quarta-feira, agosto 24, 2022

Entrevista do Jornal Nacional revela o domínio total de espectro da guerra híbrida



O mais importante na entrevista de Bolsonaro no JN não foram os seus 40 minutos, mas o que veio depois: de ponta a ponta no espectro político, dos QGs de campanhas às forças políticas, todos acharam que venceram. Por que essa espiral interpretativa? Porque há algo de anômalo que vai muito além do dito popular “cada um puxa a brasa para sua sardinha”: o domínio total de espectro do consórcio Partido Militar/Grande Mídia que conseguiu impor o script de normalização “as-instituições-estão-funcionando”. Por isso, o que chamou a atenção na entrevista foi o que não foi questionado a Bolsonaro: crimes de responsabilidade, inconstitucionalidade dos militares fiscalizando eleições, procrastinação da PF e Judiciário diante das provas semanais que o presidente cria contra si mesmo. Essas entrevistas e debates engessados dos candidatos na TV só podem acontecer sob um horizonte de eventos simulado: o da simulação da normalidade democrática, aceita por todo o espectro político.

Depois da entrevista de Bolsonaro no Jornal Nacional desta segunda-feira, todos os lados comemoraram. O QG da campanha do chefe do Executivo festejou a performance do candidato como “equilibrada e sem violência”. 

Para a mídia progressista, “William Bonner desmascarou Bolsonaro” ao “expor suas mentiras ao vivo”... e para os petistas ficou o alívio do presidente não ter atacado Lula – o comando da campanha de Lula já tinha tudo pronto para rebater em tempo real nas redes possíveis acusações.

O Centrão avalia que a entrevista conseguiu reverter a imagem de autoritário do candidato. E na bolha bolsomínia, muitos clipes da entrevista, memes, lacrações e “jantadas”, comemorando não apenas o desempenho do presidente, mas também um “cala boca, Bonner”. Além de considerarem a entrevista como oportuna para ele.

Essa espiral de interpretações de um mesmo evento foi muito mais do que um “zero a zero”, como sugere o jornalista Rodrigo Vianna. É o flagrante de algo que se mantém inalterado no palco de ações da guerra híbrida brasileira: o domínio total de espectro.



Se todos os lados conseguem ver a vitória num evento televisivo, é porque há algo de anômalo que vai muito além do dito popular “cada um puxa a brasa para sua sardinha”.  

“Domínio total de espectro” é um conceito geopolítico e de estratégia militar no qual, através de um vasto leque de técnicas psicológicas, econômicas e propaganda, cria-se um cenário no qual todas as reações, posições e estratégias (a amplitude do espectro) estão contidas dentro de um, por assim dizer, horizonte de eventos.

E qual o horizonte de eventos capaz de criar essa espiral interpretativa onde cada lado se acha vitorioso? Um horizonte no qual domina um script de normalização: (a) as instituições estão funcionando; (b) todos os pleiteantes nessas eleições são equivalentes como se estivéssemos numa clássica democracia liberal; (c) a grande mídia está aliada ao Judiciário na defesa da Democracia e na lisura de um processo eleitoral limpo e transparente.

Como este Cinegnose vem apontando em postagens anteriores (veja links ao final), está sendo executado um script que tem protagonistas e antagonistas bem claros como uma clássica narrativa maniqueísta: de um lado as forças democráticas que querem proteger as “instituições-que-estão-funcionando”. E do outro um presidente golpista (e “genocida”, é bom não esquecer) que tenta seduzir as legalistas Forças Armadas, jogando a imagem dessa gloriosa instituição na lama. Se não conseguir o seu tento, sempre terá ao seu lado as CACs armadas até os dentes e o baixo oficialato das polícias militares para empastelar tudo.



Turbinar e apagar digitais

Um script de normalização que tem dois objetivos bem claros no palco de operações da guerra semiótica: (a) turbinar a pedagogia do medo, mantendo esquerda e oposições estrategicamente paralisadas nas ruas, militando apenas no campo parlamentar e da judicialização; (b) Apagar as digitais do golpe militar híbrido que já ocorreu – Bolsonaro é um presidente manchuriano, projeto do Partido Militar gestado desde 2014 e sincronizado com a midiatização da Lava Jato - sobre isso clique aqui.

De ponta a ponta do espectro político, todos, acham verossímil esse script de normalização performado pela guerra híbrida do Partido Militar. É o que faz a entrevista do JN ter sido, por assim dizer, tão polissêmica: assim como os espectadores suspendem a incredulidade ao aceitar os pressupostos da ficção para imergir em um filme, da mesma forma os atores políticos têm que aceitar esse “horizonte de eventos” para que o telecatch funcione.

