sexta-feira, janeiro 22, 2016
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Fenômeno viral na Internet, a série de curtas
“Don’t Hug Me, I’M Scared” (2011-2015) de um coletivo de artistas ingleses
misturam fantoches, animações 3D e artistas fantasiados de animais, num
assustador mix de Vila Sésamo e Backyardigans com o último pesadelo de David
Lynch. Para mostrar às crianças que o mundo é um inferno de boas intenções. Os
curtas começam com a linguagem dos tradicionais vídeos educativos cheios de
boas intenções e saudáveis lições de moral: os temas são abstratos e
existenciais (Tempo, Amor, Criatividade) e práticos (comida saudável e
computadores). Mas as boas intenções se convertem em momentos sangrentos e de
surreal humor negro, mostrando às crianças uma lição sobre o mundo dos adultos
as espera: boas intenções amigáveis e altruístas se transforam em infernos
autoritários. Curta sugerido pelo nosso leitor Francisco Narde.
Os vídeos educativos atuais fazem um trabalho razoável de ensinar a crianças
e jovens habilidades básicas como matemática, linguagem e outros diversos
conteúdos escolares. Mas ainda não conseguem tratar de certos temas que, apesar
de intangíveis, farão parte do cotidiano no futuro: medos existenciais, a
religião, o tempo, a morte, a disciplina e a obediência.
Felizmente esse vazio parece estar sendo preenchido com um série de
curtas virais que parecem ter saído de um cruzamento entre Vila Sésamo, Muppet
Show, Backyardigans e alguma bizarrice mais recente de David Lynch. É a série Don’t Hug Me, I’M Scared (DHMIS) – “Não
Me Abrace, Estou Assustado”. Iniciada em 2011 é composto por cinco episódios
com os seguintes temas: Criatividade, Tempo, Amor, Computadores e Comida
Saudável.
Atores fantasiados, animações em 3D e fantoches cantando letras que
parecem querer ensinar algum tipo de lição ou moral, mas invariavelmente os
episódios terminam com alguma forma de terrível mutilação corporal e sequências
de surreal humor negro.
A série a princípio foi voltada para o público adulto, mas viralizou
através do YouTube entre o público infantil e adolescente.
Os temas dos curtas parecem ser aleatórios, mas há uma abordagem comum
em todos os vídeos: a contradição entre as lições morais que a sociedade nos
ensina e os resultados catastróficos no dia-a-dia. A teoria, na prática é
outra! Os vídeos são verdadeiras lições do que as crianças devem esperar quando
chegarem no maravilhoso mundo dos adultos, repleto de prescrições, regras,
ordem e disciplina. Mas tudo embalado e florido com uma linguagem politicamente
correta e amigável.
DHMIS foi criado por um coletivo audiovisual inglês chamado This Is It
formado por 12 artistas entre animadores, desenhistas, diretores que escrevem,
produzem e dirigem suas obras independentes. Becky Sloan e Joseph Pelling são
os fundadores do coletivo e os principais diretores de DHMIS que ganhou
bastante reconhecimento no mundo dos curtas metragens, ganhando diferentes
prêmios em festivais.
Há algo de doentio e perturbador na atmosfera dos curtas - um estranho
mix do tatibitati infantil com desfechos sangrentos e metalinguísticos. Mas,
não vamos matar o mensageiro por causa da mensagem: os curtas apenas refletem
muito a cultura midiática esquizofrênica que promete um mundo cheio de amor,
criatividade e boa vontade e nos entrega dor, paranoia, medo e desespero.
A viralidade dos curtas está na estranheza e ambiguidade: os vídeos
parecem conter mensagens simbólicas e subliminares por todos os lados, o que
faz os espectadores criarem as mais bizarras teorias e interpretações sobre os
personagens e os desfechos das narrativas – há leituras e releituras dos curtas
em sites, blogs e em vídeos no YouTube que tentam desmontar as histórias frame
a frame.
Os Curtas
O primeiro curta é sobre Criatividade: um bloco de notas ganha vida e
começa a ensinar os personagens como ser criativo – ver o mundo de forma menos
chata, mais poética, incentivando a procurar dentro de cada um novas ideias,
cores e diferentes formas de expressão artística e emocional.
