quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Quando fantasmas aparecem quem você chama: The Ghost Busters ou Ghostbusters?

Poucos sabem, mas o filme “Ghostbusters” de 1984 foi inspirado em uma série de TV exibida em 1975 nos EUA e no Brasil, chamada “The Ghost Busters”. Baseado no humor “pastelão” e “trash” a série contava as aventuras e desventuras de um trio (entre eles um gorila!) que perseguia fantasmas e seres sobrenaturais com um “desmaterializador de fantasmas”.  O roteiro original do filme “Ghostbusters” escrito por Dan Aykroyd e Harold Ramis (mais fiel ao espírito da série de TV de 1975) foi recusado pela Columbia Pictures e recriado dentro de um tom bem diferente, dessa vez cínico e marcado pelos valores do “cinema recuperativo” dos anos 1980 – os valores do empreendedorismo, individualismo, fama, sucesso e ambição misturados com os fantasmas que deveriam ser exorcizados em um país que tentava se reerguer através do neoliberalismo após a recessão da década de 1970.

Se o historiador francês Marc Ferro estiver certo de que o filme pode ser considerado um verdadeiro documento primário por expressar por meio de imagens e movimento o imaginário e sensibilidades de uma determinada época, então encontraremos uma expressão cinematográfica das diferentes sensibilidades de cada década em remakes ou adaptações.

Podemos fazer um exercício dessa análise comparativa com dois filmes, o original e o remake, dentro do subgênero “caçando fantasmas”: a série original The Ghost Busters (1975) e Ghostbusters (1984).

Esse verdadeiro subgênero tem uma longa tradição no cinema norte-americano onde fantasmas ou seres sobrenaturais surgem para perturbar a ordem do mundo dos vivos para depois serem caçados por heróis especializados nos fenômenos paranormais (ou nem tanto) e despachados para o outro mundo de onde não deveriam ter saído.

Filmes da dupla de comediantes Abbott e Costello, Os Três Patetas e O Gordo e o Magro estão repletos de episódios de encontros com fantasmas que no final são caçados ou desmascarados como farsas. Longas como Ghost Catchers ou Spooky Busters com os Bowery Boys nos anos 1940 ou ainda animações que criaram o subgênero “adolescentes-que-resolvem-mistérios” como Scooby Doo (1969), Goober e os Caçadores de Fantasmas (1973), The Pussycats (1970), mostram jovens que a maior parte do tempo desmascaram fantasmas falsos e, às vezes, encontram pela frente autênticos fenômenos paranormais.

Mas o filme de 1984 Ghostbusters com Bill Murray e Dan Aykroyd é o ápice desse subgênero. Pouca gente se lembra que na verdade os autores do roteiro Aykroyd e Harold Ramis se inspiraram numa série totalmente trash dos anos 1970 chamada The Ghost Busters onde um trio maluco de caçadores (um deles era um gorila!) de fantasmas e seres sobrenaturais como vampiros e lobisomens despachava-os de volta para o Além através de um dispositivo eletrônico.

Na versão original do roteiro escrito por Aykroyd e Ramis, chamado Ghostsmashers, queriam imprimir o mesmo tom trash do original de 1975: “esmagadores de fantasmas” vestidos com trajes policiais futuristas com varinhas de bruxa e viajando através do tempo e outras dimensões e combatendo fantasmas bizarros. Do roteiro original ficou apenas o gigantesco fantasma de marshmallow Puft, que os ghostbusters enfrentam a certa altura do filme. O porquê dessa mudança de tom do humor (do trash e camp do original de 1975 ao humor cínico do remake de 1984) revela bastante a mudança de sensibilidade e da cultura de uma década para outra.

The Ghost Busters (1975): o humor da crise econômica


Apresentando pela rede CBS (e no Brasil pela TV Bandeirantes), The Ghost Busters contava as aventuras e desventuras de um trio maluco de detetives que investigavam ocorrências sobrenaturais. Cada episódio começava com Spencer e Tracy (o gorila) parando numa loja de conveniência para ouvirem uma fita gravada por “Mr. Zero” com a explicação da próxima missão. Numa paródia à série Missão Impossível, a fita (escondida em bicicletas, máquinas de escrever ou brinquedos) se autodestruia de forma catastrófica para os heróis. Então, reuniam-se e armavam-se com o seu “desmaterializador de fantasmas”.

O humor baseava-se no estilo slapstick dos antigos filmes mudos (pastelões): um humor físico baseado nas trapalhadas dos protagonistas, com muita sátira aos clichês dos filmes clássicos de horror: as investigações sempre terminavam em um velho castelo nos arredores da cidade.

Tal como Os Três Patetas ou O Gordo e o Magro, os protagonistas vivem de subempregos, ralam para viver. Os que eles possuem não é propriamente um negócio. Mais parece um carma sob as ordens do misterioso “Mr. Zero”. Suas roupas são de quinta categoria e o escritório é parcamente mobiliado com muito lixo e objetos velhos e surrados.

