sábado, julho 27, 2019

A angústia humana diante do Tempo e das escolhas em "O Homem Infinito"


Confusões em torno de viagens no tempo oferecem uma gama de situações cômicas, desde o clássico “De Volta Para o Futuro”, graças a inesperados efeitos exponenciais quando tentamos consertar as coisas numa oportunidade de “segunda chance” no passado. O filme australiano “O Homem Infinito” (2014) explora todas essas possibilidades cômicas com um dos roteiros mais afiados dos últimos tempos nesse subgênero do sci-fi – da fantasia cômica inicial gradualmente evolui para a sofisticação de uma emaranhada cadeia de eventos em loop. Um solitário cientista tenta consertar o que deveria ter sido um final de semana perfeito com sua namorada: um ano depois da trágica separação, ele põe em ação uma estranha máquina do tempo baseado num scanner das memórias. Levando a comédia a uma sombria reflexão sobre as nossas angústias e responsabilidades em relação ao tempo, existência e escolhas. Filme sugerido pelo nosso incansável colaborador Felipe Resende.  

Jean Paul Sartre dizia que a existência precede a essência. Não existe nenhum Deus, propósito ou algum tipo de natureza humana fixa que restrinja a existência humana. O homem está totalmente livre. Mas essa liberdade nos torna os únicos responsáveis pelo que fazemos de nós mesmos.
Essa inesperada liberdade e a consciência da responsabilidade, seriam a fonte da angústia humana – existência é escolha. E a escolha depende primeiramente de negar determinadas possibilidades. Tendo consciência de todas as opções, essa escolha nos angustia. Ainda mais numa sociedade que multiplica as opções seja no consumo, negócios, profissão ou no amor. 
Há até coachings, concierges e todos os tipos de assistências personalizadas sobre qualquer coisa para minimizar nossas angústias diante de escolhas. Ou, pelo menos, encontrar alguém em quem possa colocar a culpa se algo der errado.
Portanto, sintomático que filmes sobre viagem no tempo seja cada vez mais recorrente, e com tantas variações, na história do cinema desde o Pós-guerra – o crescimento da sociedade de consumo e a expansão imaginárias das opções fez crescer exponencialmente a angústia.
E dentro desse subgênero sci-fi, o tema da “segunda chance” é dominante: viajar para o passado para salvar a nós mesmos: consertar, reparar, buscar uma outra escolha. Não apenas reviver nostalgicamente, mas intervir no passado para sermos felizes no presente.


A Ciência pode consertar tudo?
O filme australiano de baixíssimo orçamento O Homem Infinito (2014) de cara parece ser mais um filme indie sobre a busca da segunda chance e como, ao tentar mudar o passado, criamos catástrofes – efeitos exponenciais incontroláveis, imprevisíveis novas linhas do tempo etc.
 Um jovem cientista solitário tenta salvar seu relacionamento com a mulher amada voltando ao passado para tentar recuperar um final de semana que tinha tudo para dar certo. Ele teve um ano para criar uma máquina - uma espécie de scanner cerebral que recupera com precisão um momento no passado para que possamos revive-lo. Uma viagem no tempo real através das memórias.
O protagonista tenta resolver a angústia da escolha malsucedida através da ciência: a ciência pode consertar tudo?
Porém, O Homem Infinito (estreia do diretor e roteirista Hugh Sulivan) é marcado por uma grande novidade nas narrativas sobre catástrofes em viagens pelo tempo: dessa vez, não temos efeitos exponenciais sobre como pequenas mudanças no passado criam novas linhas do tempo como no já clássico Efeito Borboleta (2004).
O “efeito borboleta” não vem mais do passado invadindo o presente. Agora vem do futuro, criando consequências exponenciais do momento passado que o protagonista tenta consertar. E ainda pior: criando um loop temporal infinito, como nos informa o título.


