sábado, dezembro 19, 2015

Em Observação: "Patch Town" - bebês e repolhos


Imagine um mundo onde bebês são recolhidos em um campo de repolhos, vendidos para as crianças como bonecas de brinquedo para, depois que crescem, serem recolhidos por um sinistro capataz que os escraviza em uma fábrica, depois de remover suas memórias. Esse é o filme canadense “Patch Town” (2015), um conto de fadas distópico narrado em um mix improvável entre folclore russo, iconografia do comunismo soviético e crítica ao consumismo ocidental. “Patch Town” é mais um filme atual que explora a metáfora de seres humanos como bonecos manipulados por demiurgos.

Título: Patch Town (2015)

Diretor: Craig Goodwill

Plot: Jon (Rob Ramsay) vive em uma pequena vila onde todos os moradores trabalham em uma única fábrica. Repolhos são recolhidos em um imenso campo para passarem na linha de montagem dessa fábrica. Os repolhos são cortados para serem retirados do seu interior bebês se contorcendo; em seguida são colocados em bonecos de plástico para serem vendidos em todo o mundo. Os bebês tornam-se objetos imóveis que continuam a ver, ouvir e sentir a emoção, enquanto que residem em cima da cama de alguma criança. O que Jon não percebe é que ele e todos os seus pares na fábrica já foram, uma vez, esses bonecos: quando os bebês crescem, os brinquedos são roubados pelo sinistro “recolhedor de bebês” e transformados em novos trabalhadores para a fábrica e suas memórias são removidas de suas mentes.

Por que está “Em Observação”? – Ao fazer essa espécie de contos de fada distópico, o diretor certamente tinha em mente Brazil, O Filme de Terry Gilliam e Ladrão de Sonhos de Marc Caro – sobre o filme clique aqui. Um filme ambicioso que combina a iconografia da era soviética, folclore europeu, pitadas de números musicais e crítica ao consumismo ocidental.


Quando estamos diante de um filme cujos temas passam pela prisão/escravidão a partir da remoção de memórias, estamos em uma narrativa com um evidente sabor gnóstico. Isso sem falar da analogia entre bebês e bonecas – a filmografia recente está repleta de filmes onde fantoches, autômatos e bonecos são metáforas da própria condição humana nesse mundo: as relações homem/autômato ou homem/Deus onde algum Demiurgo nos manipularia. Um imaginário construído desde Platão nos diálogos As Leis e A República: a metáfora de cada ser vivo como um fantoche ou o jogo de sombras que os prisioneiros veem na parede da caverna como fosse a própria realidade.

 Patch Town explora ainda o curioso folclore russo que envolve bebês e repolhos. Por centenas de anos o repolho tem sido uma parte importante na dieta e remédios caseiros na Rússia. Até o século 16, era um costume na Rússia colocar recém-nascidos em folhas de couve, antes de serem lavados e vestidos. As folhas eram suficientemente grande e disponíveis quase por todo o ano. Depois, a cada banho, os bebês eram envolvidos em camadas de tecidos, como fossem folhas de repolho.

Talvez aí estejam as origens arquetípicas do porquê quando muitos pais são confrontados pelos filhos sobre questões das origens das crianças, contam histórias de cegonhas fazem entregas de crianças recolhidas em campos de repolho.

O repolho tem uma forte história de ser destaque na música, arte e literatura em todo o mundo. Por exemplo, em The Cabbage Patch Mother, do escritor russo Petrushevskaya, é narrada a história de um bebê chamado Dewdrop, que nunca cresce. Ele é esquecido é deixado em uma plantação de repolhos. Mais tarde a mãe descobre que Dewdrop tornou-se um desajeitado e enorme bebê chorão.


Patch Town é uma versão estendida do curta homônimo de 26 minutos feito em 2011, premiado em diversos festivais como de Toronto e Fantasporto – festival de cinema fantástico na cidade do Porto em Portugal.

Além do sabor gnóstico que Patch Town promete – perdas de memórias, escravidão, além da figura sinistra do “recolhedor de crianças”, uma espécie de capataz que vai nas casas buscar as crianças crescidas no interior das bonecas – há uma irônica crítica ao consumismo e infantilização da cultura: o filme explora a ideia de que crianças modernas crescem rápido e logo vão querer brinquedos mais adultos. O “recolhedor de crianças” as sequestra e reconduz à fábrica onde se tornarão trabalhadores em linhas de montagem e ávidas consumidoras de inutilidades da sociedade de consumo.

O que confirma o sombrio diagnóstico certa vez feito por Freud negando o suposto amadurecimento psíquico que acompanharia o crescimento: o adulto não passa de uma criança crescida.

O que promete?O espectador deverá preparar-se para um humor escatológico e negro. A combinação parece ser muito bizarra: folclore russo misturado com a iconografia da era do comunismo soviético, crítica à sociedade de consumo capitalista e sequências musicais com canções e danças. A crítica norte-americana define o filme como “loucura gonzo carnavalesca”. Mas temos que levar em conta que para os americanos, os canadense são um povo muito estranho...



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