quinta-feira, outubro 04, 2012
Em busca do Cinema Acontecimento
quinta-feira, outubro 04, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma época em que o cinema não era apenas entretenimento, mas um acontecimento capaz de transformar vidas. Do início do cinema lembramos principalmente dos Irmãos Lumière e de Meliés. Mas poucos pesquisadores dão espaço para relatos sobre uma produção cinematográfica norte-americana do começo do século XX que tematizava os conflitos capital-trabalho, o sindicalismo e a dura vida de imigrantes e trabalhadores em fábricas e minas. O maravilhamento do primeiro público do cinema formado pelos estratos inferiores da sociedade ao se ver representado na tela transformava as primeiras salas de cinema em eletrizantes acontecimentos de participação e interatividade. Logo esses verdadeiros filmes-acontecimentos foram reprimidos e enquadrados por Hollywood e, a partir de 1924, considerados "anti-americanos" (comunistas) pelo Bureau of Investigation de Edgar Hoover. Desses primeiros tempos ficou o desejo da ruptura da ordem e da rotina que nos acompanha a cada ida ao cinema, o anseio pelo Acontecimento.
Para a maioria
dos espectadores, ir ao cinema não é uma atividade que esteja associada ao
perigo e comportamentos transgressivos. Tido como um local onde fantasias podem
ser vividas e tudo pode acontecer em um universo ficional, está mais comumente
associado ao entretenimento ou, no mínimo, a uma fuga dos problemas ou do
esquecimento momentâneo dos aborrecimentos do dia-a-dia.
Mas nem sempre
foi assim ou, talvez, nunca tenha sido. De um lado há uma história descrita por
pesquisadores que localiza no chamado primeiro cinema um tipo de experiência
estética que não se resumia unicamente a uma forma de entretenimento: pelo
contrário, era uma forma de experiência que poderia transformar vidas; de
outro, pesquisas críticas que descrevem o cinema e a própria experiência
estética como uma arena de tumulto e contenção, quebras e retornos à ordem,
crítica e reação. Para esses pesquisadores, desde o primeiro cinema e a
posterior industrialização, enquadramento e controle, o cinema traria ainda
dentro de si a potencialidade em transcender a si mesmo, mudar vidas de
espectadores, transformar a experiência estética em um acontecimento.
domingo, setembro 30, 2012
O olhar surrealista sobre o consumismo em "Little Otik"
domingo, setembro 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Se nos contos de fadas
tradicionais ogros, lobos e bruxas ameaçam devorar crianças, em “Otesánek”
(Little Otik, 2000) do animador e diretor checo Jan Svankmajer vemos o inverso:
uma criança ameaça devorar seus próprios pais. Ligado ao movimento surrealista
desde a década de 1970, Svankmajer oferece um olhar carregado de humor negro
sobre uma cultura de consumo baseado na regressão infantil à compulsão e voracidade
oral onde objetos assumem dimensões fetichistas e mágicas ganhando vida
própria, e nos prometendo a redenção das frustrações. O olhar surrealista de
Svankmajer questiona: estaria nessa verdadeira cultura da devoração do outro a origem das guerras,
desigualdades e terrorismo do mundo contemporâneo?
Membro do movimento de artistas surrealistas checos desde os
anos 1970, Jan Svankmajer possui em seu currículo uma série de curtas e filmes longa
metragem onde animações em stop motion, fantoches e animações 2D interagem com
atores. Como cineasta, tenta livrar seu trabalho de tendências decorativas,
maneiristas ou “artísticas” (palavra que Svankmajer rejeita em favor da “criação”)
para buscar em suas narrativas realidades disfarçadas por trás do utilitário e
do convencional.
Dessa maneira, Svankmajer neste filme “Otesánek” (Little Otik, 2000) transforma o prosaico ato de comer associado a um conto de fadas checo
e referências explícitas a Luis Buñuel (como na sequência onde um homem pega
bebês e os envolve em jornais para serem vendidos com peixes para a ceia de
Natal) como metáforas do inconsciente por trás da cultura do consumo.
“Little Otik” é baseado em um antigo conto de fadas tcheco
sobre um casal que descobre que não pode ter filhos, mas adquire um bebê de
forma incomum: o Sr. Horák, um pacato burocrata que trabalha em uma repartição,
ao cavar a terra no fundo do jardim para arrancar uma árvore, encontra uma raiz
com forma curiosa que lembra vagamente uma criança. Horák esculpe a raiz dando
formas definitivas e apresenta à esposa que, de imediato, adota como um bebê
imaginário: secretamente lhe dá banho e o “alimenta”.
quarta-feira, setembro 26, 2012
Espiritismo e iconolatria no filme "Chico Xavier"
quarta-feira, setembro 26, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais do que um filme que evita tratar o tema Espiritismo para um nicho de público especializado, "Chico Xavier" de Daniel Filho apresenta um sintoma do destino da religisiosidade e do sagrado na atualidade. Ao tratar o tema de forma comercial para um grande público (sejam ateus, católicos ou mesmo espíritas) acaba reduzindo o Espiritismo ao mínimo denominador comum de toda religiosidade na indústria do entretenimento: iconolatria e um, por assim dizer, ecumenismo pós-moderno que filtra a vida de Chico Xavier através do ideário pragmático da autoajuda.
Depois da comédia de costumes, os olhos do cinema de massa do chamado período de “retomada” do cinema brasileiro volta-se para o Espiritismo e religiosidade. Depois do sucesso de “Bezerra de Menezes – Diário de um Espírito” de Glauber Filho e José Pimentel, o diretor Daniel Filho (no esteio de sucessos de bilheterias à época como “Se Eu Fosse Você”) explorou esse novo filão temático do cinema brasileiro.
A primeira coisa que chama a atenção no filme “Chico Xavier” é o apuro técnico com muitos travellings e movimentos de grua com câmera, a decupagem “clipada” e inquieta, a narrativa marcada por sucessivos flash backs (o eixo da narrativa – o “tempo presente” – é a noite da histórica participação do protagonista no Programa “Pinga Fogo” da TV Tupi em 1971 que, programado para uma hora, acabou se estendendo para três).
domingo, setembro 23, 2012
Desconstruindo o yuppie em "Depois de Horas"
domingo, setembro 23, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Depois da experiência
da direção do filme “O Rei da Comédia” com um amargo Jerry Lewis e um
esquizofrênico Robert De Niro, Martin Scorsese mergulhou de cabeça na paranoia
e ansiedade em “Depois de Horas” (After Hours, 1985). O filme tornou-se o
paradigma de um curioso subgênero da década de 1980, o “Desconstruindo o Yuppie”
onde um protagonista certinho e bem sucedido é vítima de uma sequência de
eventos em cadeia exponencialmente perigosos. Forma e conteúdo do filme
coincidem com a própria experiência estética do espectador que caracteriza o
cinema: o “deixar se perder” no fluxo da edição e montagem. Porém, “Depois de
Horas” não consegue transformar-se em “cinema acontecimento”, limitando-se a um
terapêutico “cinema recuperativo” que nos prepara a voltar para a realidade
quando são acesas as luzes do cinema.
