O que há em comum entre a crença mágica das tribos melanésias da Oceania de que conseguiriam atrair aviões para o chão ao fazer réplicas primitivas dos aparelhos
aéreos na terra e a atual relação dos consumidores com produtos e marcas? A
relação fetichista, o renascimento do antigo pensamento mítico e mágico na
moderna sociedade de consumo. Essa foi a descoberta das discussões do segundo
encontro do curso “A Linguagem das Mercadorias” dentro da pós-graduação em
Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi/SP, ministrado por esse
humilde blogueiro. Iniciado no nazismo
como estratégia de propaganda política que manipulava a força de símbolos de
origem mítica, a moderna publicidade logo aprendeu que essa tática semiótica
poderia ser aplicada também para a promoção do consumo de produtos e serviços.
O
curso “A Linguagem das Mercadorias”, dentro do segundo módulo da pós-graduação
em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi , chega à segunda
semana com interessantes descobertas. Ministrado por esse humilde blogueiro, no
primeiro encontro os alunos tiveram contato com as ideias dos três principais
nomes nas ciências sociais que chamaram a nossa atenção para o lado
“fantasmagórico” ou simbólico das mercadorias: Karl Marx, Thorstein Veblen e
Max Weber.
Para
entender a natureza linguística da mercadoria (publicitária, psíquica e
mitológica), em primeiro lugar é necessário desconstruir a sua natureza
utilitária ou econômica. E esses três autores nos forneceram as primeiras
pistas:
(a)
Marx com a noção de fetichismo da mercadoria (a economia como uma gigantesca
fantasmagoria onde entidades criadas pelo homem – dinheiro e capital – ganham
vida própria e dominam o próprio homem criando um elo religioso de idolatria);
(b)
Veblen com a sua teoria da classe ociosa e do consumo conspícuo (grande parte
da atividade econômica é tempo gasto em atividade não produtiva onde a
propriedade de bens serve para emular distinção, honra, prestígio e status);
(c)
Weber que destaca o pressuposto da criação da escassez para a valorização
artificial da mercadoria – se a escassez é o pressuposto subjetivo da
valorização da mercadoria, isso abrirá as portas para a publicidade criar a
escassez psíquica (desejo, viciosidade e compulsão) e a indústria a
obsolescência planejada.
O signo-fetiche nas mercadorias
No
segundo encontro os alunos tomaram contato com a primeira dimensão da linguagem
das mercadorias: o signo-fetiche – as outras dimensões abordadas pelo curso
serão o signo-afeto, o signo-dádiva e o signo-arquétipo.
Fizemos
uma interessante descoberta que focaliza o fenômeno do consumo das mercadorias
por uma nova perspectiva: o fetichismo, relação invertida que os homens mantêm
com os objetos (eles se humanizam enquanto o homem se coisifica), é a própria
essência do pensamento mítico e mágico. Em pleno século XX, era das modernas
tecnologias midiáticas e de divulgação publicitária, o fetichismo renasce como
relação mágica não mais com deuses, mitos ou Deus, mas com mercadorias que
parecem assumir agora poderes sobrenaturais.
E
localizamos esse revival na aurora da
moderna propaganda: no nazismo. A sua propaganda política mobilizou toda uma
mitologia hermética sintetizada pela suástica (símbolo budista tibetano) e
criou uma narrativa da raça ariana originada dos sobreviventes de Atlântida
residentes nos templos budistas no Tibet.
Melanésios podem derrubar aviões?
O pensamento mágico dos melanésios se repete na sociedade de consumo? |
De repente, a propaganda nazi descobriu o poder dos símbolos (já presente na antiga heráldica) que, na atualidade, transformou-se nas estratégias de branding ou de gerenciamento de marcas. Símbolos, marcas e logos são invertidos de poderes mágicos ou fetichistas que são transferidos para a materialidade dos produtos, revivendo o antigo pensamento mágico que trabalha com a analogia de signos: assim como os antigos melanésios que, ao verem os aviões cruzando o céu, faziam primitivas réplicas em terra para tentar atraí-los, da mesma forma portamos produtos e grifes na esperança de que atraiam poder de sedução, felicidade, masculinidade, sensualidade etc.