Se não, vejamos. Para começar, como esse humilde blogueiro esperava, a entrevista foi “esportiva”: um verdadeiro jogo de vôlei com bolas habilmente levantadas pelos âncoras do JN para Bolsonaro da suar cortadas na rede.

Nos temas sobre urnas eletrônicas e pandemia ficou apenas o dito pelo não dito. William Bonner praticamente implorou a Bolsonaro para que acabasse com o “stress eleitoral” e declarasse aceitar o resultado das urnas. E o presidente deu uma resposta condicional, exigindo a Bonner que seguisse em frente para o próximo tema. 

E a mesma “vibe” manteve-se no tema “pandemia”: para William Bonner e Renata Vasconcelos, tudo o que Bolsonaro fez foram “erros” que deveriam ser confessados para os “milhões de espectadores”. Como repetiam no indefectível viés tautista e auto-indulgente da Globo. 



Nada sobre crimes de responsabilidades, nada sobre o fato de Bolsonaro ser o presidente que mais produziu provas contra si mesmo (diante da procrastinação da Políçia Federal e Judiciário), nada sobre a inconstitucionalidade de militares participarem de uma “comissão de transparência” e nada sobre a anomalia de as Forças Armadas fiscalizarem um poder civil.

O horizonte de eventos da entrevista do JN é o de que vivemos em pleno Estado de Direito e tudo está normal: estavam apenas diante de um candidato que deveria admitir seus “erros” à opinião pública. Negacionismo? Imitar pacientes morrendo com falta de ar? Ora, apenas “erros” de um capitão da reserva sem noção – nada do contexto oculta pela guerra híbrida de um projeto necropolítico deliberado por questões estruturais da reconfiguração do capitalismo – sobre isso, clique aqui.

“Match”

No tema Economia deu “match” entre Bolsonaro e os âncoras sob o controle do ponto eletrônico de Ali Kamel – o que deveria ser o tema mais importante (o calcanhar de Aquiles de Bolsonaro) virou um bate-bola: as promessas de Bolsonaro não conseguiram realizar-se, porque veio a pandemia... o malvado Putin inventou uma guerra no Leste Europeu... inflação e crise energética atingiram o mundo inteiro, e assim por diante. Aqui e ali, apenas “erros” apontados pelos âncoras: afinal, têm que simular alguma imparcialidade.

Bolsonaro estava tão à vontade na entrevista que ainda teve tempo de fazer uma ironia autorreferencial (ou talvez, uma deixa para o JN com Lula): confrontado pela pergunta sobre os casos de corrupção no MEC envolvendo o ex-ministro Milton Ribeiro, Bolsonaro fez troça: “Cadê os dutos do dinheiro vazando?”, minimizando o caso e fazendo alusão a ausência do famoso recurso gráfico em croma key do JN com um oleoduto enferrujado vertendo dinheiro atrás de William Bonner no auge midiático da Lava Jato.



Por que a Globo deixou de usar os mesmos recursos gráficos sensacionalistas nas notícias de corrupção do governo Bolsonaro? Talvez para tirar o peso das denúncias para manter o “petrolão” como o “maior esquema de corrupção da História”?

Ao final, todos os lados do espectro político também compartilharam mais um elemento que estrutura esse horizonte de eventos: a contabilização das fake news. Enquanto a mídia fechava a totalização de que Bolsonaro mentia a cada três minutos, Bolsonaro acusava Bonner de fazer fake news sobre os xingamentos do presidente contra ministros do STF.

Todo o hype em torno do conceito de fake news (agências de checagem, livros e simpósios acadêmicos sobre o conceito) é uma evidente psyOp da guerra semiótica com dois objetivos:

(a) criar a imagem de uma grande mídia profissional e responsável, porque detentora dos quesitos de checagem da qualidade das informações. Apagando, ela própria, as digitais da sua decisiva participação na guerra híbrida brasileira, através de manipulações que foram muito além das fake news – os recursos gráficos do JN ironizados por Bolsonaro é um singelo exemplo.

(b) como um jogo de prestidigitação, desvia a atenção de todos do horizonte de eventos: o script de normalização. Enquanto todos estão preocupados em contabilizar se os candidatos estão ou não falando a “verdade” (no sentido empírico mais grosseiro do conceito de informação), deixam de perceber que o principal da entrevista foi aquilo que não foi dito: Bolsonaro é uma anomalia em torno do qual deveriam ser levantadas barreiras sanitárias, e jamais encará-lo como apenas mais um candidato numa democracia liberal.

Essa série de entrevistas do JN (assim, como de resto, todos os debates “engessados” dos candidatos na TV) servem como exercício de simulação de que “as instituições estão funcionando” e de que estamos em pleno Estado de Direito. Defendido por uma Carta em Defesa da Democracia e um ministro que fez um discurso “duro” na solenidade de posse na presidência do TSE.

 

 

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