A vivência da experiência estética de produtos ficcionais do
cinema ou da TV é totalmente distinta do assistir um telejornal, da leitura da
imprensa escrita ou do radiojornalismo. O jornalismo estaria no campo do
profano, dos discursos racionais, enquanto os produtos ficcionais estariam no
campo do sagrado (festas e envolvimento coletivo e emocional) onde os
participantes consentem em se “perder”.
Desde o primeiro cinema o perigo, a ansiedade, a paranoia, a
vertigem e a perseguição se constituíram na essência de uma mídia onde a
sensação de desorientação e quebra da ordem passou a ser o elemento definidor
da experiência estética – não é à toa que o primeiro gênero de sucesso popular
no cinema foi o filme de perseguição com o “The Great Train Robbery” de 1903.
Talvez um dos filmes que melhor exemplifique essa natureza
da experiência do cinema seja “Depois de Horas” de Martin Scorsese. Nele
acompanhamos um protagonista em uma situação tal e qual Alice de Lewis Carroll:
ele irá escorregar por um buraco urbano que o fará encontrar um submundo onde “após
a meia-noite as leis mudam”, como afirma um dos alucinados personagens que ele
encontrará em sua jornada.
segunda-feira, setembro 17, 2012
Hollywood e a engenharia dos sonhos dos ratos do MIT
segunda-feira, setembro 17, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Coincidência? A vida
imita a arte? Ou simplesmente o cinema hollywoodiano é um instrumento para
tornar a agenda tecno-científica atual politicamente aceitável e natural para a
sociedade? Uma dupla de pesquisadores do Departamento de neurociências do MIT
anunciou em artigo publicado na “Nature Neuroscience” online o sucesso na
manipulação do conteúdo de sonhos em ratos. Isso abriria a perspectiva de uma “engenharia
dos sonhos”: o controle amplo das memórias através de bloqueios, seleção ou
alteração. Isso faz lembrar uma série de filmes cujos roteiristas anteciparam
ou simplesmente replicaram essa agenda de início do século: “Quero Ser John
Malkovich”, “Vanilla Sky”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, “Ciência
dos Sonhos”, entre outros.
Foi publicado neste mês um artigo de Matthew Wilson e Daniel
Bendor na edição on line da “Nature
Neuroscience” intitulado “Biasing the Content of Hippocampal Reply During Sleep”
(leia aqui o artigo). Os autores são, respectivamente, professor do Departamento
de Neurociências e pesquisador do Instituto de Aprendizagem e Memória do MIT
(Massachusetts Institute of Technology – EUA). No artigo descrevem o sucesso na
manipulação dos conteúdos de sonhos de um rato. Segundo eles, a descoberta
reforçaria a nossa compreensão de como a memória se consolida durante o sono,
produzindo a perspectiva da criação de uma espécie de “engenharia do sonho”.
O cientista explorou a forma como o hipocampo do cérebro
codifica os eventos na memória. A equipe de Wilson e Bendor treinou um grupo de
ratos a percorrer um labirinto usando duas diferentes orientações sonoras, ao
mesmo tempo em que eram gravadas as atividades neurais. Mais tarde, quando os
ratos estavam dormindo, os pesquisadores registraram a mesma atividade neural
(os ratos sonhavam com as atividades no labirinto do dia anterior). Os mesmos
sinais sonoros de orientação foram tocados, quando os pesquisadores perceberam
algo interessante: os ratos sonhavam com a mesma seção do labirinto correspondente
ao sinal que era tocado.
Olhando para o futuro, os pesquisadores acreditam que este
exemplo simples de “engenharia sonho” poderia abrir a possibilidade de um
controle mais amplo do processamento da memória durante o sono - e até mesmo a
noção de que as memórias podem ser selecionadas ou reforçadas, bloqueadas ou
alteradas. Wilson e Bendor também apontaram para a possibilidade de se desenvolver
novas abordagens à aprendizagem e à terapia comportamental através de tipos
semelhantes de manipulação cognitiva.
domingo, setembro 16, 2012
O corpo é uma prisão em "Quero Ser John Malkovich"
domingo, setembro 16, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Muitos consideram o filme “bizarro”, “esquisito” e “sem sentido”.
Antes das viagens ao interior da mente em filmes como “Brilho Eterno de Uma
Mente Sem Lembranças” (2004) e “Sinedoque: Nova York” (2008), o roteirista Charlie Kaufman nos
oferece a estranha narrativa do filme “Quero Ser John Malkovich” (Being John
Malkovich, 1999). Em parceria com o diretor Spike Jonze, Kaufmann
conta uma parábola contemporânea sobre identidade, mediações, avatares e reencarnação
através de pessoas que querem encontrar a felicidade no corpo de outras pessoas. Como? Escorregando para o interior da cabeça de um famoso ator: John Malkovich.
Você já se sentiu
preso em seu próprio corpo, desejando ardentemente ir para outro lugar e ter um
novo nome, novo emprego e até mesmo uma nova personalidade? Você já teve
fantasias escapistas de ganhar na Mega Sena para fugir de uma rotina cinzenta,
ficar milionário e ter o amor e as coisas com que sempre sonhou?
Até onde você
estaria disposto a ir para ganhar dinheiro, ou seja, achar que seria uma boa
ideia invadir a privacidade de uma pessoa através de um telescópio instalado em seu escritório e cobrar taxas de pessoas que querem secretamente espionar
a vida de alguém famoso? Você sempre quis ser famoso não apenas por 15 minutos,
mas se tornar um tipo que usasse óculos de sol apenas para dar um passeio em
torno do quarteirão e não ser reconhecido e incomodado por pedidos de autógrafos?
Finalmente,
você já foi incomodado por pessoas que lhe fazem perguntas como estas?
Pois se você
respondeu “Sim” a algumas dessas perguntas ou se mesmo acha tais perguntas totalmente sem sentido está preparado para assistir a um filme estranho, bizarro e
nonsense chamado “Quero Ser John Malkovich”.
Um titereiro
fracassado chamado Craig (John Cusack) vive com sua esposa Lott (Cameron Diaz,
irreconhecível) e com um chipanzé vitimizado por um “trauma infantil”.
