terça-feira, janeiro 05, 2021

Cobertura midiática da pandemia oculta cálculo do Necrocapitalismo e Capitalismo Gore


Zygmunt Bauman falava em “vidas desperdiçadas”. Aquiles Mbembe, fala “Necropolítica”. E Sayak Triana denuncia a ascensão do “Capitalismo Gore”, ou “Slasher Capitalism”. O eufemismo corporativo para tudo isso é “Quarta Revolução Industrial”. Todos esses conceitos convergem para o novo salto mortal do capitalismo: do controle populacional centrado na gestão da fertilidade para o novo foco na gestão da morte. Esse novo “reset” do capitalismo é o que a grande mídia tenta ocultar na cobertura da pandemia, interpretando as políticas sanitárias errantes e o desdém de Bolsonaro com a crise sanitária como “negacionismo” da “ala ideológica” do Governo. Oculta uma política calculada e proposital sincronizada com a “ala técnica” de Paulo Guedes para atender à urgência da Banca representada pelo Big Money e Big Pharma: mitigar através da pandemia o crash que ocorreria em 2020 e transformar isso numa janela de oportunidades – o mundo está cheio e o refugo humano deve ser eliminado! 

Em uma entrevista ao Telejornal da TV Cultura o conhecido empresário Emerson Kapaz, que já foi do PSDB e agora é ligado ao Partido Novo, fez uma “estranha” afirmação: “Ainda bem que você tem uma desigualdade [sócio-econômica] muito grande porque a Terra não iria aguentar”. Kapaz fazia uma comparação com os níveis de consumo da Índia com o dos países desenvolvidos, e argumentava sobre a necessidade de manter as condições de vida precárias para evitar um possível colapso planetário.

Ou seja, a desigualdade social é boa para o meio ambiente! Se os pobres viverem e consumirem mais, será pior para o planeta...

Ailton Krenak, líder indigenista, ambientalista e escritor finalista do Prêmio Jabuti com seu livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, em entrevista à revista Carta Capital (31/12/2020), não acredita que o atual momento represente uma crise do capitalismo: 

Para mim, é a próxima missão do capitalismo: se livrar de ao menos metade da população do planeta. O que a pandemia tem feito é um ensaio sobre a morte. É um programa do necrocapitalismo. A desigualdade deixa fora da proteção social 70% da população do planeta... e no futuro não precisará deles, sequer como força de trabalho” – clique aqui.

Essas duas declarações acima são dois flagrantes (o primeiro, a frieza cínica; e o segundo, a objetividade cortante) de um diagnóstico crescente entre pesquisadores sociais de que o capitalismo está preparando-se para um novo salto. Dessa vez para uma fase pós-humanista na qual todos os valores que fundamentaram o Humanismo e Iluminismo na Modernidade serão pulverizados pela biopolítica – a urgência do discurso ambientalista e da infectologia, partindo de uma premissa simples: o mundo está cheio!

Zygmunt Baumann falava em “vidas desperdiçadas” por um capitalismo cuja expansão global é orientada pela eliminação do “refugo humano” (os excessivos, redundantes, deslocados e indesejáveis – os irremediavelmente desempregados, deficientes, refugiados, aposentados etc.); Aquiles Mbembe aponta para a Necropolítica (formas tecnológicas de controlar populações nas quais o “deixar morrer” se torna aceitável); e Sayak Triana chama de “Capitalismo Gore” como a nova configuração social - a precarização econômica e crime organizado como mecanismos necessários de “necroempoderamento” para o capitalismo eliminar corpos desnecessários por meio da violência, derramamento de sangue e mortes justificadas – leia TRIANA, Sayak Valência, “Capitalismo Gore y Necropolítica en México Contemporáneo” – clique aqui.



Quando falamos em “salto”, nos referimos a mais um salto mortal dado pelo capitalismo para superar suas próprias contradições do sistema que até aqui jamais quebrou o pescoço: depois do crash de 1929, o salto bélico-militar do nazi-fascismo; sob os escombros da Europa e os 80 milhões de mortos da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo tardio funda o Welfare State, como novo pacto da luta de classes, e a sociedade de consumo – a financeirização global e o seu crash em 2008 - e o definitivo que ocorreria em 2020, mitigado pela pandemia Covid-19, no grave contexto em que o endividamento global de 164 trilhões de dólares representa mais que o dobro do PIB mundial.

Dessa vez, o chamado “Grande Reset Global” anunciado pelo Fórum Econômico Mundial para iniciar nesse mês é mais um salto, dessa vez pós-humanista, no qual produção e consumo perdem o espaço para a financeirização e o capitalismo de plataforma turbinado pela Inteligência Artificial.  

