terça-feira, fevereiro 21, 2017

Comercial vende carro e ética na política detonando bomba semiótica


Bombas semióticas 2, A Missão! O Império Contra-ataca! Após as recentes pesquisas revelarem que Lula está mais vivo do que nunca, liderando com folga todos os cenários eleitorais para 2018, e que ainda seus principais adversários estão se desgastando com a evaporação do mar de rosas que, acreditava-se, seria o País pós-impeachment, o complexo jurídico-midiático reage. Depois de novos vazamentos seletivos e busca de mais espécimes assustadores do “Brasil profundo” para figurar na capa de revistas semanais, retiram mais uma vez do paiol midiático a artilharia pesada das bombas semióticas. Dessa vez, em um comercial para TV da GM Brasil no qual se posiciona sobre temas como “ética” e “política” para vender o novo Chevrolet Cruze.  Mais uma vez, a tática de engenharia de percepção – por meio de gestalt, cores e a palavras metonimicamente contaminadas, bombas semióticas criam um pano de fundo para tornar mais crível o cenário político do momento. Reforçam subliminarmente pautas, slogans e clichês disseminados liminarmente pela grande mídia. Um exemplo de como a criação publicitária torna volátil a fronteira entre consumo e cidadania.

Depois dos resultados da pesquisa CNT/DMA mostrando que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva venceria as eleições 2018 em todos os cenários, acendeu-se a luz amarela do maior partido de oposição na era lulo-dilmista: o complexo grande mídia e Judiciário.

Mesmos com todos os escândalos associados ao PT denunciados pela Operação Lava Jato, com todas as manchetes diárias sobre um grandioso triplex no Guarujá, um suntuoso sítio em Atibaia e, agora, um curso para o filho de Lula supostamente pago pela Odebrecht, mesmo assim Lula continua favorito com folga para as próximas eleições. E o que é pior: revelando o desgaste dos oponentes Temer, Aécio e Alckmin – corroídos pela crise econômica que contrariou a expectativa de um mar de rosas após o impeachment e os respingos das delações premiadas e vazamentos nos outros partidos.

E pior ainda: colou-se à imagem de Lula, além do “sebastianismo” (sobre esse conceito messiânico na política clique aqui), a nostalgia de um país que viveu tempos melhores com o crescimento da Classe C, a expansão do crédito e do consumo.

A reação do complexo jurídico-midiático foi imediata: a ministra Carmen Lúcia decide pelo sigilo das delações que estavam sob custódia de Teori Zavascki – será que ele pagou com a própria vida? (clique aqui) Aliás, por que as investigações sobre as causa do suposto acidente aéreo desapareceram da mídia? 
  
Claro, a decisão pelo sigilo é a senha para iniciar a estratégia dos vazamentos seletivos que atingirão alvos selecionados, de acordo com a conjuntura política do momento. E Lula novamente é o alvo da vez depois dos alarmantes números das pesquisas.


Espécimes de águas turvas


A segunda reação é novamente buscar no fundo das águas turvas do Brasil profundo exemplares obscuros, psicóticos e paranoicos, como fez a revista IstoÉ: a utilização de um espécime chamado Davincci Lourenço que teria levado uma mala cheia de dinheiro para Lula num período em que supostamente viveu na intimidade da cúpula da construtora Camargo Correia. Enquanto isso, Davincci fazia vídeos com gravíssimas denúncias sobre pernilongos geneticamente alterados pelo PT para criar a epidemia de Zika e desviar a atenção do povo dos problemas de corrupção da Dilma, além de posar como sniper, vestindo camiseta do FBI e com o símbolo da Polícia Federal de fundo...

Agora, do fundo do paiol da grande mídia, ressurge a grande arma detonada durante a crise política iniciada pelas grandes manifestações de rua de 2013: as bombas semióticas.

A General Motors do Brasil estreou nova campanha publicitária nesse domingo (19) se posicionando sobre os temas da “ética” e “corrupção” como estratégia de promoção de vendas dos novos Chevrolet Cruze hatch e sedan.


O comercial


Exibido nos canais Globo, Band, AXN e Sony, o comercial mostra planos gerais de ruas desertas do Centro do Rio de Janeiro que logo depois são ocupadas com manifestantes empunhando placas e faixas exigindo ética e combate à corrupção, com a indefectível presença de policiais de choque com escudos. “Somos um povo que aprendeu a exigir mudanças e que está mudando para servir de exemplo”, inicia a locução feminina em off.

“Que não aceita menos que o justo”, continua com imagens estilizadas de engravatados sendo conduzidos por agentes também estilizados da PF com locuções de telejornal ao fundo dizendo: “esquema de corrupção iniciado em 2009...”.

“Que cansou da malandragem...”, a palavra “malandragem” com tom jocoso, entrando com som de cuíca ao fundo e um gari varrendo “santinhos” de políticos no chão de uma calçada. “E que acelera na direção certa!”, conclui a parte político-ideológica do comercial para depois, metonicamente, o comercial associar mudanças políticas com a troca do seu carro pelo novo Chevrolet Cruze.

O que são bombas semióticas?