Desempregado, autoindulgente (se vê como um “artista torturado”) Craig consegue
um misterioso novo emprego que unicamente exige do candidato “dedos ágeis”. Lá
encontra uma porta escondida por trás de um arquivo que conduz a um escuro é
úmido túnel que o faz escorregar para dentro da mente do famoso ator John
Makovich, onde pode permanecer por 15 minutos vendo e experimentando sensações
por meio da mente hospedeira.
Passado o tempo limite, Craig é cuspido para uma
estrada na periferia da cidade. Impressionado com a descoberta, resolve montar
um negócio vendendo passagens para outras pessoas infelizes com suas próprias
vidas que desejem ser por, alguns instantes, outra pessoa.
sábado, setembro 08, 2012
Nos abismos metalinguísticos da TV Globo
sábado, setembro 08, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No ônibus-estúdio do
programa “Globo Esporte” da TV Globo o jornalista Tiago Leifert comanda uma
espécie de “narrativa em abismo” em pleno CT do São Paulo F.C.: um programa
televisivo em um estúdio itinerante mostra através do monitor que compõe o cenário um evento (coletiva do técnico da
seleção brasileira de futebol Mano Menezes) programado para coincidir com o
próprio programa esportivo global. Qual é afinal a notícia: a novidade do
ônibus-estúdio estacionado no meio de um centro de treinamento ou a coletiva
que, no final, era um “evento-encenação” programado para acontecer dentro da
grade horária da emissora? Nesse abismo metalinguístico encontramos tanto o
resultado da evolução histórica das mídias quanto a constituição do próprio monopólio midiático
e político da TV Globo.
Vemos imagens de uma tomada aérea do Centro de Treinamento
do São Paulo FC e percebemos, em destaque, no centro do campo visual, o teto do
ônibus-estúdio do programa “Globo Esporte” da TV Globo. Corta para dentro deste
estúdio onde vemos o apresentador Tiago Leifert fazendo as tradicionais
introduções ao noticiário esportivo da seleção brasileira. Em segundo plano uma
tela onde vemos a imagem do repórter Mauro Naves, pronto para iniciar a cobertura
de uma coletiva à imprensa com o técnico da seleção brasileira Mano Menezes. “Está
iniciando nesse momento a coletiva do técnico da seleção...”, começa a falar o
repórter. Na verdade “está iniciando nesse momento” é um eufemismo para dizer “está
iniciando dentro do Globo Esporte”, isto é, a assessoria de imprensa da CBF
apenas esperava a introdução de Tiago Leifert para iniciar o evento.
A imagem do
apresentador do Globo Esporte tendo ao fundo uma tela de um evento logisticamente
programado para a grade horária da TV Globo produz uma estranha sensação
daquilo que os teóricos do cinema chamam de “narrativa em abismo”: vemos um
filme sendo produzindo e dentro dele outro filme também é produzido. Um curioso
efeito recursivo, reforçado pelo enquadramento de câmera que sugere uma “profundidade
de campo” que lembra o expressionismo alemão e o filme noir: quadros dentro de
quadros com a presença de janelas, portas e espelhos.
Porém, estamos falando de uma emissora de TV com controle
monopolístico onde tudo isso que descrevemos acima nada tem a ver com os profundos
significados que a profundidade de campo produz na narrativa cinematográfica - ligação
com outras dimensões, o medo e ilusões. Há uma espécie de saturação ou abismo
metalinguístico: os sistemas de comunicação midiáticos parecem funcionar como
se eles mesmos fossem o mundo e como se não houvesse nenhum mundo além deles.
sábado, setembro 01, 2012
A "zona cinza" do conservadorismo
sábado, setembro 01, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em debate na Faculdade
de Ciências Sociais da USP sobre “A Ascensão Conservadora em São Paulo”, a
filósofa Marilena Chauí sugeriu em sua fala uma interessante conexão entre os “aparatos
neoliberais” oferecidos à classe média, o encolhimento da esfera pública e a
expansão da privada e o conservadorismo político. Talvez tenhamos aqui uma novidade: a
percepção de uma zona cinza ou desconhecida ainda não plenamente explorada nem
pela psicologia ou pelas ciências sociais: seriam possíveis os aspectos
sensoriais e cognitivos envolvidos nas diferentes "acoplagens" das pessoas com
esses “aparatos” (automóvel, computador, celulares, TV etc.) moldarem visões de
mundo e ideologias?
Na história da ciência a psicologia social surgiu como uma
tentativa de criar uma ponte entre as ciências sociais (sociologia,
antropologia e ciência política) e a psicologia. Na verdade, procurava dar
conta de uma urgência muito mais dramática: compreender os movimentos
ideológicos de massa do século XX (em particular o nazi-fascismo) baseados no
linchamento, racismo, homofobia e fanatismo coletivos. Entender o porquê do
surgimento de uma psicologia de massas que, muitas vezes, era diametralmente
oposta à individual: indivíduos aparentemente civilizados de repente podem
tornar-se violentos e regressivos em ambientes públicos e de interação
interpessoal.
Esforços como os estudos sobre a formação da personalidade
autoritária liderados por Theodor Adorno na década de 1950 e a criação da
chamada “Escala F” (a aplicação de um questionário para detectar traços
protofascistas na personalidade) tentavam compreender a dinâmica desse “encaixe”
entre o individual e o coletivo.
A fala da filósofa Marilena Chauí em um debate sobre “A
Ascensão Conservadora em São Paulo” na Faculdade de Ciências Sociais da USP no dia 28 (veja vídeo abaixo) sugeriu um novo enfoque nessa discussão: a conexão entre os “aparatos
neoliberais”, encolhimento da esfera pública e o conservadorismo da classe
média paulistana.
Chauí parte do fenômeno clássico objeto da psicologia
social: “a classe média paulistana é um mistério. Convidam você para ir a casa
deles, é bem recebido, fazem uma comida especial para você, te levam até a porta,
oferecem carona etc. Mas basta dirigir um carro, entrar numa fila ou num espaço
que deve ser compartilhado para se transformarem em bestas selvagens”.
quinta-feira, agosto 30, 2012
"Matrix" revisitado: por que Jean Baudrillard não gostou do filme?
quinta-feira, agosto 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“’Matrix’ é certamente
o tipo de filme sobre a matriz que a matriz teria sido capaz de produzir”,
afirmou de forma mordaz o pensador francês Jean Baudrillard em uma das raras
entrevistas sobre o filme dos irmãos Wachowski. Além dos irmãos terem se
inspirado no livro “Simulacros e Simulações” do francês para o argumento de
“Matrix”, convidaram-no para assessorar a continuação da trilogia. Baudrillard
prontamente declinou do convite passando a raramente opinar sobre a relação do
filme com seus conceitos filosóficos. Em uma das poucas entrevistas sobre o filme concedida ao "Le Nouvel Observateur" em 2003, Baudrillard criticou a ausência de ironia em "Matrix" e de ter tomado os princípios de "simulacro" e "simulação" a partir das categorias da realidade.
