Os anos 1970 foram uma década onde a indústria do entrenimento ainda permitia estranhas experimentações temáticas e visuais. Nessa época temos o crescimento de filmes com temática gnóstica com um tratamento "cult" ou "de arte", bem antes do atual gnosticismo pop cujo filme "Matrix" é o paradigma. A animação francesa "Planeta Fantástico" se insere nessa tendência dos anos 70 onde aliens e misticismo estavam em alta, porém com um tratamento bem mais sombrio e gnóstico que o fez ser comparado ao filme "Planeta dos Macacos" de 1968.
Planeta Fantástico (La
Planèt Sauvage, 1973)
Diretor:
René Laloux
Plot: Hipnotizante
e psicodélico filme de animação que ganhou o Grand Prix de Cannes de 1973 e que
é um marco na animação europeia. Baseado no livro de ficção científica “Oms Em Serie”
de Stefan Wul, a animação tornou-se uma obra-prima original. Lançado na França
sob o título “La Planèt Sauvage” e nos EUA como “Fantastic Planet” foi
imediatamente comparado com “As Viagens de Gulliver” de Jonathan Swift e “Planeta
dos Macacos” (tanto o filme de 1968 quanto o livro de Boulle). Hoje o filme por
de ser visto como a prefiguração de animações como “A Viagem de Chihiro” e “A
Princesa Mononoke” de Hayao Miyazaki no Studio Ghibli.
“Planeta Fantástico” conta a história dos Oms, criaturas
semelhantes a humanos, mantidos como animais domesticados por uma raça
alienígena de gigantes azuis chamados Traags. Acompanhamos a trajetória de um
Om chamado Terr, desde a infância até a vida adulta. Ele consegue escapar da
escravidão a partir de um dispositivo de apredizagem Traag e começa a organizar
uma revolta.
Por que está “Em
Observação”?: Os anos 1970 são marcantes pela fase Cult dos filmes
gnósticos. Antes da atual fase pop que se iniciou com “Blade Runner” em 1982,
mas que ganhou força com “Show de Truman” e “Matrix” na década de 1990, os anos
70 são notabilizados pelo gnosticismo no cinema caracterizado pelo experimentalismo
dos filmes “de diretor” ou “de arte”. Filmes como “Zardoz” (1974) e “O Homem Que Caiu na Terra” (1976), “Matadouro 5” (1972) e “Planeta Fantástico” estão
sintonizados com uma época onde o misticismo e esoterismo “New Age” estavam em
ascensão. Porém, esses filmes gnósticos cults exploravam o lado sombrio de todo
esse imaginário: aliens com inteligência e tecnologia superioras, porém
destituídos de ética e moral; mundos, planetas ou o próprio cosmos que se
transformam em perversas prisões; classes dominantes que se transformam em
demiurgos que mantém o poder por meio do medo e ignorância etc.
“Planeta Fantástico” é mais um exemplar dessa fascinante
fase Cult dos filmes gnósticos, onde
a indústria do entretenimento abria espaço para estranhas e bizarras
experimentações, muitas vezes sem o appeal do gnosticismo pop atual com heróis
de óculos escuros, overcoats pretos brilhantes e realísticos efeitos especiais.
Por isso merece estar “Em Observação”: estudar mais um filme de uma década que
deve ser melhor analisada em seu conjunto pela ousadia de filmes não apenas gnósticos,
mas que envolviam outros gêneros – como não lembrar do experimentalismo e
ousadia de perturbadores filmes como “Laranja Mecânica” (1971), “Network” (1976), “Taxi Driver” (1976), “O Franco Atirador” (1978), “Apocalypse Now”
(1979).
O que esperar?: comparado com o estilo de animação atual, o
filme é no mínimo intrigante: sem muitos recursos tecnológicos, é de uma “frieza
naturalista” como afirmam os críticos. O que torna a animação de uma técnica única.
O tema pode ser pesado (os Oms, quando educados, ao invés de buscarem uma
solução pacífica, rebelam-se da forma mais primitiva, deixando o sentimento da
vingança falar mais alto e obscurecendo a razão), mas a animação em estilo
onírico e surreal cria no espectador uma relação de distância e frieza. A
trilha sonora com um sinistro rock progressivo e o design de áudio completam a
atmosfera hipnótica e experimental.
Com certeza, depois de o leitor assistir ao filme “Planeta
Fantástico” jamais pisará em uma formiguinha ou atentará contra a vida de um
inseto sem pensar: “e se fosse eu?”