Mas tudo acaba mal: o bloco de notas revela-se autoritário. Seja
criativo, desde que obedeça critérios arbitrários. Quando os fantoches tentam
ser realmente criativos, libertando-se do arbítrio do bloco de notas, tudo
termina em um terrível caos.
Moral da história: criatividade é perigosa! Veja abaixo:
O segundo curta ensina sobre o Tempo. Dessa vez é um relógio que ganha
vida e ensina para os nossos heróis fantoches as noções metafísicas e
filosóficas sobre o tempo. Até que o Tempo mostra sua face terrível e
autoritária: a entropia, o envelhecimento, a morte. Tudo fica muito assustador
até que, mais uma vez, os fantoches tentam libertar-se: um deles desafia,
afirmando que o Tempo nada mais é do que uma percepção subjetiva. O que irrita
o relógio demiurgo que vinga-se deles cruelmente.
Moral da história: nada podemos fazer, a não ser viver para morrer. Veja abaixo:
O terceiro curta é sobre Amor. Muitas vezes podemos nos sentir sós,
incompreendidos e mal amados com tanto ódio que existe no mundo. Agora é uma
abelha que ensina para o nosso herói a importância do amor, como o nosso coração
bate chamando a nossa cara metade e assim por diante.
Como sempre, tudo começa a ficar assustador: a abelha na verdade
revela-se um porta voz de alguma seita ou religião adoradora do “Rei Malcom”
que exige oferendas (ou dízimos?). Somente ali seremos amados! E tudo termina
em um piquenique sangrento.
Moral da história: somos todos mal amados e nos apegamos em miragens
como seitas, religiões ou grupos de autoajuda que nos prometem amor em troca de
submissão. Veja abaixo:
Computadores e a vida digital é o tema do quarto curta. Os protagonistas
estão jogando um quiz com questões: “Qual a maior coisa no mundo?”, pergunta
uma carta. Agora um computador ganha vida. Ele fala das coisas maravilhosas que
pode fazer em segundos – contas, imprimir, informar as horas e sobre qualquer
coisa que quiser achar. E podemos ser tão inteligentes como ele se fizermos
tudo digitalmente.
Como sempre, o computador começa a mostrar sua face sombria e
autoritária: tal como as empresas de Internet que nos rastreiam e acumulam
informações pessoais dos usuários, o computador quer todas as informações
íntimas dos fantoches para depois digitaliza-los e prendê-los no interior da
sua mente digital – ao melhor estilo do filme Tron.
Tudo fica sinistro até que um deles tenta fugir por uma porta, em um gnóstico
final no estilo Show de Truman – tudo revela-se um simulacro de realidade onde
o real e o virtual se confundem com mais um desfecho cruel.
Moral da história: a tecnologia nos torna espertos ou será que estamos
rebaixando o conceito de inteligência para termos relações “amigáveis” com
computadores? – sobre isso, veja a crítica que o cientista computacional Jaron
Lanier faz sobre o nosso apego a gadgets e aplicativos, clique aqui.
Comida Saudável é o tema do último curta. Comer pode ser um momento paranoico:
nunca aceite pratos de estranhos! Uma geladeira ganha vida e ensina hábitos
saudáveis à mesa – como a comida não-saudável pode te comer por dentro (mais
sequências sangrentas). Como sempre, as amigáveis intenções transformam-se em
um pesadelo autoritário.
Moral da história: lições sobre vida saudável são autoritárias. Ainda
mais se lembrarmos que as primeiras campanhas antitabagistas e sobre as
vantagens de uma dieta saudável foram feitas pela propaganda nazista e
prescrita pelos médicos da Gestapo. Veja abaixo:
Os curtas possuem um sabor gnóstico, seja ontológico (os momentos de
metalinguagem querem revelar a ilusão pro trás dos fantoches – cenário, câmeras
etc.), político (o desafio às autoridades cuja aparência é de puro altruísmo)
ou existencial – a condição humana é a do fantoche que se rebela contra os seus
manipuladores.
Veja abaixo também esse interessante vídeo sobre a reação de crianças ao assistirem aos episódios da série DHMIS:
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
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Coleção Curtas da Semana
Lista semanalmente atualizada com curtas que celebram o Gnóstico, o Estranho e o Surreal
Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Domingo, 13 de Abril
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>