Certamente o filme “Matrix” tornou-se um clássico, não tanto
pelas suas virtudes cinematográficas (na verdade, um típico blockbuster com todas as convenções do
gênero), mas por ter se tornado uma síntese dos temas explorados em filmes como
“Show de Truman”, “O Décimo Terceiro Andar”, “Ed TV” etc.: as crises decorrentes
do apagamento das fronteiras entre o real e o virtual. Embora o filme faça uma
alusão ao pensador francês Baudrillard, nas poucas entrevistas concedidas sobre
“Matrix” ele demonstrou a estranheza de ver um conceito filosófico transposto
para a realidade com muitos efeitos especiais. Para ele, o filme foi equivocado
em aproximar o tema da noção do Mito da Caverna de Platão, além de conceber a
simulação da matriz a partir das categorias da realidade.
Na entrevista que transcrevemos abaixo concedida ao Le Nouvel Observateur, Baudrillard
afirma que o equívoco de Matrix foi retirar a ambiguidade do choque entre o
virtual e o real e conceber a Matriz como uma tecnologia de onde é retirado o
perigo e o negativo. Uma narrativa esquemática onde o deserto do real (sujo,
decadente e perigoso) é substituído por uma tecnologia maquiavelicamente
precisa, onde até as anomalias e revoltas já estariam previstas nas equações.
Em outras palavras, sob a aparente crítica “Matrix” representaria um sintoma do
fascínio cultural pelas tecnologias computacionais.
domingo, agosto 26, 2012
Ocultismo e política no fenômeno viral "I, Pet Goat II"
domingo, agosto 26, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Propaganda Iluminati? Denúncia à hipocrisia da política
anti-terror dos EUA? Uma metáfora da decadência espiritual do Ocidente? O curta
canadense de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral da Internet,
produzindo as interpretações mais extremas. Elegante e ao mesmo tempo bizarro,
o vídeo mergulha em uma série de simbolismos relacionados com fundamentalismo
religioso, propaganda política e ocultismo. Mas ao mesmo tempo a narrativa
contém uma estranha ambiguidade: será que o vídeo não cai na mesma armadilha
ideológica de todos os fundamentalismos que procura denunciar – o messianismo?
O curta de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral
na Internet. O curta multiplicou-se em uma série de vídeos onde se tenta
enumerar e explicar, sequência por sequência, os inúmeros simbolismos presentes
na animação do canadense Louis Lefebvre. Simbolismos políticos, místicos,
ocultistas e conspiratórios que fazem a delícia tanto dos teóricos de
conspirações quanto dos estudiosos em propaganda e política internacional.
O curioso é que as interpretações são ambíguas e extremas:
de um lado veem na animação uma denúncia à política anti-terror dos EUA e a
utilização da religião como forma de manipulação das mentes conformadas; do
outro, interpretam o vídeo como uma propaganda Iluminati e o personagem central
da narrativa (Jesus redivivo sob uma roupagem esotérica) como o próprio
Anti-Cristo que estaria por trás da construção da chamada “Nova Ordem Mundial”
(NWO, em inglês).
O curta de animação é uma produção do estúdio canadense Heliofant
(o nome sugere um trocadilho entre o termo “hierofante” – sacerdotes da alta
hierarquia dos mistérios da Grécia e Egito antigo - “Heliópolis” – cidade do antigo Egito cuja
divindade máxima era “Rá”) formada por um grupo de artistas nas áreas de dança,
música, animação digital e artes visuais. Nas palavras de Louis Lefebvre, a
proposta do estúdio é “explorar diversas tradições espirituais e filosóficas em
diferentes formas líricas” (veja “Interview with Director of I, Per Goat II Louis Lefebvre”). E a animação “I, Pet Goat II” atinge esse objetivo de forma
simultaneamente elegante e bizarra: pelo acúmulo de simbolismos e personagens
mitológicos (“O Guardião do Fogo”, “O Feiticeiro”, “A Pietá” etc.) em um
estranho universo gelado e sombrio, ficamos nos perguntando o tempo inteiro “o
que isso quer dizer?” a cada cena.
sexta-feira, agosto 24, 2012
A paranoia gnóstico-noir do filme "Ilha do Medo"
sexta-feira, agosto 24, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para
quem lida com pesquisa sobre a recorrência de temas gnósticos na produção
cinematográfica atual, ver Ilha
do Medo (Shutter Island,
2010) faz lembrar de toda uma gama de filmes (Matrix, Cidade das Sombras, Show de Truman, Amnésia, Décimo Terceiro
Andar etc.) que tematizam a paranoia e a esquizofrenia como
caminhos para o despertar da consciência frente à realidade ilusória
artificialmente criada por uma trama conspiratória.
Scorsese constrói uma pesada e tensa atmosfera típica dos filmes noir (gêneros de filme norte-americano
dos anos 1940-50 notabilizado pela fotografia em preto e branco com alto
contraste e personagens com motivações cínicas em um mundo que se desfaz em
névoas e chuva) , com toda a iconografia e simbologia do gênero (neblina, fogs,
fumaça de cigarros, chuvas e tempestades, overcoats, vidros e espelhos) sobre a
estória de dois policiais federais (Teddy – Di Caprio e Chuck – Mark Ruffalo)
que desembarcam numa ilha onde está instalado um manicômio judiciário. Estão lá
para desvendar o mistério do desaparecimento de uma prisioneira em uma ilha
cuja fuga é impossível.
O detalhe importante é que a narrativa se situa no ano
de 1952, no auge da paranoia da opinião pública norte–americana sobre a Guerra
Fria e o anti-comunismo, contexto que potencializa ainda mais a vertigem paranoica
do filme.
Como em todo filme noir onde
nada é o que aparenta ser, Teddy encarna o personagem arquetípico do Detetive:
ele tem que resolver um enigma proposto, sem saber que a solução final desse
enigma levará à própria identidade perdida ou esquecida. Esta perda cria o
estado de paranoia: em quem confiar? Como distinguir a verdade da mentira, a
ilusão da realidade? Por que os fatos se sucedem sem causalidade? Como saber se
o que ele sente é sanidade ou loucura?
terça-feira, agosto 21, 2012
Nova versão de "O Vingador do Futuro" neutraliza visões de Philip K. Dick
terça-feira, agosto 21, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A versão atual de “O
Vingador do Futuro” (Total Recall, 2012) à primeira vista parece ser mais fiel ao conto de
Philip K. Dick ao adotar uma narrativa mais séria, grave e sombria do que o
original de 1990 de Paul Verhoeven. Mero engano. Como é possível um filme hollywoodiano assumir a virulência de um escritor que denunciava conspirações cósmicas e
pregava a revolta contra sistemas autoritários de controle em nome de ideais ocultistas
e esotéricos? Por meio de sutis estratégias que neutralizam as visões radicais de K. Dick permitindo ao
espectador voltar para a sua rotina como se nada tivesse acontecido depois que
as luzes do cinema forem acesas.
