domingo, dezembro 06, 2015

Curta da Semana: "The Black Hole" - escritórios são as Matrix atuais


O que você faria se encontrasse no seu local de trabalho uma folha com um círculo preto que revela ser um buraco tridimensional? Você seria dominado pela curiosidade metafísica ou pela possibilidade de ganhos pessoais? Essa é uma das leituras possíveis do curta inglês “The Black Hole” (2008). Com um afiado humor negro, o curta mostra o quanto opressivo pode ser a atmosfera da verdadeiras Matrix corporativas que são os escritórios atuais. Tão opressivas e amorais que são capazes de nos fazer passar batidos diante de um evento potencialmente além da imaginação.


Estranho e peculiar. Você não estará errado se descrever dessa forma o curta inglês The Black Hole. Em um escritório um funcionário sonolento trabalha tarde da noite em uma fotocopiadora. Ele está sozinho numa monótona rotina de mais uma jornada de trabalho. Enquanto faz cópias de documentos, estranhamente a máquina libera uma folha com um grande círculo negro no centro. Ignora e deixa a folha ao lado, até perceber que o círculo é tridimensional: descarta um copo que cai através do buraco no centro do papel.

Qualquer pessoa ficaria surpresa ou com medo de um objeto que desafia as leis da física e da lógica – o braço é capaz de atravessar os objetos como, também, atravessar um buraco no ar levando a mão para algum tipo de mundo paralelo.

Ao descobrir as propriedades tridimensionais daquele círculo negro, o protagonista começa a pensar nas possibilidades infinitas de ganhos pessoais. A ganância começa a crescer. Para começar, roubar uma barra de chocolate de uma dessas máquinas de snack food. Fixa o papel no vidro da máquina e enfia a mão para retirar o doce. Até olhar para a porta da sala do seu chefe e dar uma mordida agressiva no chocolate – lá está um cofre e a cobiça... e um final ironicamente surreal.

Uma primeira leitura do curta que podemos fazer do curta é moralista: Deus provê o suficiente para satisfazer nossas necessidades, mas não nossa ganância.

Mas o tom surreal do curta (com uma estranha paleta de cores com matiz esverdeada que cria uma atmosfera opressiva ao estilo Matrix) possibilita uma leitura mais instigante: a amoralidade pós-moderna que aniquila qualquer horror metafísico. O medo, curiosidade ou qualquer tipo de questionamento metafísico (afinal, não é todo dia que se encontra um buraco que abre uma passagem para outra dimensão) é substituído por um mesquinho interesse instrumental: roubar coisas, do chocolate ao dinheiro da empresa.


Escritórios corporativos são as Matrix modernas: ambientes opressivos de vigilância, hermeticamente fechados com sistemas de ventilação central, iluminação artificial, climatizados e isolados da realidade urbana de fora com seus vidros espelhados ou fumê. Um evento de impactante significado metafísico como aquele que envolve o protagonista seria a possibilidade de fuga ou, no mínimo, de início de questionamentos.

Comerciais de TV como o do chocolate Bis (o tédio, a rotina e a paranoia dos escritórios quebrada pelo chocolate – clique aqui para a análise do comercial feita pelo Cinegnose) ou séries como a inglesa The Office ou a brasileira Odeio Segundas do canal GNT exploram o imaginário opressivo dessas verdadeiras Matrix corporativas.

Mas assim como o traidor Cypher no filme dos Wachowski que preferiu os prazeres da ilusão da Matrix a ter que lutar ao lado da resistência à opressão, também no curta The Black Hole o protagonista escolhe a amoralidade instrumental da ideologia dos ambientes corporativos à possibilidade de fugir da vida cinzenta... ou esverdeada.

A amoralidade pós-moderna vai muito além da simples ganância. A ganância implica em julgamento moral e culpa. Na amoralidade (que é a quintessência da ideologia que permeia os ambientes corporativos), o ganho pessoal é liberado que qualquer culpabilização: é o resultado natural de um jogo, seja dos funcionários ou da própria empresa – promoção, demissão, puxadas de tapetes, traição etc. são encobertos pelo eufemismo do trabalho em equipe.

Cresce a razão instrumental, leve, ágil, amoral e sem culpa. Qualquer evento além da imaginação não é páreo para essa razão tão sedutora.



Ficha Técnica


Título: The Black Hole
Diretor: Philip Sansom, Olly Williams
Roteiro: Philip Sansom, Olly Williams
Elenco:  Napoleon Ryan
Produção: HSI Films
Distribuição: Future Shorts
Ano: 2008
País: Reino Unido

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