhando para a melhoria do futebol brasileiro”. Essa foi a resposta tautista (autismo + tautologia – sobre o conceito clique aqui) da emissora ao cancelamento do clássico Atletiba: uma nota da emissora sem as imagens dos times reunidos do centro do gramado aplaudindo os 20 mil torcedores presentes que gritavam protestos contra a Federação de Futebol e a Rede Globo.

A torcida aplaudiu um jogo que não aconteceu, compreendendo a importância histórica daquele ato frente ao monopólio de federações e Rede Globo.


  Os times recusaram a proposta da TV Globo e RPCTV (afiliada da Globo no Paraná) com valores menores que do ano passado. E decidiram transmitir a partida pelos seus canais no Facebook e YouTube. Como represália, a federação se apegou a questões burocráticas e notificou que a transmissão pela Internet estava proibida porque os técnicos e jornalistas que trabalhariam no estádio não estavam “credenciados”.

No dia seguinte, na CBF, mais retaliações: em reunião técnica de planejamento do Brasileirão 2017, foram vetados campos com grama sintética. O que atinge diretamente a Arena da Baixada em Curitiba, local onde Atlético Paranaense manda seus jogos.

A resposta tautista


A Globo diz cinicamente que nada tem a ver com tudo isso. Porém, o que chama a atenção é a flagrante resposta tautista da emissora anunciada pela SporTV, na qual praticamente afirma aquilo que nega:
O Grupo Globo é, de longe, o maior incentivador do futebol brasileiro. Tanto dando visibilidade ao seu conteúdo em programas, telejornais e nas próprias transmissões esportivas, quanto no aspecto financeiro, adquirindo os direitos dos principais campeonatos, como o Brasileiro, os Estaduais, a Copa do Brasil, a Libertadores da América, as Eliminatórias da Copa e a Copa do Mundo de futebol – clique aqui.
É flagrante o tautismo da emissora: mas, é exatamente devido ao monopólio (que a Globo considera como “incentivo”), por ter em suas mãos os principais campeonatos, que episódios como o do cancelamento do Atletiba ameaçam se repetir no futuro. A emissora sabe que concentra o mercado publicitário brasileiro e que, por isso, a velha TV aberta, com seu ultrapassado conceito de “grade de programação” é o que sustenta toda a pesada e cara infraestrutura global.


Por isso, iniciativas com as do Atlético e Coritiba são uma séria ameaça que deve ser punida exemplarmente, assim como na Idade Média o senhor feudal empalava aldeões desobedientes e os deixavam expostos nas estradas para servir de exemplos a todos os vassalos.

Conteúdos de vídeo do YouTube concorre diretamente com a TV aberta. E o segundo maior destino de publicidade no Brasil é o Google, proprietária da plataforma que mais cresce nas mídias sociais.

Mas o curioso é que essa perigosa fissura que se abriu no monopólio global é cercado por uma série de ironias.  Para começar, a TV Globo, cujos telejornais e colunistas defendem raivosamente o empreendedorismo, competição é mérito como ética civilizatória para o País, é a primeira que reage violentamente a qualquer ameaça ao seu monopólio que teme qualquer episódio de concorrência ou evolução tecnológica.

Outra ironia é tudo isso ter acontecido em Curitiba, sede da Operação Lava Jato liderada pelo heroico juiz Sérgio Moro sob os holofotes e aplausos diários do telejornalismo da Globo. E, tão irônico que beira à perversidade, é o fato de que muitos daqueles torcedores que gritavam “Globo vai se fudê!” na Arena da Baixada saíram às ruas nas manifestações pelo impeachment e apoiando a Lava Jato. Vestindo camisetas da CBF, a mesma que agora inicia o ritual de “empalamento” do Atlético Paranaense ao vetar o gramado sintético aprovado pela Fifa.

Fissura 3 – Os blocos de rua


Ninguém mais assiste à Fórmula 1 da TV Globo, cuja categoria não possui mais piloto brasileiro competitivo. O evento esportivo foi jogado para a TV fechada (aquela que a Globo senta em cima) para que melancolicamente acabe. E as transmissões dos desfiles das escolas de samba prometem ter o mesmo triste fim.

E novamente as tecnologias de convergência estão por trás. Para o jornalista e sociólogo Bruno Fillippo, o atual crescimento exponencial do carnaval de blocos de rua reflete a era tecnológica na qual os jovens se organizam através de redes sociais para melhor aproveitar os dias de folia:
É, em primeiro lugar, uma nova geração de foliões, que não se interessam muito pelas escolas de samba. As mudanças tecnológicas da comunicação acabaram por interferir na organização do carnaval de rua. Hoje há blocos temáticos em homenagem a cantores como Michael Jackson e Beatles, que foram organizados por pessoas que não são tradicionais do samba e do universo do carnaval e que arregimentam um grande público através das redes sociais – clique aqui.
As escolas de samba se tornaram reféns da grade horária e elitização de um evento que, para os que ficaram de fora, resta ficar passivamente assistindo na TV entre um cochilo e outro nas madrugadas...

Resta, porém, a diversão de assistir à apuração dos votos dos juízes e o indefectível grito de algum representante de escola de samba protestando: "É roubo, porra!".

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