Desde que o escritor norte-americano Philip K. Dick atendeu
à campainha da sua casa em março de 1974 e surgiu uma menina de entrega de uma
farmácia usando um delicado colar de onde pendia um peixe dourado, sua vida
nunca mais foi a mesma. Se desde a década de 1950 K. Dick escrevia livros e
contos sobre conspirações cósmicas, universos
paralelos, amnésia, paranoia, estados ambivalentes entre a realidade e ilusão e
revolta contra sistemas autoritários de controle, essa prosaica experiência de
atender a uma entrega confirmou tudo o que imaginava: viu um raio cor de rosa
sair do peixe (símbolo do Cristianismo primitivo) e atingi-lo na região do
terceiro olho (sobre esse episódio da gnose do escritor veja links abaixo).
A partir daí, o
tecido da realidade se esgarçou para K. Dick que passou a vislumbrá-la como um constructu a partir de memórias artificiais implantadas em
cada um de nós: descobriu em uma espécie de epifania religiosa que seu
verdadeiro eu estava em uma realidade alternativa, arquetípica, negada pela
artificialidade dessa realidade.
O conto “We Can
Remember it for You Wholesale” (“Recordações por Atacado”) publicado em 1966 é um
dessas visões de K. Dick sobre a fragilidade da noção de realidade (como
escreve no conto “um conjunto de reações bioquímicas do cérebro estimuladas por
impulsos visuais”). Após o grande sucesso de “Blade Runner – O Caçado de
Andróides” de 1982, baseado em um livro de K. Dick (Do Androids Dream of
Eletric Sheeps?), Hollywood interessou-se pelos insights assumidamente
gnósticos do escritor.
sexta-feira, agosto 17, 2012
O drama subliminar da música de sucesso
sexta-feira, agosto 17, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A música popular de
sucesso esconde um drama subliminar: a tensão entre o beat, ritmo, melodia e
harmonia. E essa tensão é resolvida pelas seguintes maneiras: imposição de uma
estrutura circular, o tempo padrão, a linguagem tatibitate e dependência oral e
a auto-referência. Se Freud estiver correto ao afirmar que toda produção
simbólica humana como a arte, religião e mitologia partilham do mesmo processo
primário da elaboração neurótica do inconsciente como o devaneio, o sonho e o
pensamento infantil, essa tensão presente na música seria aquela existente
entre inconsciente e sociedade. A diferença, é que no hit popular essa tensão é
mais ampla: a luta entre as necessidades mercadológicas da indústria do
entretenimento e a liberdade.
“Ai Se Eu Te Pego” de Michel Teló, “Vem Dançar com Tudo” de
Robson Moura e Lino Krizz (tema da novela "Avenida Brasil" da TV Globo) e “Eu
Quero Tchu Eu Quero Tcha” de João Lucas e Marcelo. Por mais que torçamos o
nariz para esses hits efêmeros, temos que admitir que esses produtos midiáticos
expõem de forma explícita os mecanismos de criação da indústria do
entretenimento. São exemplos didáticos pelo seu esquematismo, repetição e
clichê.
Ouvir essas músicas não é apenas um tipo de entretenimento,
mas em termos de conteúdo significa viver. Numa análise estrutural da harmonia
das canções populares percebe-se uma estrutura básica periódica ou cíclica
refrões e riffs que se repetem criando uma tensão que aprisiona a melodia. A
música termina sempre exatamente onde começou, o que explica, em geral, o final
da canção terminar lentamente em BG: nenhum processo é concluído porque nada
aconteceu.
Para pesquisadores alemães sobre a canção de massas como S. Schädler (“Das Zyklische und das Repetitive: Zur Struktur populärer Musik” In: Prokop,
Dieter: Medienforschung, 2011) e Carmen Lakaschus (“Die Kommunikationswirkung des
Werbefernsehens”, Bauer, 1973) , o tempo cíclico das canções corresponde à própria
natureza cíclica dos eventos da vida cotidiana: amor, objetos, sexualidade,
natureza etc.
Ao analisar o fenômeno da música de massas esses pesquisadores aproximam-se
bastante das ideias sobre emoção estética em Freud como descarga (neurótica) de
intensidades afetivas por meio de condensações e deslocamentos (em termos
linguísticos por metáforas e metonímias). Schadler faz uma interessante análise
estrutural da canção popular ao descrever uma espécie de “drama subliminar” que
ocorreria no interior de cada sucesso: afetos, emoções, aspirações e desejos em
tensão com a ordem social do tempo cíclico e repetitivo das normas e demandas sociais,
representados na música na tensão entre ritmo, riffs e refrões cíclicos que
confinam da melodia.
quarta-feira, agosto 15, 2012
Requiém para um esporte no Museu do Futebol
quarta-feira, agosto 15, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Figuras fantasmagóricas se movimentam em telas
dentro de ambientes escuros como imagens passadas de um esporte que já não mais
existe. O Museu do Futebol parece um requiém da indústria do entretenimento a
um esporte que ela mesma ajudou a transformar, destruindo tudo aquilo exposto e
celebrado pela Exposição. Um exemplo da ironia da "reversibilidade
simbólica" onde a linguagem destrói tudo aquilo que ela tenta representar:" a mais alta pressão por informação
corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real".
Visitei o Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, aqui em São Paulo.
Enquanto caminhava pelas instalações high
tech (multimídias, interativas etc.) insistentemente vinha à mente a tese
do pensador francês Jean Baudrillard de que "a mais alta pressão por informação corresponde à mais baixa pressão do acontecimento e do real": quando a mídia se erotiza, é porque o sexo deixou de existir; quando se fala muito de
informação, é porque esta também deixou de existir, e assim por diante. Todas
as coisas parecem perder a sua existência semiológica a partir do momento em
que tentamos representá-las. A fotografia e a câmera apenas representam aquilo
que já passou. O signo só pode representar a própria coisa a posteriori, depois que ela deixou de
existir. Tudo o que conseguimos é sempre a presença de uma ausência.
