segunda-feira, outubro 05, 2015

Jesus foi o primeiro criador de memes?

Além de ressuscitar mortos, multiplicar peixes e pães e supostamente redimir a humanidade, Jesus também realizou um milagre semiótico: através das parábolas superar o problema da memória da comunicação oral presencial – passado o calor do momento, tendemos a esquecer o conteúdo da comunicação. Graças às fortes alegorias e a narrativas curtas e circulares, suas parábolas se tornaram virais, assim como os atuais memes nas redes sociais. Os memes repetem a mesma estrutura narrativa alegórica, dessa vez em uma outra mídia efêmera – as timelines e chats dos ambientes digitais. Uma estrutura narrativa marcada por dois fatores que impulsionam o alcance de vídeos e imagens: “importância e “ambiguidade”. Se os memes são as “neoparábolas” atuais, Jesus poderia ser considerado o primeiro criador de memes da História?

Em uma churrascada alguém anuncia aliviado que ainda há latas de cerveja na geladeira: “É o milagre da multiplicação das cervejas!”, jubila; um grupo discute e o seu líder reivindica: “precisamos separar o joio do trigo!”; “aqui tem lobo em pele de cordeiro!”, diz desconfiado o político na reunião de um partido. O que há em comum em todas essas falas? São alusões a milagres e parábolas de Jesus encontrados em diversos versículos do livro bíblico de Mateus.

Talvez o grande milagre de Jesus, além de fazer mortos ressuscitarem e multiplicar pães e peixes, tenha sido também o semiótico – conseguir transformar suas alegorias e parábolas em imagens persistentes e virais que atravessaram 2.000 anos e continuam com força de disseminação.



Derivado do grego “parabolé” (narrativa curta), parábolas são narrativas breves, com um conteúdo repleto de alegorias, utilizadas por Jesus como principal estratégia discursiva nos seus sermões com a finalidade de transmitir ensinamentos. Misturando personagens fictícios com situações reais, Jesus procurava ensinar lições éticas ou de sabedoria através de prosa metafórica e linguagem simbólica.

E por que considerar a persistência das alegorias de Jesus como um milagre semiótico? Jesus enquanto esteve entre nós, jamais utilizou-se da escrita para transmitir seus ensinamentos. Tradicionalmente é atribuído a dois dos doze apóstolos (Mateus e João) e dois colaboradores (Marcos e Lucas) a autoria de textos que somente foram aparecer no formato atual no século 3 – mais de 150 anos depois da data em que os textos foram escritos.

Os ensinamentos de Jesus foram transmitidos pela comunicação oral onde, apesar dos índices não verbais darem força à relação (empatia, gestos, carisma etc.), é ameaçada pela efemeridade, pelo esquecimento.

A comunicação performática de Jesus


A comunicação oral é essencialmente performática. Como forma de comunicação indicial, caracteriza-se pelo emaranhamento: enunciado (conteúdo) se confunde com a enunciação (interação + contexto), o conteúdo com a relação (empática, antagônica ou agressiva) e o emissor com o receptor (os parceiros reagem uns sobre os outros como se vê na comunicação viral ou nas ressonâncias em massa).  Por isso, a oralidade é presa ao aqui e o agora, à performance contaminada pelo calor emocional e a qualidade da interação  do momento.

Passada a catarse, passado o momento, a tendência é o conteúdo da comunicação ser esquecido por estar impregnado pelas qualidades indiciais de um contexto que se passou.

Portanto, o grande problema da comunicação oral é a memória. Como então transmitir ideias tão inovadoras e revolucionárias como a nova ética cristã da compaixão, o perdão e o amor ao próximo através de uma mídia tão frágil e efêmera? Como tornar universal conceitos transmitidos pela oralidade presencial, tão presa a um instante, a uma localidade, a um contexto?


Certamente, o gênio semiótico de Jesus esteve na escolha da sua estratégia discursiva: as parábolas. Estrutura narrativa simples, alegórica, destinada à disseminação boca-a-boca para ser recontada diversas vezes. Assim como os memes atuais, destinados à replicação.

Muito mais que a palavra escrita, a palavra falada é ocorrência, acontecimento. Na antiguidade grega Homero dizia que as palavras são “aladas”. Certamente Jesus sabia que a comunicação oral é relacional, dominada pelo calor da autenticidade – seu lado negativo é a efemeridade. Mas, por outro lado, é capaz de impulsionar alegorias, metáforas e narrativas curtas e circulares, assim como os memes atuais.