Em outros termos, é a celebrada “Quarta Revolução Industrial”, na qual as clássicas políticas de controle populacional neo-malthusianas (gestão da fertilidade) cedem lugar às formas mais avançadas de poder biopolítico e necropolítico (a gestão da morte) como forma de eliminar os excluídos: aqueles que se tornaram populacionalmente redundantes porque nem mais para serem explorados servem.



O discurso midiático binário 

Naturalmente a grande mídia tem um papel-chave tanto no ocultamento quanto na naturalização das vidas que doravante serão cada vez mais desperdiçadas.

Um flagrante exemplo disso está na forma como a grande mídia vem cobrindo as indefinições das medidas sanitárias e da política de imunização do Governo Bolsonaro. 

As medidas erráticas do Ministério da Saúde acompanhadas pelo recorrente desdém do presidente à urgência da crise sanitária são tratados pelo jornalismo corporativo como “negacionismo” e “obscurantismo” criados por uma visão “ideológica” que, só agora, chamam de “extrema-direita”.

O reconhecimento tardio pela mídia de que Bolsonaro é de “extrema-direita” representa menos uma declaração de mea culpa depois da suposta “escolha difícil” das eleições de 2018 do que um estratagema semiótico para blindar a agenda neoliberal personificada no ministro Paulo Guedes – razão pela qual a escolha de 2018 não foi assim tão difícil para o jornalismo corporativo.

 O discurso midiático cria um sistema linguístico binário no qual Bolsonaro e Paulo Guedes ganham cada qual um “valor-signo”: Bolsonaro e ministros como o General Pazuello, na pasta da Saúde, ou de Ernesto Araújo, nas Relações Exteriores, são denominados como “ala ideológica”. Enquanto Paulo Guedes e as fundações, autarquias e conselhos ligados ao Ministério da Economia são a “ala técnica”.

Não importa se Paulo Guedes anuncie em plena pandemia cortes de verbas para o Ministério da Saúde em 2021 ou se foram retirados 3,9 bilhões de reais de verbas para combate à Covid-19. Ou o noticiário aborda de forma anódina como medidas para não furar teto de gastos ou evita-se colocar o nome de Paulo Guedes para dar a manchete genérica de que “Governo Bolsonaro” fez isso ou aquilo.

Para o noticiário a “ala ideológica” é incompetente, lenta, desorganizada, sem articulação. Enquanto as decisões da “ala técnica” que dificultam as medidas contra a pandemia são escondidas em textos e matérias na TV que ora oculta o ministro da economia pelo rótulo “Governo Bolsonaro”, ora trata como uma exigência técnica de “responsabilidade fiscal”.

Para aumentar o rendimento semiótico desse estratagema, os governadores estaduais são colocados do lado oposto, do suposto lado da “ciência” e do “conhecimento” que lutam contra o “negacionismo” ideológico do presidente. Não importa se suas medidas de isolamento social são igualmente erráticas porque inseridas no confronto político com Bolsonaro – veja o lockdown desmoralizante como a do Centro de Contingência de Dória Jr no qual arbitrariamente regiões mudam de cor de fase do controle da pandemia, assim como um semáforo desregulado em um cruzamento. 



Até mesmo a perspectiva de as clínicas privadas de saúde comprarem 5 milhões de doses de vacina da Índia (a Covaxin) e confirmar a máxima “Money Talks” (o dinheiro fala mais alto, abrindo a perspectiva da elitização da imunização) entra nessa estratégia semiótica: o “vácuo de poder” da “ala ideológica” supostamente estaria cedendo lugar ao “jogo natural do mercado”, tido como tão natural quanto uma chuva de verão. Criando uma curiosa saia justa nos analistas do jornalismo corporativo: de um lado acham que a privatização de uma crise sanitária é “condenável ética e moralmente”, mas, por outro lado, naturalizam o “jogo do mercado” – a mão invisível do mercado é sempre seletiva...

Da gestão da fertilidade à gestão da morte

Em maio de 2009, em um hotel em Nova York, ocorreu uma reunião cuja agenda não foi divulgada, a não ser que se tratava de um “evento filantrópico sobre doações à caridade”. Os nomes de peso formavam um fechado clube de bilionários: Bill Gates, Warren Buffett, David Rockefeller, Eli Broad, George Soros, Ted Turner, Oprah, Michael Bloomberg entre outros abonados.