O Filme

 O roteiro de O Homem Infinito é um dos mais afiados dos últimos tempos. Começa como uma leve fantasia cômica que gradualmente aumenta sua sofisticação com uma rede de eventos densos e emaranhados.  Uma narrativa minimalista que gira apenas em torno de três personagens em um único local: um resort abandonado perto do mar.
No centro de tudo está um jovem cientista (bem-intencionado, mas emocionalmente atrofiado e imaturo) chamado Dean (Josh McConville) que tenta revitalizar seu relacionamento com Lana (Hannah Marshall) levando-a para um balneário para comemorar um ano de um final de semana perfeito que tiveram no passado. Mas tudo será frustrado com a chegada de um ex-amante de Lana, Terry (Alex Dimitriades).
Dean e Lana chegam ao local mas, para surpresa deles, o resort está abandonado, em ruínas. Dean tinha planejado tudo meticulosamente: eles deveriam estar com as mesmas roupas, seguir o mesmo roteiro e dizer as mesmas linhas de diálogo daquele final de semana perfeito de um ano atrás. Mesmo surpresos ao encontrar o local em ruínas, decidem seguir em frente.
A chegada de Terry definitivamente frustra os planos de Dean. Para desespero do cientista, Lana decide partir com Terry.
Sozinho naquele resort, Dean terá mais um ano para aprimorar uma máquina do tempo baseada numa espécie de scanner de memórias que são armazenadas num HD externo. Precisamente no aniversário daquele final de semana catastrófico, Dean reencontra com Lana para mostrar-lhe sua máquina para que ambos possam retornar àquele preciso momento do passado para consertá-lo – impedir que Lana vá embora com o ex-amante.


O elenco é pequeno, mas será multiplicado exponencialmente – diversas versões de Dean, Lana e Terry começam a emergir do “futuro”, ou do presente de onde partiram para o passado.
O invento criou um loop aparentemente interminável de eventos que se sobrepõem em camadas progressivamente absurdas – com o passar do tempo, inúmeras versões dos protagonistas começam a correr pelas ruínas daquele balneário, todas as versões querendo ao seu jeito interferir ou melhorar aquele péssimo final de semana do passado.
Desesperado, o Dean “original” tenta de alguma forma por em ordem a linha de eventos. Uma das estratégias mais estranhas será quando ele convence Lana a usar um pequeno microfone e um ponto eletrônico no ouvido para que à distância Dean recite as linhas de diálogo exatas para a outra versão dele mesmo.


Questões existenciais

Confuso? Pode parecer à primeira vista, lembrando os enigmáticos loops temporais de filmes como Primer (2004) ou Crimes Temporais (2007). Mas em O Homem Infinito o tom é farsesco, lembrando as sucessões de falhas e equívocos dos protagonistas dos filmes dos irmãos Cohen (Fargo, Um Homem Sério, Queime Depois de Ler etc.). 
Por que Dean não resolveu tudo com um buquê de flores e uma caixa de bombons para a namorada? Dean é incapaz da espontaneidade dos pequenos gestos – ele é carinhoso, mas também aborrecido e chato. E sua falta de tato e a tendência para piorar as coisas, torna O Homem Infinito ao mesmo tempo engraçado e sombrio.
Isso porque Dean vive a angústia sartreana em relação à existência e o tempo: teme a espontaneidade das escolhas porque teme a responsabilidade e a liberdade. Por isso, procura na Ciência o controle das variáveis e a maior previsibilidade possíveis. 
Sartre diria que Dean vive uma vida inautêntica, assim como todos nós. “Terceirizamos” responsabilidades, transferindo o controle das variáveis para Deus, Ciência, um coaching ou um concierge. Acabamos nos cercando de um aparato metafísico que nos alivie da angústia diante da multiplicidade das alternativas a serem escolhidas.
O Homem Infinito é mais um exemplo de como nos divertimos acompanhando protagonistas que, no fundo, jogam com as mesmas questões existenciais nossas: as angústias de uma vida inautêntica.
Abaixo, o filme completo no Youtube. Se quiser inserir legendas, basta baixá-lo e buscar legendas no site Opensubtitles.org.


Ficha Técnica 


Título: O Homem Infinito
Criador: Hugh Sullivan
Roteiro: Hugh Sullivan
Elenco: Josh McConville, Hannah Marshall, Alex Dimitriades
Produção: Hedone Productions, Bonsai Films
Distribuição: Invicible Pictures
Ano: 2014
País: Austrália

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