Por isso para Baudrillard, o signo só pode ser, desde o início, um simulacro daquilo que já não mais existe. Essa natureza secreta e perversa do signo Baudrillard referia-se à “reversibilidade simbólica” ou à própria presença do Mal na linguagem e no conhecimento. Inspirado em referenciais gnósticos cátaros e maniqueos, (em diversas entrevistas Baudrillard confirmou essa matriz gnóstica do seu pensamento – veja links abaixo) Baudrillard acreditava que a realidade, desde o início, já havia sido seduzida pela ilusão e que, por isso, todo conhecimento é fonte de erro para o espírito que acaba aprisionado na cadeia de significantes. Isto é, uma cadeia de signos que já não detém nenhuma transitividade com o real.
Por isso para Baudrillard, o signo só pode ser, desde o início, um simulacro daquilo que já não mais existe. Essa natureza secreta e perversa do signo Baudrillard referia-se à “reversibilidade simbólica” ou à própria presença do Mal na linguagem e no conhecimento. Inspirado em referenciais gnósticos cátaros e maniqueos, (em diversas entrevistas Baudrillard confirmou essa matriz gnóstica do seu pensamento – veja links abaixo) Baudrillard acreditava que a realidade, desde o início, já havia sido seduzida pela ilusão e que, por isso, todo conhecimento é fonte de erro para o espírito que acaba aprisionado na cadeia de significantes. Isto é, uma cadeia de signos que já não detém nenhuma transitividade com o real.
domingo, agosto 12, 2012
"Efeito Copycat", violência e sincromisticismo
domingo, agosto 12, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Poucos dias depois do massacre do Colorado, um
atirador invadiu um templo religioso Sikh (religião hindu que combina hinduísmo
e islã) em Oak Creek, Wisconsin (EUA), e disparou matando pelo menos sete
pessoas. Entre as vítimas, o suspeito morto pela polícia. Existe uma conexão ou
um padrão entre esses dois episódios? Para o pesquisador Loren Coleman, sim.
Seria o que ele denomina como “efeito copycat”, efeito de imitação de
criminosos a partir da repercussão que a mídia oferece a esse tipo de notícia.
Sob as camadas sociológicas e conspiratórias desses acontecimentos apontadas
pelo seu livro “The Copycat Effect - How the Media and Popular Culture Trigger the Mayhem in
Tomorrow’s Headlines”, Coleman em seu blog Twilight Language observa as
ondulações sincromísticas por trás de eventos aparentemente aleatórios.
Loren Coleman é um pesquisador com uma curiosa formação
multidisciplinar: sociologia, psicologia, além de transitar pelos campos da
parapsicologia, parapolítica e, de quebra, é um notório criptozoologista. A
partir do livro “The Copycat Effect” onde estuda os comportamentos suicidas e
homicidas a partir do contágio pelo sensacionalismo noticioso das mídias,
Coleman não se limitou ao clássico diagnóstico sobre o poder hipordérmico dos
meios de comunicação manipular e influenciar como uma estratégia de lavagem
cerebral.
Ele procura ir além dessa superfície: procura explorar conexões e
significados ocultos via sincromisticismo, onomatologia (estudos dos nomes) e
toponimia (estudo dos nomes dos lugares) em seu blog Twilight Language.
Explicando melhor, buscar padrões e coincidência
significativas que envolvam nomes, lugares, comportamentos, atitudes etc. Por
exemplo, o atentado ao um templo silkh dias depois ao atentado a um cinema em
Aurora contém uma curiosa coincidência: as igrejas estão cada vez mais parecidas
com salas de cinema e muito movimentos de mega-igrejas começaram em salas de
cinema compradas ou alugadas.
segunda-feira, agosto 06, 2012
Gnosticismo no MAD TV?
segunda-feira, agosto 06, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Criada nos anos 1950, a revista MAD sempre foi carregada de sátira e
crítica social. Chegou a ser investigada pelo FBI na era da Guerra Fria. Mas
parece que tudo ficou para trás: o vídeo-clip “Flammable” (paródia do clip “Firework”
da cantora pop Katy Perry) do programa “MAD TV” do canal infantil Cartoon
Network consegue ser mais conservador que o produto pop original. Para nossa
surpresa exploram a mitologia gnóstica libertária da centelha divina e da
condição humana prisioneira ao associá-la à situação de marionetes controladas
e manipuladas. Porém, as autoridades (bombeiros e policiais) nos alertam:
cuidado com o que vocês sonham. Vocês podem ser presos!
Férias com crianças em casa nos
reservam sempre surpresas. Principalmente ao acompanhar junto com elas os canais
infantis. Para minha surpresa deparei-me com o programa “Mad TV” no Cartoon
Network. Baseado na antiga revista MAD o programa humorístico de esquetes satiriza
filmes, atores e a cultura pop norte-americana.
Lia a revista Mad na minha
adolescência nos anos 1970 que, de tão bem sucedida no mercado brasileiro
naquela época, passou a fazer sátiras de novelas, mini-séries e filmes
brasileiros. Por isso, acompanhei com grande curiosidade para ver se ainda
mantinha o espírito irreverente e, principalmente, contestador e anárquico da
revista, sintonizada que estava com a contracultura e quadrinhos underground da
época.
Um dos esquetes era um
videoclip chamado “flammable” estrelado por marionetes, uma paródia do clip
“firework” da cantora norte-americana Katy Perry. O vídeo começa com uma marionete parodiando
Katy Perry ("Katy Puty") caminhando até uma varanda. Ela começa a cantar sobre como as
pessoas são deprimidas e sombrias porque se veem como marionetes feitas de
papel reciclado, sempre controladas e contidas. No entanto, ela exorta a todos
que libertem o calor e o brilho que existem dentro delas. No entanto isso acaba
sendo destrutivo porque as marionetes do clip de fato são feitas de papel e
cera e começam a pegar fogo e derreter. No final, Katy Perry é presa por um
policial e os demais personagens terminam queimados e derretidos.
quinta-feira, agosto 02, 2012
Zumbis invadem Havana em "Juan de los Muertos"
quinta-feira, agosto 02, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Juan de los Muertos” (2011), considerado o primeiro filme independente
cubano (co-produção Cuba e Espanha), é ao mesmo tempo curioso e irônico.
Curioso, porque a figura do zumbi, que desde o diretor George Romero é
utilizado como metáfora crítica à sociedade de consumo, agora é utilizada como
crítica à ordem socialista. E irônico, pois os zumbis que invadem Havana na
ficção, na vida real associam-se a outro clichê cultural norte-americano: a da invasão
de Cuba. O filme do diretor Alejandro Brugués parece conter um desejo secreto:
a contaminação de Cuba pela modernidade, nem que seja por zumbis: a criatura
que é a melhor metáfora para o Capital no pós-moderno.