A psicologia de parábolas e memes


Essa aproximação entre as parábolas de Jesus e os memes atuais parece confirmar a fórmula da chamada “psicologia do rumor” criada por Gordon Allport e Leo Postman  em 1947:

A = i X a 

Onde /A/ de alcance é igual à /i/ de importância multiplicada por /a/ de ambiguidade.

O fator “importância” (a importância de uma fato tem uma relação direta com a sua novidade, inesperado e bizarro) esteve presente nas parábolas de Jesus – muitas vezes Ele tinha diante si um auditório composto pelos seus inimigos teológicos e, desta forma, o conflito intenso era a tônica das apresentações.  Através de parábolas, Jesus respondia às perguntas de forma inesperada: com outra pergunta que encadeava uma nova analogia. O inesperado e a quebra de paradigmas desconcertava os doutores e teólogos opositores.

Hoje os memes atendem a esse mesmo princípio: basta uma olhada nos videos virais de um YouTube e veremos o inesperado e o bizarro que quebra leis da gravidade ou de verossimilhança.


E o fator “ambiguidade” foi o elemento multiplicador do alcance das parábolas jesuânicas: ao contrário da fábula que sempre começa com um “era uma vez…” (criando um tom atemporal de uma realidade paralela), na parábola temos a ficção da alegoria misturada com elementos da realidade do interlocutor. Isso dá o outro sentido do grego “parabolé” – “comparar”, “colocar lado a lado”. Fição e realidade são comparados e misturados: ao invés de “era uma vez…” temos o “poderia ser assim…”.

Da mesma forma nos memes atuais: de um vídeo do YouTube mostrando pessoas que supostamente flutuam segurando alguns balões comuns ao chamado “meme do irônico” (Willie Wonka rindo ironicamente segurando o queixo com uma das mãos), vemos alegorias que facilmente poderiam aderir à realidade. A polaridade verossímel/inverossímel é trocada pelo “virtualmente possível”.

O meme/parábola de uma surreal conversa de rádio


Um exemplo desse encontro entre memes e a estrutura das parábolas jesuânicas podemos encontrar em um vídeo que está circulando nas redes sociais desde 2014. Nele se mostra uma surreal conversa de rádio entre um navio da marinha norte-americana e o Noroeste da Espanha. No áudio, o comandante americano pede para que a embarcação espanhola mude seu curso para que não se choquem no meio do mar, mas fica extremamente bravo ao receber a resposta de que o “obstáculo” espanhol não iria mudar de rumo – assista ao video abaixo.

Ao final da conversa tensa, o comandante norte-americano de uma poderosa esquadra escoltada por submarinos e destróiers descobre que o navio espanhol não mudará de curso pois tratava-se, na verdade, de um farol.


O diálogo é uma verdadeira alegoria de como a arrogância do poderio bélico dos EUA pode converter-se em cegueira e burrice. O vídeo viralizou e transformou-se em lenda urbana justamente porque a força de uma parábola está na comparação da alegoria com a realidade – um fato que supostamente teria acontecido em 1995 seria virtualmente verdadeiro.

Memes são neoparábolas?


Paradoxalmente essas verdadeiras neoparábolas que são os memes atuais ocorrem em uma nova mídia de natureza bem diversa da época de Jesus: as simbólicas digitais. Enquanto as parábolas de Jesus se disseminaram pela oralidade (presencial e relacional), os memes espalham-se através de mídias que simulam o presencial e o relacional.

O paradoxo das novas tecnologias digitais é que, apesar dos interlocutores estarem à distância, os emoticons, letras em caixa alta e onomatopéias simulam os índices da comunicação não verbal da oralidade presencial. Em um chat, diálogos inbox, timelines de redes sociais etc. simula-se fazer parte de uma comunidade presencial, de estar em uma comunicação performática com as mesmas características da oralidade.

Assim, encontramos uma inesperada linha de continuidade entre o poder viral das parábolas de Jesus no seu tempo e os atuais memes dos ambientes digitais. Por meio das parábolas Jesus foi o primeiro criador de memes graças à força das suas diversas alegorias. Hoje, os memes são as neoparabólas em uma mídia tão efêmera como as comunicações presenciais.

Lá como cá, o grande problema sempre foi a perda da memoria, solucionada por pequenas narrativas feitas para serem repetidas. Hoje, os memes também tentam ser a solução para a efemeridade das timelines das redes sociais.

Resta saber se numa mídia que simula o presencial, também os memes poderiam apenas simular uma suposta persistência da memória digital.



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