domingo, janeiro 10, 2016

Chegamos ao futuro: nasceu Roy, o replicante de "Blade Runner"


“É com muita satisfação que comunico que o replicante Roy Batty, modelo Nexus 6 – MAA10816, entrou em funcionamento nessa sexta-feira, 8 de janeiro de 2016. Parabéns ao envolvidos!”. Esse é o texto que acompanhou um meme que circulou nas redes sociais lembrando que mais uma vez chegamos ao futuro – em 21/10 do ano passado estivemos também no futuro com “De Volta Para O Futuro 2”. Roy, o icônico replicante do filme "Blade Runner - O Caçador de Androides" (1982) de Ridley Scott, já nasceu e daqui a quatro anos terá uma violenta crise existencial ao descobrir que tem tão pouco tempo de vida. O que significa para nós essa estranha sensação de chegarmos ao futuro através de filmes como “2001”, “1984”, De Volta Para O Futuro” e “Blade Runner”? É o que o “Cinegnose” pretende descobrir.

Quando chegou o ano de 1984, foi irresistível não fazer comparações com o clássico livro de Orwell 1984:  o futuro mundo distópico projetado pelo escritor inglês em 1949 teria sido enfim realizado? O Estado Big Brother imaginado por Orwell aconteceu? Ele é comunista ou capitalista? A “novilíngua” já está presente nas mídias de massas?


Em 2001, o mesmo frisson comparativo com o clássico filme de Kubrick 2001: Uma Odisseia no Espaço – até hoje, vê-se no filme previsões como Skype, tablets, computadores falando diversas línguas e invadindo a privacidade de usuários.

No ano passado, uma nova febre varreu mídia e redes sociais em torno do 21 de outubro de 2015: há 26 anos os personagens Marty McFly e o Dr. Emmet Brown da saga De Volta Para o Futuro estacionaram o DeLorean em uma Hill Valley no futuro daquela época no século XXI.


E nessa última sexta-feira a mesma sensação de que chegamos ao futuro. No filme Blade Runner, O Caçador de Androides (1982) de Ridley Scott vemos a ficha do replicante Roy (Hutger Hauer)  com a data de “nascimento”: Roy Batty, modelo Nexus 6 – Início: 08 de janeiro de 2016.

Segundo o filme, daqui a quatro anos Roy entrará em um conflito existencial por não aceitar que o seu fabricante destinou-lhe apenas quatro anos de vida, fugirá de uma colônia espacial em direção da Terra à procura do criador e Rick Deckard (Harrison Ford) terá que caçá-lo.

Um futuro próximo


O primeiro aspecto que chama a atenção é a relativa proximidade dos eventos imaginados nos filmes: entre 26 e 35 anos no futuro. Certamente se basearam na crença de um crescimento linear em progressão aritmética da tecnologia e das instituições, seja nos aspectos positivos (utopias) ou negativos (distopias).

1984 imaginou a expansão totalitária e explícita do Estado e dos aparatos repressivo – polícia e vigilância.

Arthur Clarke (autor do livro) e Kubrick imaginaram 2001 a partir de uma expansão linear e sem interrupções do projeto espacial norte-americano ao ponto que a tecnologia nos levaria ao encontro dos nossos próprios criadores. Além de existirem computadores que alcançariam o nível da inteligência artificial como o HALL 9000.


Blade Runner em 1982 projetou para esse ano catástrofes ecológicas - uma chuva ácida constante cai sobre Los Angeles e só uma elite consegue abandonar o planeta em direção das colônias espaciais. Além de autômatos alcançarem a tal nível a inteligência artificial que seriam capazes de fazer reflexões metafísicas sobre vida e morte.

E De Volta Para O Futuro 2 imaginou um 2015 com carros voando, a progressão linear das franquias no cinema (Tubarão 19 estrearia nos cinemas no ano passado), skates flutuando e tênis auto-ajustáveis.

Utopia, Distopia, Hipo-utopia


Então essas obras fracassaram nas suas previsões? Não totalmente. Esse é o segundo aspecto dessas chegada prematura ao futuro: 1984, 2001, Blade Runner e De Volta Para O Futuro realizaram sim suas projeções, mas de uma forma irônica. Nem pela utopia e nem pela distopia. Acertaram pela via da hipo-utopia.

Na hipo-utopia o futuro tal qual previsto nas utopias científicas e tecnológicas modernistas não se realizou nem nos aspectos utópicos ou distópicos. Paradoxalmente, são filmes de ficção científica sem futuro (“hipo” no sentido de “insuficiência” + “topia” do grego “topus”, “lugar”): refletem mais as mazelas do presente. Na verdade, o futuro não existe, é apenas uma extensão paródica ou metafórica do presente.


Em tempos de Edward Snowden e as denúncias de invasão de privacidade na Internet e dispositivos móveis, drones e a promessa da nanotecnologia também ser mais um instrumento de espionagem, ironicamente as profecias de 1984 se realizaram. Porém, de uma forma sutil, invisível e sem as tonalidades épicas e dramáticas tanto do livro quanto do filme.

De Volta Para O Futuro 2 não acertou quanto aos carros voadores e skates flutuantes, mas ironicamente viu em 2015 a realização plena das estratégias da indústria do entretenimento iniciadas nos anos 1980: franquias e blockbusters cinematográficos e a customização do consumo simbolizado pelos tênis auto-ajustáveis.

E 2001 de Kubrick realizou menos a previsão utópica do Star Child resultante do encontro redentor da espécie humana com seu criador, e muito mais estimulou as teorias conspiratórias e lendas em torno do diretor. Ele não viveu o suficiente para ver chegar o ano de 2001, mas as comemorações em torno do filme alimentaram a lenda da suposta direção de um falso pouso na Lua em 1969 – os efeitos especiais de 2001, à frente do seu tempo, incendiaram ainda mais as especulações.

Lágrimas na Chuva


Mas é o filme Blade Runner, baseado em conto do assumidamente gnóstico escritor sci fi Philip K. Dick, que talvez tenha a realização de previsões pelas vias mais irônicas e hipo-utópicas. O desenvolvimento da cibernética não chegou ainda à descoberta da inteligência artificial, mas o drama de Roy (um androide criado pela Tyrell Co. para finalidades industriais e comerciais) tornou-se a metáfora a própria condição da mão-de-obra do século XXI: relações trabalhistas flexíveis, free lancers e autônomos, com vínculos trabalhistas passageiros onde resta ao trabalhador apenas consumir o presente, sem condições de planejar o amanhã.


O famoso monólogo “Tears in the rain”, um dos mais bonitos da história do cinema, dito por Roy ao pressentir que está chegando a hora de morrer (ou de ser “desligado”) diante do seu implacável caçador, Deckard, tornou-se em 2015 mais do que um resumo poético do desespero de um ser vivo:
“Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque ardendo no ombro de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer” - veja a sequência abaixo.
Esse monólogo tornou-se uma metáfora hipo-utópica: se o gênero ficção científica define-se em imaginar mundos futuros, paradoxalmente Blade Runner é a própria impossibilidade de imaginar o amanhã – estamos condenados a consumir apenas o presente, seja na dimensão espiritual, no entretenimento ou no trabalho.

É estranho assistirmos a esses filmes e constatarmos que chegamos ao futuro e nada aconteceu – pelo menos não da maneira cinematográfica (replicantes, aliens, carros voando e máquinas do tempo). Os cenários futuros foram concretizados sim, mas na banalidade do cotidiano.

O que faz lembrar do aforismo do filósofo francês Jean Baudrillard sobre a banalidade da História: “Sim! A revolução já aconteceu. Ela apenas não foi televisionada!”


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