Definitivamente a vida de Cuba
desde a Revolução de 1959 não foi fácil. Tentativas de invasão, embargo econômico liderado pelos EUA, dissidentes conspirando
em Miami e agora... zumbis invadem Havana. Pelo menos na ficção. É o filme
“Juan de Los Muertos”, de Alejandro Brugués, considerado o primeiro filme
independente cubano por não contar com o financiamento do Instituto Cubano de
Artes e Indústria Cinematográfica.
Com co-produção da espanhola La
Zanfoña Producciones, embora sem contar com dinheiro cubano o governo não
interferiu e autorizou inclusive as gravações em monumentos históricos. O filme
faz uma sátira ao regime de Fidel Castro através da invasão de zumbis que
inexplicavelmente chegam a Havana pelo mar e, ao melhor estilo hollywoodiano,
vão aos poucos instaurando o caos e lentamente destruindo a capital, com
direito a efeitos digitais dos “disaster movies” como um helicóptero
descontrolado explodindo no Capitólio.
O longa cubano foi exibido na
22° Cine Ceará desse ano e causou grande agitação. Em entrevistas, o diretor
afirmou que “Juan de los Muertos” já foi vendido para 12 países (ainda sem previsão para chegar no Brasil) e está fazendo
inesperado sucesso nos Estados Unidos. Na estreia em Havana, no Festival de
Cinema no ano passado, havia 15 mil pessoas tentando entrar no cinema. “Parecia
show de rock”, disse Alejandro.
Questionado se os zumbis seriam uma metáfora por serem tão podres
quanto o conceito de “novo homem” pregado pela revolução cubana, Alejandro
afirmou que o filme critica a “ideologia que previa construir heróis cubanos” e
que esse conceito político “perdeu completamente significado”.
Curiosa esse aplicação da metáfora dos zumbis para a realidade
política cubana. Os zumbis como metáfora surgem na história cinematográfica
como uma crítica à intolerância racial em “Noite dos Mortos Vivos” (1968) de
George Romero, contra o militarismo norte-americano em “A Volta dos Mortos
Vivos” (1985) de Dan O’Bannon ou “Madrugada dos Mortos” (2004) onde zumbis
tentam invadir um shopping na melhor aproximação entre zumbis e sociedade de
consumo – consumistas como fossem mortos-vivos. Portanto, os zumbis sempre
foram usados como metáfora crítica à sociedade capitalista. Dessa vez, a força
metafórica dos zumbis é direcionada a uma crítica à ordem socialista.
quarta-feira, agosto 01, 2012
A "materialidade" das produções midiáticas (parte 1): rupturas tecnológicas
quarta-feira, agosto 01, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine um álbum ao vivo da banda Led Zeppellin
como o “The Song Remains the Same” de 1973. O conteúdo (um show no
Madson Square Garden, Nova York) foi imortalizado por diversas mídias sucessivas
ao longo das décadas: vinil, fita cassete, VHS, CD e, finalmente, mp3. Cada uma
dessas mídias criou uma “acoplagem” diferente do usuário com os dispositivos de
reprodução: caixas de som, o mono e o stéreo, headphones, tubos catódicos,
telas LCD etc. Poderiam essas diferentes “materialidades” das mídias moldarem a qualidade da recepção estética, ideológica ou política do conteúdo transmitido? Sim, de acordo com a chamada “Teoria da
Materialidade da Comunicação” de Gumbrecht.
Certamente uma
das linhas de pesquisas atuais sobre produção midiática é a “teoria da
materialidade da comunicação” desenvolvida por pesquisadores do departamento de
Literatura Comparada da Stanford University. O principal articulador da Teoria
das Materialidades é o alemão Hans
Ulrich Gumbrecht, ao lado de um grupo de pesquisadores europeus e
norte-americanos como Jeffrey Schnapp, Niklas Luhman, Friedrich Kittler, entre
outros. O termo “materialidades” no enfoque da comunicação não significa
apresentar uma epistemologia absolutamente nova. Ao contrário, significa
encarar, de uma maneira renovada, um aspecto bastante tradicional no fenômeno
da comunicação.
Em primeiro
lugar, quando se fala em “materialidades da comunicação” significa ter mente
que todo ato de comunicação necessita de um suporte material para efetivar-se.
Falar de “materialidades” a partir deste aspecto (significantes, suportes,
meios etc.) parece tocar num aspecto tão óbvio ou já assentado no campo das
discussões teóricas que nem parece ser digna de menção. Porém, esta aparente
naturalidade parece ocultar aspectos decisivos: em que aspecto as diferentes
mídias ou suportes (ou, então, canais) de comunicação alteram o regime de
produção e troca de idéias? As mídias não podem ser consideradas apenas como
diferentes sistemas de signos através dos quais os significados são
transmitidos, de uma forma neutra e isenta de qualquer interferência. Cada
mídia e dotada de uma ambivalência fundamental: por um lado transmite conteúdos
e, ao mesmo tempo, altera o regime de produção e recepção e interfere nos
próprios processos de recepção sentido das mensagens.
terça-feira, julho 31, 2012
A materialidade das produções midiáticas (parte 2): as "acoplagens"
terça-feira, julho 31, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quais as diferentes “acoplagens” que os
receptores têm com as diferentes mídias? Ao longo da história da comunicação,
cada mídia criou um diferente regime de recepção (temporal e espacial). Oralidade,
manuscrito, escrito até chegarmos ao impresso, cada uma dessas mídias criou uma
cultura própria que altera a recepção, assimilação e compreensão de conteúdos.
Discos de vinil e CDs foram os últimos representantes da “acoplagem” inaugurada
pela cultura tipográfica que será desmaterializada pela cultura digital do mp3.
Sendo as
materialidades da comunicação “a totalidade dos fenômenos que contribuem para a
constituição do sentido sem serem, eles próprios, sentido”[1],
vamos fazer uma breve análise de como os diferentes suportes (indiciais,
icônicos e simbólicos) produzem distintas formas de interações ou “acoplagens”
entre o usuário e a mídia, alterando os regimes de produção de sentido: as
relações entre enunciado e enunciação, a natureza do discurso e a própria
experiência temporal. Isso poderá ser mais drasticamente observado na passagem
das mídias icônicas para as simbólicas, ou seja, dos processos de inscrição
analógicos para as digitais. Aqui, novamente, poderemos constatar a crise das
noções de referência, tempo e totalidade descritas por Gumbrecht.
segunda-feira, julho 30, 2012
A vida antes das redes sociais no filme "Denise Está Chamando"
segunda-feira, julho 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Por que um filme premiado em Cannes com o “Caméra D’Or” como “Denise
Está Chamando” (Denise Calls Up, 1995) foi sendo pouco a pouco esquecido nas prateleiras de
VHS das locadoras pelas novas gerações? Talvez porque a
narrativa tragicômica sobre alienação e estranhamento com o telefone tenha se
tornado incompreensível para uma geração que euforicamente abraça as redes
sociais onde a diferença entre noções como “presencial” e “simulação da presença”
desapareceram. O filme é sobre uma geração onde telefone, secretárias
eletrônicas e fax começavam a substituir as relações presenciais: sexo, morte e
nascimento são eventos experimentados pelos personagens exclusivamente através do telefone com um mix de culpa e
estranhamento. A comparação com o atual filme “A Rede Social” torna-se inevitável.