O humor slasptick


Na história do cinema o humor slapstick sempre esteve identificado com as classes subalternas (o primeiro grande público do cinema antes da sua industrialização hollywoodiana até se transformar num entretenimento de classes médias) e com períodos de crise como a Grande Depressão dos EUA. Seus heróis são sempre pessoas que lutam para sobreviver em trabalhos temporários e pequenos biscates sempre vivendo no limite da legalidade. Seus maiores inimigos são suas próprias trapalhadas, o azar e a polícia. A figura do vagabundo de Charlie Chaplin foi o seu maior símbolo.

Economicamente para os EUA os anos 1970 foi um período marcado pela crise política (derrota na guerra do Vietnã) e recessão econômica cujo epicentro estava tanto na Crise do Petróleo de 1973 quanto no presidente Nixon envolvido no seu próprio impeachment e numa moratória não declarada do governo ao romper com o acordo de Breton Woods e decidir pelo fim do lastro-ouro para o dólar.

Essa sensibilidade pelo precário, o improvisado, e o fascínio que produz personagens perdedores ou que habitam o submundo parece ser a marca da produção fílmica dos anos 1970, da qual The Ghost Busters partilha. Filmes desse período como Um Estranho no Ninho, Taxi Driver e Easy Rider são exemplos dessa sensibilidade de um país em crise, transposto para o gênero drama.

Outro clássico dessa década nesse subgênero foi a série da TV ABC Kolchak e os Demônios da Noite (Kolchak: The Night Stalker, 1974), série de humor negro onde um jornalista de Chicago chamado Carl Kolchak investigava casos sobrenaturais ou inexplicáveis. Era o “Arquivo X” da época, porém protagonizado não por um agente do FBI, mas por um jornalista “perdedor” e que vivia mais pelos ideais do que pela ambição profissional – jornalistas investigativos foram os grandes protagonistas no cinema desse período.

Ghostbusters (1984): os fantasmas e o empreendedorismo


Década de 1980 é a era conservadora das políticas neoliberais do presidente Ronald Reagan, de medidas de ampla desregulamentação de setores econômicos, principalmente o financeiro. Sintonizado com essa política, Hollywood começa a produzir um “cinema recuperativo” que passa a enaltecer o individualismo empreendedor, a cobiça e ambição não como intrinsecamente maus, o glamour do dinheiro, do sucesso e da riqueza representados pela figura do yuppie, o jovem que fez seu primeiro milhão de dólares antes dos 30 anos.

O tom cínico do filme Ghostbuster, principalmente encarnado na figura de Bill Murray, dá o tom a um filme que em muitos detalhes vai se inserir no conjunto do “cinema recuperativo”. Três professores universitários veem subitamente as verbas de suas pesquisas envolvendo paranormalidade serem suspensas. Eles são expulsos da universidade, tidos como charlatães – ecos do neoliberalismo no meio acadêmico que premia somente as pesquisas “produtivas”?

Mas, o empreendedorismo será a solução para eles: resolvem criar uma empresa especializada em casos de aparições sobrenaturais. Compram um edifício desativado do corpo de bombeiros (ecos do sucateamento do poder público, tão em voga nas políticas neoliberais?), uma ambulância Cadillac Miller-Meteor ano 1959, e fazem um anúncio na televisão.

A história do filme é a narrativa do sucesso dos negócios dos ghostbusters com o crescente aumento de chamadas de uma estranha onda de aparições de fantasmas em Nova York. Eles ficam famosos e gostam disso: desfilam com a ambulância estilosa em Nova York como heróis populares e de sucesso entre as crianças – detalhe autopromocional do filme que, numa estratégia de cross media comum nos blockbusters, faz a própria estória converter-se em peça promocional de outros produtos e mídias como games, brinquedos, publicações etc.

Empreendedorismo, fama, sucesso e dinheiro convivem com a caça aos fantasmas que é simbólica para a cidade: Nova York exorciza os seus fantasmas da década anterior onde a cidade quase faliu em meio à recessão econômica.

Bem diferente da sensibilidade de The Ghost Busters da década de 1970 onde o humor trash e slapstick associados às paródias aos clichês dos filmes de horror e policiais fazia o contraponto crítico de uma época de contestação política à crise econômica. Ao invés de empreendedores atrás do sucesso e fama, temos heróis anônimos e esquecidos pela sociedade que, como um carma, mandam para o outro mundo os fantasmas que assombram a todos nós.

Ficha Técnica

Título: The Ghost Busters (série de TV)
Criador: Marc Richards
Elenco: Forrest Tucker, Larry Storch e Bob Burns
Produção: Filmation Associates
Distribuição: Columbia Broadcasting System (CBS)
Ano: 1975
País: EUA




Ficha Técnica

Título: Ghostbusters
Direção: Ivan Reitman
Roteiro: Dan Aykroyd, Haold Ramis
Elenco: Bill Murray, Dan Aykroyd, Sigourney Weaver, Harold Ramis, Rick Moranis
Produção: Black Rino Productions, Columbia Pictures Corporation
Distribuição: Columbia Pictures
Ano: 1984
País: EUA

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