domingo, maio 12, 2019

Tino conspiratório da guerra semiótica de Bolsonaro é lição para a esquerda


A esquerda sempre foi kantiana. Enquanto historicamente a extrema-direita teve um, por assim dizer, "tino conspiratório". Se a esquerda sempre foi regida por um kantiano imperativo categórico da racionalidade universal da Razão, do Direito e da Ética, ao contrário, a extrema-direita é movida pela urgência de enfrentar conspirações, desde a propagandística queima pública dos livros pelos nazistas em 1933. É o élan que sempre faltou para a esquerda. Mais preocupada em ser levada a sério pela elite pensante e ser aceita na Casa Grande, a esquerda sempre rechaçou as teorias conspiratórias como paranoia irracional. Bem diferente (como demonstra o início do governo Bolsonaro), a extrema-direita pula imediatamente na jugular da Educação, Ciência e Conhecimento para enfrentar as conspirações dos “marxistas culturais”, “globalistas” e até de “banqueiros comunistas” (?!?!). É a guerra semiótica criptografada incompreensível para a esquerda, que tenta liquidar rapidamente o problema estereotipando o clã Bolsonaro como “napoleões de hospício”.

Faltavam poucos minutos para acabar a aula de Teorias da Comunicação na Universidade. Surge na porta um grupo de alunos pedindo minha permissão para dar um recado importante para aquela turma. Um estudante de Psicologia, uma de Naturologia e outro de Engenharia. Vinham passar uma lista de assinatura para os interessados em participar do Congresso Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE) previsto para julho em Brasília, prometendo reunir 15 mil jovens de todo o País.
Permissão dada, os estudantes fizeram um sério discurso não só sobre a ameaça dos cortes dramáticos das verbas nas Universidades Públicas como também a ofensiva organizada do governo Bolsonaro contra a própria ciência e conhecimento no Brasil – afrontamento ao ensino laico, intimidação de professores em sala de aula através de vídeos postados em redes sociais, a Bíblia como referência ao ensino de História, Geografia etc.
O que naquele momento só me colocava no papel de um perigoso corruptor de jovens: terminava uma aula coincidentemente sobre Escola de Frankfurt, um histórico e perigoso núcleo de “marxistas culturais” em seu plano conspiratório de dominação do mundo. Dizem até que o frankfurtiano Theodor Adorno teria composto as letras das maiorias das músicas dos Beatles, num plano maligno de destruição dos valores ocidentais... – clique aqui para ler esse bestiário.
Temos que admitir: a extrema-direita, que chegou ao poder através de inédita e sofisticada guerra semiótica pelas vias da democracia formal, tem um forte, por assim dizer, tino conspiratório. E que isso se tornou numa vantagem em relação à esquerda dentro da guerra semiótica.
Há no discurso desse atual governo um tom de urgência como se a sua existência estivesse diariamente ameaçada por um entorno de conspirações perpetradas por globalistas, marxistas culturais, comunistas e LGBTs encastelados nos meios de comunicação e até no sistema financeiro – “banqueiros brasileiros comunistas”, como denunciou o ministro da educação Abraham Weintraub... seja lá o que possa dizer esse verdadeiro oximoro.

Weintraub: banqueiros brasileiros comunistas

O que sempre faltou para a esquerda?

Pois é isso que parece sempre ter faltado para as esquerdas, pelo menos até agora. Nos 13 anos que o PT esteve no Poder Executivo em Brasília, jamais passou pela cabeça dos serviços de Inteligência e Estratégia de Lula ou Dilma a possibilidade de qualquer tipo de articulação externa contra seu governo. Ou, pelo menos, a necessidade de teorizar a respeito. 
Um país da extensão territorial do Brasil, com o tamanho da sua população, os crescentes índices de desenvolvimento e ainda participando do BRICS (em 2015 a presidenta Dilma assinou, junto com líderes da Rússia, China, Índia, China e África do Sul, o memorando de criação de um Banco de Desenvolvimento do bloco) certamente despertaria a paranoia geopolítica dos EUA. 
Não obstante o tour das “revoluções coloridas” que seguiam o rastro das jogadas do jogo de xadrez geopolítico norte-americano (desde a Georgia em 2003), com a criação de revoluções populares híbridas a partir de “false flags” e “inside jobs” e muitos “não-acontecimentos”, o PT manteve-se aferrado a uma racionalidade republicana e o dever-ser de um imperativo categórico kantiano – uma racionalidade universal da Razão, do Direito e da Ética.
Será que jamais passou pela mente que o Brasil era naturalmente mais um endereço na turnê mundial de “revoluções coloridas”? 

Agradar a Casa Grande

E em todo esse tempo direcionou seus esforços para ser aceita na Casa Grande de banqueiros e barões da grande mídia e, com o seu apego ao “republicanismo” e “kantianismo”, provar que nunca foi assim tão incendiária e radical. 
Irmãos Koch ou Guerra Híbrida financiando os black blocs que faziam a linha de frente das manifestações de rua no Brasil a partir de 2013? O que pensar, então, sobre black blocs que depredavam as vidraças da concessionária Caltabiano de carros de luxo em São Paulo que, “coincidentemente”, era controlada pelo grupo americano McLarty cujo dono foi Chefe da Casas Civil do Presidente Clinton? E então, qual o significado dos papéis da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) vazados por Edward Snowden que indicavam que a Petrobrás estava sendo espionada pelos americanos?

