sábado, outubro 05, 2013

Em Observação: "O Segundo Rosto" (Seconds, 1966)


O ano é 1966, o olho do furacão de uma série de transformações comportamentais, culturais e políticas que estavam ocorrendo no mundo em meio à Guerra Fria e a corrida espacial. O rebelde diretor John Frankenheimer faz o filme “O Segundo Rosto” (Seconds) que será o precursor no cinema de narrativas sobre protagonistas (em geral na meia-idade) que despertam do sonho americano e descobrem a mediocridade da vida e dos valores – “Beleza Americana” (1999) e “Vidas Em Jogo” (1997) são alguns exemplos posteriores. Mais do que um filme sobre a identidade (ou a perda dela), o filme toca em um tema potencialmente gnóstico: se a vida social está baseada no artificialismo de papéis e expectativas dos outros (ou do Outro), quem afinal somos nós? A reposta poderá estar em uma perigosa jornada interior que pode se transformar em pesadelo.

O Segundo Rosto (Seconds, 1966)

Diretor: John Frankenheimer

Plot: Arthur Hamilton é um rico banqueiro. Ele estudou na Universidade certa, associou-se às fraternidades certas, casou-se com a mulher certa. No entanto, quando chega na meia-idade sente que algo está faltando. Se sente frustrado e vazio. Um misterioso telefonema de um antigo colega dos tempos de faculdade quebra a rotina. Arthur recebe um endereço e se junta a uma espécie de sociedade secreta que lhe promete uma nova identidade e uma nova vida depois de meses de tratamento com super-nutrição, exercícios físicos e a mais sofisticada cirurgia plástica para transformá-lo em outra pessoa. Em uma sessão de hipnose Arthur descobre aquilo que na verdade ele sempre quis ser: um artista. Mas há um problema: ele deverá simular a sua morte e jamais retornará a sua antiga existência. Poderá nessa segunda chance descobrir quem ele realmente é? Consertar erros do passado? Ou tudo é um grande golpe para roubar sua fortuna?

Por que está “Em Observação”?: “O Segundo Rosto” é um sombrio antecessor de filmes sobre protagonistas da classe média norte-americana que despertam para a mediocridade dos valores e sonhos da sociedade de consumo como “Middle Age Crazy” (1980), “Beleza Americana” (1999) ou mesmo “Vidas em Jogo” (1997) onde o protagonista cai vítima de um roler play game bancado por uma misteriosa empresa de entretenimentos cujo objetivo é despertá-lo para a mediocridade da sua vida. O ano de “Segundo Rosto” é 1966. Esse filme até hoje é perturbador e chocante que mostra um Rock Hudson bem diferente dos galãs de boa estampa e canastrão que sempre representou. O filme estava sintonizado com uma época que estava no olho do furação de uma série de transformações culturais, comportamentais e políticas – o auge da Guerra Fria e da corrida espacial. É curioso ver Rock Hudson interpretando um personagem bêbado, perdido, atônito e fraco se desmontando.

O filme tem potenciais temas gnósticos como a identidade (ou a perda da identidade), conspirações de uma sociedade secreta demiúrgica e a apresentação da própria vida social como um constructu, onde as relações e a própria realidade é uma elaboração artificial com algum propósito sinistro.

Mas “O Segundo Rosto” parece explorar um tema ainda mais profundamente gnóstico: se a sociedade e as relações humanas são um mero constructu a partir de papéis e artifícios, quem somos nós? O que queremos da vida? Somos felizes ou apenas fazemos aquilo que os outros esperam de nós? Quando saberemos que somos felizes? O que significa ser verdadeiramente livre? Se encontrarmos a liberdade, será que estaremos realmente tão liberados quanto pensamos ou apenas nos foi permitido trocar um conjunto de restrições por outro?

As respostas a esses questionamentos somente encontraríamos dentro de nós, em uma jornada interior que, muitas vezes, pode se transformar em pesadelo. Esse parece o ponto central do filme “O Segundo Rosto”.

O que esperar?:  John Frankenheimer era considerado nessa época uma grande revelação ao lado de outros diretores como Arthur Penn e John Cassavetes. O cinema norte-americano passava por um terremoto, assim como o cinema europeu era subvertido por jovens cineastas como Goddard, Truffault ou ainda com o pós-neo-realismo de Fellini e Visconti. A crítica falava de Frankenheimer como um diretor rebelde de um filme anticapitalista onde a narrativa assume uma atmosfera de fábula com muitas imagens simbólicas com a lógica onírica dos sonhos e pesadelos. Os fotogramas de divulgação do filme (e o próprio pôster promocional) com planos deformados em lente grande angular lembram alguma coisa entre “Alice no País das Maravilhas” e “Psicose”.

Segundo o crítico Scott Tobias, “O filme ‘O Segundo Rosto’ deforma e distende as janelas da percepção até o espectador se sentir imerso e encharcado de suor em um pesadelo”.

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