Estamos na era do e-mail, das
chamadas telefônicas em espera, das secretárias eletrônicas e fax da chamada
Geração X. É a década de 1990, uma época em que a comunicação não presencial começa
a substituir a comunicação interpessoal: jovens que vivem em seus confortáveis
isolamentos diante das telas de seus laptops imersos em trabalho, workhólics
que não precisam mais encarar face a face amigos ou inimigos.
Embora o filme conte a estória
de sete personagens, o principal personagem é mesmo o telefone. Todos são
capazes de experimentar eventos relacionados com sexo, nascimento e morte
(talvez as principais experiências de uma existência) através do telefone, sem
qualquer contato interpessoal ao longo da narrativa. Todos experimentam um
misto de culpa e alienação por nunca conseguirem ou, pelo menos, terem
disposição para travar encontros presenciais. O trabalho é sempre a desculpa.
“Denise Está
Chamando” é um filme sobre a geração pré-redes sociais onde havia um mal-estar
nas comunicações impessoais. Ao contrário da atualidade onde isso desapareceu
com os avatares, emoticons e eventos partilhados em fãs pages que criam a
ilusão de participação e comunidade.
A materialidade das Produções midiáticas (parte 3): as desreferencializações
segunda-feira, julho 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Imagine uma pessoa chegando a um restaurante. Ela pede o cardápio e começa a comer os signos dos pratos (as fotos) ao invés dos referentes (as comidas que são representadas no cardápio). Pois algo parecido ocorre nas mídias eletrônicas e digitais: passamos a tomar ícones, imagens e a própria tela como fosse o próprio real e não mais uma representação, como tínhams consciência nas mídas anteriores. O resultado é que nas novas tecnologias paradoxalmente as mídias atuias retornarão a muitas características das formas presenciais e orais de comunicação. As consequências encontraremos em diversos gêneros televisivos e digitais.
Como afirmamos na
postagem anterior (veja links abaixo), a produção imagética eletrônica e
digital, aparentemente icônica, podemos classificá-las como simbólicas. Se o signo
simbólico caracteriza-se pelo corte semiótico, ou seja, a transferência da
coisa para o signo, a autonomia e o desligamento do mundo significante,
encontramos esta característica nas mídias das novas tecnologias. A relação
contígua com objeto presente tanto na fotografia como no cinema desaparece nas
tecnologias eletrônicas e digitais. O objeto é trans-codificado ou transcrito
para a cadeia algorítmica dos significantes digitais.
Aqui não encontramos nem
a contigüidade e nem a similaridade icônica. Cores, tonalidades, luzes e
sombras são convertidas para CDs e discos rígidos em seqüências de dígitos ou
algoritmos. Temos a relação semiótica arbitrária dos símbolos com os traços
sensíveis do objeto. Abertos estes arquivos numa tela de computador, temos a simulação de uma imagem a partir de uma
matriz numérica.
Mesmo na TV temos
a simulação através do bombardeio de raios catódicos nos pixels do tubo de imagem, originados a partir do sinal hertziano
proveniente do rastreio eletrônico de uma imagem contiguamente criada na câmera
dentro do estúdio. Tanto nas mídias eletrônicas como digitais temos a recriação
ou transcrição do objeto, seja em pixels
ou em algoritmos.
Esta categoria de simulação
é central para compreendermos a natureza crítica das novas tecnologias de
comunicação.
sexta-feira, julho 27, 2012
Sobre coincidências e sincronicidades
sexta-feira, julho 27, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Da esquerda: James Holmes, o atentado ao WTC em 2001 e Mateus Meira (o "maníaco do Shopping) em 1999 |
Quanto mais nos aprofundamos no
caso do massacre do Colorado, mais informações e “coincidências” aparecem por
todos os lados obrigando a quem pesquisa fenômenos comunicacionais a ter que
admitir: as atuais referências teóricas e metodológicas não conseguem dar conta
de fenômenos extremos como esse.
Percebe-se que essas
coincidências têm acendido a imaginação política dos teóricos da conspiração e
a imaginação sociológica de muitos pesquisadores acadêmicos. Todos parecem
estar procurando a causalidade secreta, o elo perdido dos eventos: a questão da
regulamentação de armas, Iluminatis, misteriosos projetos governamentais de
controle mental, assassinatos rituais ocultistas, cultura da violência,
sociedade de consumo etc.
Das intrincadas maquinações dos
teóricos da conspiração às pesquisas científicas acadêmicas, todos têm um mesmo
denominador comum metodológico: a busca das relações causa-efeito – uma
sociedade secreta, uma disfunção social, uma patologia mental endêmica e assim
por diante.
Mas será que eventos extremos
como esse têm uma “causa”? E se os fatos forem a parte mais visível, midiática
e sensacionalista de uma fenômeno cotidiano, “atmosférico” ou sincrônico que
envolve a todos assim como o ar que respiramos?
quarta-feira, julho 25, 2012
Adendo ao post "O Coringa e o massacre do Colorado"
quarta-feira, julho 25, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Nosso leitor Felipe Cardoso enviou para nós essa incrível "coincidência".
Após James Holmes, de 24 anos, matar 12 espectadores
durante a estreia do último filme do Batman, em Aurora, no Estado do Colorado,
muitos fãs das histórias em quadrinhos notaram a tétrica semelhança entre o
massacre e um capítulo da HQ lançada em 1986 "Cavaleiro das Trevas"
("The Dark Knight Returns"), de Frank Miller.
Na publicação, o personagem Arnold Crimp, visivelmente fora de si, entra em um cinema armado e atira contra a plateia.
Na publicação, o personagem Arnold Crimp, visivelmente fora de si, entra em um cinema armado e atira contra a plateia.
Isso é mais do que um exemplo do célebre provérbio de
que “a vida imita a arte”. Apenas comprova o aforismo de que “os pensamentos
são coisas”. É difícil conceber outro lugar onde pensamentos, arquétipos,
mitos, lendas e fatos históricos podem se cristalizar, sedimentar e misturar do
que a indústria do entretenimento. Outrora era a Religião. Hoje são os produtos
midiáticos, com uma diferença: a tecnologia de irradiação, tanto física como
mental.
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