Assim
como na propaganda nazi onde um homem comum ao portar a braçadeira com a
suástica sentia-se, de repente, poderoso e destinado a uma missão messiânica,
da mesma forma na atualidade o fato de vestirmos uma t-shirt com o nome de uma grife estampada nos tornaria poderosos ou
predestinados à felicidade.
Por que o homem precisa de fetiches?
O
grupo de discussão refletiu sobre o porquê dessa necessidade humana por
fetiche, tema do filme brasileiro assistido na classe: 1,99: Um Supermercado Que Vende Palavras (2003) do diretor
brasileiro Marcelo Masagão. Foi lembrada a tese de Veblen, de que a propriedade
de mercadorias emularia um desejo íntimo de distinção e prestígio.
Freud: o homem teme mais não ser amado do que morrer |
Para
Veblen, devido à sua natureza, o homem não se conformaria com o aumento geral
de riqueza na comunidade que fosse suficiente para satisfazer as necessidades
de todos, pois suas necessidades individuais refletem sempre o desejo de
sobrepujar os demais, a fim de ostentar sua honorabilidade.
Passamos
então a ver o que a psicanálise freudiana tinha a nos oferecer sobre uma
possível explicação por essa necessidade humana por fetiche. Em Freud, o
fetiche assume não só uma natureza de perversão sexual, mas também um mecanismo
de defesa contra a angústia da castração – a perda do simbolismo fálico.
Essa
tese de Freud, no final, parecia se ligar a ideia de Veblen: na verdade o homem
temeria perder a posse do objeto fálico, o símbolo que o tornaria poderoso e
distintivo frente aos outros.
Pior do que a morte: não ser amado
Porém
há algo de mais profundo e existencial na angústia humana que diversas vezes Freud
deixou transparecer em seus escritos: não se trata apenas de uma questão sexual
ou de desejo de poder. A angústia viria de uma coisa que o homem mais teme,
mais que a própria morte (afinal, o homem parecer ser a única espécie que
consegue dar cabo da própria vida no suicídio): o medo de não ser amado.
No
fundo, o signo-fetiche se ligaria ao signo-álibi: a relação fetichista com os
produtos seria um álibi – busca por poder, distinção e prestígio seria a forma
equivocada de conseguir o amor de todos ao redor. Confundir a celebridade com
aquela que seria a pessoa mais amada por ser o objeto da atenção de todos, seria
o equívoco que frustraria o consumidor na ânsia de buscar o reconhecimento e o
amor de todos.
A mercadoria pode ser um objeto transicional do psiquismo |
Pelo
fato de o homem temer a solidão e o desamor, a mercadoria fetiche lembraria
claramente o chamado “objeto transicional” do psiquismo infantil como descrito
por Melanie Klein: o objeto que faria a transição entre a perda do amor da mãe
(o seio e a amamentação) e o mundo no qual a criança deve se inserir. Ursinhos de
pelúcia, “sujinhos” e brinquedos assumem momentaneamente a função de mãe dando
segurança e conforto, dando um consolo para a “perda” do amor materno.
Porém
a sociedade de consumo, ao promover os produtos como fetiche, transformariam
esses “objetos transicionais” em algo permanente, viciante e compulsivo.
O Curso
Os
encontros do curso “A Linguagem das Mercadorias” ocorrem todas as
segundas-feiras na sala 752 – Unidade 7 do campus Vila Olímpia da Universidade
Anhembi Morumbi em São Paulo – Rua Casa do Ator, 275. O curso vai até o dia 22/09.
Na
próxima segunda, dia 01/09, abordaremos o signo-afeto no consumo através da
semiótica peirciana e psicanálise.
Para
maiores informações sobre a pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Universidade Anhembi Morumbi clique
aqui.
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