Bombas semióticas não se prestam à inculcação político-ideológica: isso já é feito diariamente pela pauta do jornalismo e colunistas da grande mídia. Sua função pertence à engenharia de percepção mais ampla e atmosférica – reforçar o noticiário dominante criando subliminarmente um pano de fundo, um horizonte de eventos ou uma paisagem de signos com gestalts, cores e sutis alusões a slogans e clichês do cenário político do momento.

Em outras palavras: reforçar através da estética e da percepção em filmes, vídeos publicitários, clipes da Internet etc. a memória do conteúdo já absorvido cognitivamente pelo noticiário – sobre a série das bombas semióticas analisadas pelo Cinegnose clique aqui e aqui.

E o comercial da GM é um caso exemplar dessa estratégia semiótica.

(a) O caminho inverso


Em primeiro lugar chama a atenção o caminho inverso tomado pela aproximação Publicidade/Política. Se em 2013 as manifestações “espontaneamente” tomaram slogans publicitários como “Vem pra rua” (comercial da Fiat para a Copa das Confederações) e “o gigante acordou” (comercial do uísque Johnnie Walker) transformando em palavras de ordem e hashtags, agora um comercial exorta os brasileiros a não mais tolerarem a corrupção diante da proximidade das eleições presidenciais 2018.

E convoca novamente os brasileiros irem para as ruas... com o novo Chevrolet.

A GM faz uma espécie de recall para os manifestantes e paneleiros, agora silenciosos diante das tentativas do governo do desinterino Temer em “estancar essa porra de sangria” das investigações da Lava Jato.

Porém, um recall tão seletivo quanto os vazamentos das delações premiadas, como sempre, mantidas em sigilo.



(b) Contaminação de cores e gestalt


Todo o comercial faz um jogo de contaminações metonímicas nas quais imagens e palavras tomadas isoladas tem um sentido. Mas próximas ou colocadas em sequência tem um significado completamente outro.

Depois da introdução mostrando manifestantes nas ruas, que termina com imagem do estádio do Maracanã lotado na Copa (alusão ao período 2013-2014 das grandes manifestações de rua), entra a locução “um esquema que começou em 2009” (recorte arbitrário da história da corrupção brasileira – tudo parece ter começado exclusivamente no período lulo-petista) para, em seguida entrar o gari que varre santinhos eleitorais na rua.

A sequência é um primor subliminar de Gestalt, cores e movimento.  Temos o som de cuíca ao se falar em “esquema de malandragem” – o estereótipo carnavalesco de “jeitinho brasileiro” associado preconceituosamente a uma suposta índole brasileira. Mas, contraditoriamente, tudo só começou em 2009...

Nos “santinhos” varridos em plano fechado vamos a previsível cor vermelha e uma estrela estilizada na mesma cor sob a sigla PCE de um partido genérico. Pode parecer paranoia desse humilde blogueiro, mas numa estratégia de engenharia de percepção, vermelho, estrela e “PC” (“Partido Comunista”) são alusões sugestivas e contaminantes em um comercial de poucos segundos e com muito movimento e deslocamento de planos de câmera.

Mais além: ao lado desse “santinho” há um de outro partido. Nele vê-se uma mulher sorridente. Não se identifica as iniciais do partido, mas um número bem destacado em amarelo: “73”. Mas a gestalt torna-se ambígua com o movimento da vassoura que varre o lixo eleitoral – em movimento a gestalt confunde-se com “13”, número do PT - veja fotos acima.


(c) Acelera!... o Chevrolet ou Doria Jr.?


Mas a alusão mais explícita vem imediatamente depois: “... e que acelera na direção certa...”. Depois do vermelho, da estrela e do 13 sendo varridos, temos uma inacreditável alusão ao slogan de João Dória Jr. (PSDB-SP) na eleição à Prefeitura de São Paulo: a exortação “Acelera São Paulo!”.

Esse slogan  foi ainda inspirado em outro usado em 2011 num projeto da Secretaria Estadual de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do governo Alckmin (PSDB-SP) – “Acelera SP”.

Obviamente o leitor deve estar pensando: “que blogueiro paranoico! (ou "petralha"?) Você não é muito diferente do espécime usado pela revista IstoÉ! O comercial pede apenas para que o consumidor acelere o novo Chevrolet Cruze...”

Esse pensamento somente incorreria numa ingenuidade semiótica. Ou, pior: em analfabetismo visual. Claro que tomado da forma literal e isolada, a exortação “Acelera!” é unicamente voltada ao consumidor. Mas quando “acelera!” vem acompanhado de toda uma digressão político-ideológico-partidária, o verbo é imediatamente contaminado e, dessa vez, voltado para o cidadão. Como toda bomba semiótica, apenas reforça subliminarmente pautas, slogans e clichês disseminados liminarmente pela grande mídia.

Por isso, quando um comercial pretende se posicionar sobre ética e política para vender um produto fica a questão: a mensagem publicitária está dirigindo-se para o consumidor ou para o cidadão? Certamente para a criação publicitária, essa questão não se coloca. Afinal, para o universo publicitário no qual acelerar um carro é a mesma coisa que acelerar um país para o futuro, consumo e cidadania são a mesma coisa. O que torna-se semioticamente perigoso e volátil: as palavras ficam perdidas em um reino metonímico no qual slogans de marcas de uísque e de carros facilmente viram slogans “apartidários” para gente supostamente politizada.


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