quarta-feira, julho 16, 2014

Em Observação: "Teorema Zero" (2013) - o sentido da vida pela via negativa

Quase 20 anos depois, o diretor inglês Terry Gilliam está de volta ao gênero ficção-científica, mas as suas preocupações filosóficas continuam as mesmas. Misturando distopia e religião, Gilliam em “O Teorema Zero” (2013) pretende discutir qual o sentido da vida, já que a ciência nos informa que todo o Universo um dia acabará em uma singularidade no interior de um buraco negro. No interior de uma igreja abandonada o protagonista espera uma ligação telefônica que lhe traga a resposta, mas o diretor parece pouco preocupado com isso: ele abraça alegremente a ausência de sentido (a chamada "via negativa" da Filosofia), lembrando a máxima do personagem Tyler Durden em “O Clube da Luta”: “Depois que perdermos tudo, então estaremos livres”. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Título: O Teorema Zero (2013)

Diretor: Terry Gilliam

Plot: Qohen Leth (Christoph Waltz) é um gênio da computação excêntrico e recluso que vive em um mundo corporativo orwelliano e sofre de angústia existencial. Ele espera por um telefonema que lhe explique o significado da vida. Sob a orientação de uma figura sombria conhecida apenas como "Gestor", Qohen trabalha para resolver o chamado "Teorema Zero" (0 = 100), uma fórmula matemática derivada da teoria do “Big Crunch”: o destino do universo seria um buraco negro onde tudo terminaria em uma singularidade, mostrando que a vida não tem nenhum propósito. O trabalho de Qohen em uma capela abandonada, que lhe serve como casa, é interrompido por visitas de Bainsley, uma mulher sedutora, e Bob, o filho adolescente do “Gestor”.

Por que está “Em Observação”?: A volta do diretor aos longas-metragens desde o filme Doutor Parnassus (2009). Mundos distópicos retros cenograficamente construídos a partir de pedaços de todas as épocas vividas pela civilização é uma especialidade do diretor Terry Gilliam, ex-componente do grupo inglês de humor Monty Phyton.

A primeira imagem do filme, um homem nu sentado em uma estação de trabalho retro-futurista no interior de uma igreja abandonada, nos aponta que estamos de volta ao universo onírico de Terry Gilliam, evocando filmes anteriores como Brazil, O Filme (1985) e Os 12 Macacos (1996). É um filme sobre o medo da morte, da finitude, da fragilidade humana diante do destino e a necessidade humana de justificar sua própria existência. Quase todas as discussões no filme (passadas quase integralmente no cenário da igreja abandonada) giram em torno desses temas, transformando o filme na obra mais coerente de Gilliam. Talvez a visão pessoal de um autor que, aos 72 anos, enfrenta a consciência da proximidade da morte.

Mas não é tanto um filme sobre a busca de um sentido. A visão fascinante de Gilliam é que ele abraça a falta de sentido do mundo. Já no filme O Sentido da Vida (1983) com o grupo Monty Phyton, o tema era visto de forma despretensiosa sob um título que prometia fazer uma grande revelação para a humanidade. Qual o sentido da vida? “Não é nada de especial. Tentem ser bons, evitem comer gordura, leiam um bom livro e caminhem regularmente”, revelava cinicamente o filme depois de uma hora e meia de skacthes ironizando filosofias e religiões que tentam dar uma solução definitiva à questão.

Como já discutíamos em postagem anterior, como o humor do grupo inglês flertava com o espírito gnóstico de desmistificação do mundo, mostrando de forma engraçada como nossa existência parece ser baseada em mentiras e ilusões – sobre isso clique aqui.

O que interessa para esse blog nessa discussão de Terry Gilliam é que o diretor coloca a discussão sobre o sentido da vida no campo daquilo que a filosofia chama de “via negativa”: afirmar a existência a partir da sua própria negação, a chamada “dialética negativa”. Por exemplo, para o filósofo Theodor Adorno a questão do "sentido da vida" seria um falso problema já contaminado pela própria natureza do mundo que pretende questionar. A pergunta obteria uma "falsa resposta": este impulso religioso vulgar que pretenderia transcender a miséria reinante somente reproduziria a própria totalidade que pretende superar – produzir uma nova totalidade que nos aprisione em um novo sentido totalitário. Portanto, através da via negativa, afirmamos o sentido da vida através da sua própria negação – sobre a “dialética negativa” de Adorno clique aqui.

Terry Gilliam sempre fez um elogio ao niilismo. Para ele niilismo não significa acreditar em nada. Em todos os seus filmes os protagonistas estão em mundos cujas filosofias, religiões e doutrinas caem aos pedaços, representados pelos seus cenários retro-futuristas, verdadeiros pastiches de tudo aquilo que o homem acreditou no passado e já não mais funcionam. Críticos culturais chamam isso de pós-modernismo. Terry Gilliam chama de esperança, lembrando a máxima de Tyler Durden no filme O Clube da Luta (1999): “Depois de perdemos tudo é que estaremos livres” – quanto mais nos tornamos niilistas, mais encontramos sentido na existência: a nossa própria liberdade – sobre a nossa postagem sobre o filme clique aqui.


O que esperar? – “revela uma sociedade com cores vibrantes, joysticks e tecnologia interativa que aprisionam o individuo por constituir um fim em si mesmo. A fim de elucidar a sua tese, Terry Gilliam preocupa-se, por exemplo, em filmar uma festa onde, apesar da música ambiente, as pessoas usam fones de ouvidos e usam seus tablets como parceiros de dança. Câmeras Gopro atuam como instrumentos de vigilância (uma delas inclusive colocada no lugar da cabeça de uma imagem de Jesus crucificado), as propagandas literalmente perseguem os transeuntes nas ruas, as caixas de pizza cantam ao serem abertas e a Igreja do Batman, o redentor completam o universo de crítica social disfarçada de deboche revisitada de trabalhos anteriores, como Brazil, o filme” (Cinemascope).

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