segunda-feira, setembro 05, 2016

Curta da Semana: "Movie Mind Machine" - somos viciados em esquecer


Cansados de sempre buscar novos filmes que repitam o prazer dos filmes clássicos, dois fãs de cinema desenvolvem uma máquina que consegue escanear o cérebro e localizar as memórias específicas de cada filme assistido. A memória é apagada e o mesmo filme pode ser assistido de novo com o prazer da primeira vez. O mesmo filme pode ser assistido infinitas vezes, por toda a vida! Esse é o impagável curta “Movie Mind Machine” (2015), uma comédia em estilo mockumentary sobre a neuro-máquina que promete revolucionar o mercado audiovisual. O curta é uma crítica bem humorada da cultura atual retro e obcecada por nostalgia. Mas também suscita uma questão mais séria: como a cultura atual estimula o psiquismo do vício e do esquecimento, por meio da indústria de drogas, fármacos e sociedade de consumo, como mecanismos psíquicos de negação da realidade.

Matt é um estudante na Universidade de Los Angeles. Ronn um balconista de uma loja de locações de vídeos e DVDs em Santa Monica, Califórnia. Uma coisa os une: são fãs de cinema, mas não daquele das telonas das salas de exibição. Mais sedentários, preferem ficar em casa com enormes copos de pipoca em frente à telinha da TV.

Até que um dia Matt tomou contato com uma pesquisa de uma equipe de neurologistas da Universidade de Boston onde foi descoberto os caminhos pelos quais a mente acessa as memórias em largas áreas do cérebro. Então a partir dos dados de mapeamento do cérebro, Matt colocou essas imagens no computador e localizou as áreas extas onde estão as memórias sobre as narrativas cinematográficas.

As aplicações práticas dessas pesquisas se tornaram clara para esses dois fãs de cinema: poderiam assistir seus filmes favoritos como fossem a primeira vez, para sempre! Bastava antes de assistir ao filme novamente, vestir um capacete para apagar áreas específicas de memória e pronto! Você assistirá ao filme como fosse a primeira vez – o frescor das surpresas, reviravoltas, o suspense, as piadas, tudo de volta, novinho em folha como fosse uma estreia.


 Em forma de mockumentary (algo que muitas vezes não passa de uma muleta cômica, mas que funciona perfeitamente nesse curta), Movie Mind Machine entrevista esses dois cinéfilos sobre sua grande descoberta que revolucionará à indústria cinematográfica e plataformas streaming como o Netflix.

É um curta engraçado, em movimentos rápidos e repleto de linhas de diálogo com referencias a novos clássicos do cinema.

Obsessão por nostalgia


O primeiro tema interessante desse curta: culturalmente vivemos numa época em que estamos obcecados por nostalgia: pastiches, refilmagens, narrativas ambientadas nos anos 70 e 80 etc. O que aconteceria se pudéssemos fazer tudo que é antigo em novo de novo?

O curta parece ser uma resposta aos cinéfilos e críticos, sempre à procura de coisas absolutamente inovadoras e inéditas. Mas, no fundo, gostamos mesmo de entretenimento com o qual estamos familiarizados com apenas um toque de novidade. Por isso, Movie Mind Machine é também uma sátira a essa fórmula hollywoodiana: a construção dos gêneros e seus cânones.


Mas há um tema ainda mais sério: o esquecimento e o psiquismo do vício. Os protagonistas Matt e Ronn são viciados em filmes e, como todo vício, é regido pelo mecanismo psíquico da busca do prazer da “primeira vez”.

Assim como no consumo de drogas, na primeira vez o prazer é intenso. Na segunda vez o prazer já não é mais ou mesmo, o que leva o usuário da droga a um trabalho de Sísifo de rolar sempre a pedra do seu vício montanha acima na busca do prazer da primeira vez que nunca alcança. E o trabalho sempre recomeça.

Esse é o mecanismo psíquico da oralidade freudiana: o prazer oral da infância é o mais intenso e marcante das nossas vidas, do qual renunciamos após o drama edipiano e a ruptura materna. Passamos o resto das nossas vidas tentando traduzir esse prazer seminal em termos de desejos e fantasias que serão capturados pela indústria do entretenimento, fármacos, drogas e sociedade de consumo.

Positividade e esquecimento


Se Freud acreditava que o homem deveria “simbolizar”, por meio da psicanálise, esse psiquismo infantil que permanece na vida adulta, na atualidade encontramos o oposto: reforça-se uma cultura do esquecimento - devemos deletar nossas memórias ou experiências traumáticas.


Das técnicas de autoajuda aos fármacos antidepressivos há uma tendência a uma positividade baseada no esquecimento e negação da realidade.

Se o cinema for a Caverna de Platão contemporânea, o que Matt e Ronn fazem no vídeo é negar a própria caverna por meio do esquecimento. Assim como a positividade das autoajudas e fármacos antidepressivos se fundamentam no mecanismo de negação para tornar a realidade mais cor de rosa.

O mais curioso no curta Movie Mind Machine é que o vício e dependência dos protagonistas continuam, mas agora é transferida dos filmes para a própria máquina de esquecimento. No curta suas mães e namoradas reclamam da crescente sociopatia dos protagonistas – estão esquecendo as chaves, o trabalho, a família, os amigos...


Que tal uma meta-máquina na qual esquecemos daquilo que nos fez esquecer? Será que atual onda da realidade aumentada (Google Glass, Pokémon Go!) seria o início disso?


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