Irmãos Koch e guerra híbrida: conspiratórios demais para a esquerda levar a sério

Se Kant existiu não podem existir conspirações...

Ora, isso é “teoria conspiratória” demais! Assim, a esquerda jamais seria levada à sério pelos editorialistas da grande imprensa... 
 Afinal, se a soberania é a base do Estado Moderno, como assinalava Kant, coisas como “conspirações” ou “guerras híbridas” jamais aconteceriam sob o imperativo ético dos direitos internacionais. Assim como na teologia cristã, Deus jamais permitiria almas penadas andarem entre os vivos. Nesse mundo apenas existiriam os Anjos do Senhor e as tentações do Demônio... mas os fantasmas existem e conspiram, indiferentes à existência de Deus ou do Diabo.
Desde 2013 com a primeira postagem intitulada “Apertem os cintos... a Esquerda sumiu!” (clique aqui) sob o calor das “Jornadas de Junho” das manifestações de rua, este Cinegnose alertava para essas “conspirações”. A partir desse ponto, uma série das análises das “bombas semióticas” (clique aqui) juntaram os pedaços que levaram à discussão sobre as estratégias mais gerais de “guerra híbrida” e “guerra semiótica”. Isso quando ainda esses conceitos não tinham virado moda no mercado de opiniões. 
Naquele momento, jovens nas ruas protestando era o “novo” na política. Somente agora cai a ficha para a esquerda e até para um STF acuado pelos corvos que alimentou: seu presidente Dias Toffoli chegou a falar em “ameaça externa” por trás dos movimentos organizados contra o Supremo.
Essa urgência conspiratória do Governo Bolsonaro tem o élan que sempre faltou às vestais da esquerda kantiana:  chegando ao poder, o clã Bolsonaro foi pular diretamente na jugular - Educação, Mídia, Religião e Ciência. 
Em outras palavras, diretamente nas agências de socialização: família e igreja (com o neopentecostalismo representado pela bancada da Bíblia no Congresso), Escola (corte de verbas, censura, vigilância e controle incipiente de focos de resistência e oposição) e grande mídia – que se passa de imparcial, mas, assim como a banca, espera que o governo entregue o prometido: as reformas neoliberais. 

Ideologia meritocrática gerou a mentalidade que apoiou o moralismo da anti-corrupção

PT não fez uma Revolução Cultural

O PT teve 13 anos para fazer uma revolução cultural no País se, desde o início, elegesse a Educação como o instrumento necessário de socialização para a cidadania e política. Ou seja, “pulasse na jugular” como faz nesse momento de forma perversa um governo de extrema-direita. 
Ao contrário, permitiu a concentração e internacionalização das universidades privadas, enquanto o ensino público se concentrou unicamente no crescimento (necessário) de universidades e escolas técnicas federais. 
Consequência? A inculcação da ideologia meritocrática, sob o estímulo dos créditos públicos do FIES e ProUni, que criaria  a mentalidade que facilmente apoiou o discurso moralista do combate à corrupção da “revolução popular híbrida” turbinada pela grande mídia, cujo desfecho apoteótico vimos no golpe de 2016 e o espetáculo bizarro ao vivo pela TV de deputados declarando seu voto pelo impeachment.
Sem vislumbrar a necessidade estratégica ideológica da Educação, apenas chocou o ovo da serpente.
A extrema-direita não é kantiana, mas conspiratória. Por isso, movido por essa urgência (imaginária ou real, pouco importa) elege a educação, a ciência e o conhecimento como alvos prioritários, enquanto gerencia o saco de maldades neoliberais.
É claro que o clã Bolsonaro (ainda difícil de ser degustado pela Casa Grande – banca financeira e grande mídia – pelo discurso grosseiro e ligações com o submundo criminoso das milícias) usa essas polêmicas sobre religião e criacionismo e a suposta guerra intestina entre militares e olavistas como parte de uma sofisticada guerra semiótica criptografada.
A esquerda usa expressões como “napoleão de hospício”, “governo taleban”, “presidente que não pensa”, “presidente tosco” para liquidar rapidamente uma questão mais profunda. Certamente, o entorno desse governo é formado, isso sim, por napoleões de hospício que pegaram carona na onda Bolsonaro como o empresário Luciano Hang, da Havan, a deputada Joice Hasselmann ou a biruta de aeroporto governador João Dória Jr.
Mas o núcleo duro, o clã Bolsonaro, está muito consciente dessa guerra criptografada: a necessidade de embaralhar cada vez mais informações e mensagens com mentidos e desmentidos para criar a cortina de fumaça necessária para fazerem aquilo que realmente importa e a razão deles estarem em Brasília – sequestrar o Estado via juros extorsivos da dívida pública e transformá-lo no banco particular para a banca encher o próprio bolso.

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