Um artigo no Times de Londres deu a seguinte manchete: “Clube Bilionário tenta conter a população mundial”, descrevendo que as questões discutidas na pauta ultrassecreta incluíam educação e saúde, mas, de longe, a necessidade da desaceleração do crescimento da população global.

“Seguindo o exemplo de Gates, eles concordaram que a superpopulação era uma prioridade”, disse o artigo, acrescentando que “isso poderia resultar em um desafio para alguns políticos do Terceiro Mundo que acreditam que a contracepção e a educação feminina enfraquecem os valores tradicionais”.

A partir da década de 1960, o Banco Mundial, a ONU e uma série de fundações filantrópicas americanas independentes, como as fundações Ford e Rockefeller, começaram a se concentrar no que consideravam o problema do crescimento dos números do Terceiro Mundo. 

Eles acreditavam que a superpopulação era a principal causa da degradação ambiental, do subdesenvolvimento econômico e da instabilidade política.



Tudo começou em 1968, quando o biólogo americano Paul Ehrlich causou polêmica com seu livro best-seller, “The Population Bomb”, que sugeria que já era tarde demais para salvar alguns países dos terríveis efeitos da superpopulação, que resultaria em desastre ecológico e na morte de centenas de milhões de pessoas na década de 1970. 

Em vez disso, os governos deveriam se concentrar em reduzir drasticamente o crescimento populacional. Ele disse que a assistência financeira deveria ser dada apenas às nações com uma chance realista de reduzir as taxas de natalidade. As medidas obrigatórias não deveriam ser excluídas.

Na prática, um instrumento neocolonialista dos ricos através de métodos contraceptivos e esterilizações em massa promovido pela Big Pharma como, por exemplo, a Missão para o Controle da População, projeto do Leste da Índia que incentiva as mulheres a se esterilizarem depois do segundo filho.

Não importa se o estilo de vida dos bilionários não seja sustentável – a culpa será jogada nos 99% restantes que, para serem sustentados, seriam supostamente criadas indústrias responsáveis pelo aquecimento global. 

Esse é o discurso do ambientalismo do Big Money e Big Pharma, que nesse momento é turbinado pela pandemia do novocoronavírus que abre a janela de oportunidades discursiva e prática.

Por exemplo, na “Carta ao Editor” de 13/05/2020 do The Daily Chronicle, cinicamente é colocado que a Covid-19 é uma “forma natural de controle populacional” e a pandemia um reflexo direto do crescimento populacional – o planeta criaria mecanismos naturais de eliminação dos “amontoamentos populacionais”.

E os dispositivos necropolíticos (a política do “deixar morrer”) são a colocação em prática da forma mais avançada de redução populacional. 




A contradição populacional

A questão populacional sempre foi uma séria contradição dentro do capitalismo: não há emprego para todos, porém sempre foi necessária a manutenção de um Exército Industrial de Reservas devido ao sobe e desce dos ciclos das conjunturas econômicas. Mas disso demandava um Estado que garantisse as proteções sociais dessa massa de desempregados ou subempregados sempre à espera de ser explorada de forma “digna”. 

A expansão da juventude (os chamados “jovens adultos”) pela sociedade de consumo foi uma forma de adiar a entrada das pessoas num mercado de trabalho limitado – adiar ou pela irresponsabilidade feliz da chamada “cultura jovem” ou pela ideologia meritocrática: estender o período de estudos ao máximo (graduação, pós, especializações, estágios etc.) protelando a entrada no limitado mercado de trabalho.

 Após o crash de 2008 e a mitigação do crash de 2020, palavras mágicas como “Quarta Revolução Industrial” ou “Grande Reset Global” tornaram-se eufemismos para as políticas pós-humanistas de biopoder e necropolítica. 

Sob o álibi do ambientalismo neoliberal (que inclui a Teoria Gaia de que a pandemia representa o sistema imunológico do planeta tentando se livrar da “presença da espécie humana”), jogam a culpa do aquecimento global, esgotamento de recursos naturais e da própria pandemia na patuleia que não tem mais lugar no capitalismo financeirizado, onde produção e consumo perderam o espaço e não geram mais empregos.

É esse novo salto do capitalismo que a grande mídia procura ocultar na política sem pé nem cabeça do Governo Bolsonaro e dos governos estaduais em relação à pandemia: ocultam aquilo que é calculado, proposital, atendendo à agenda do Big Money global – a falta de empatia não é de Bolsonaro ou da “ala ideológica”, mas do 1% dos mais ricos que, mais uma vez, pega um espantalho de extrema-direita para fazer o serviço sujo do Capital.

Bem-vindo ao Capitalismo Gore!

 

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