domingo, junho 25, 2017

Curta da Semana: "Robot & Scarecrow" - somos robôs e espantalhos em um amor impossível


Um drama de Romeo e Julieta pós-moderno. Um amor impossível entre um espantalho e um robô em meio a um festival de música eletrônica em uma zona rural qualquer. Esse é o curta “Robot and Scarecrow”, 2017) de Kibwe Tavares, conhecido por produções onde os efeitos digitais se fundem organicamente com “live action” – um robô programado para performar um show musical se apaixona por um espantalho despertado pelas bicadas dos corvos. Se misturam na multidão e tentam viver uma improvável história de amor. O curta é um dos exemplos mais diretos de como o fascínio pelos simulacros humanos (androides, robôs, fantoches, bonecos etc.) no cinema funcionaria como um espelho da própria condição humana. Naquele festival de música a condição tanto das estrelas pop quanto do público - controlados pela indústria do entretenimento, programados como um robô ou espetados em um mastro como um espantalho.

Robôs, fantoches, replicantes, bonecos, brinquedos e toda sorte de simulacros humanos ao mesmo tempo que nos amedrontam, também nos fascinam – para além do medo, vemos neles algo de nós mesmos: a suspeita de que nós vivemos uma condição parecida com a deles, prisioneiro de algum “mestre das marionetes” e manipulado por algum Demiurgo.

Desde clássicos como Gabinete do Dr. Caligari (1920) e Frankenstein (1931), passando por O Planeta Proibido (1956) até novos clássicos como Blade Runner (1982) e Robocop (1987), está presente esse fascínio. Porém, sempre em mundos futuros ou fábulas góticas. Tudo ainda é muito oblíquo e simbólico – Caligari seria um simbolismo da Alemanha pré-ascensão do nazismo, Blade Runner e a simbólica relação do androide replicante Roy com seu criador Tyrrel e assim por diante.

Mas no curta Robot and Scarecrow (“Robô e Espantalho”, 2017) essa analogia dos simulacros humanos com a própria condição humana é explícita, direta, nessa história de um robô e um espantalho que se encontram e se apaixonam em um festival de verão de música eletrônica.

 Dirigido por Kibwe Tavares (com roteiro de Christopher O’Rilley e Ursula Sarma) é conhecido por trabalhos nos quais funde live action com futurísticos efeitos em CGI como no seu trabalho anterior Robots of Brixton (2011).


A inspiração para produzir o curta veio em um momento em que o diretor preparava-se para filmar um vídeo musical com Katy Perry: “Estava fazendo uma pesquisa sobre a Katy, assistia seus vídeo clips e um documentário que acompanhou a sua turnê por um ano. Havia uma cena em que Katy tinha acabado de romper com seu namorado Russel Brand, mas mesmo assim teve que atuar em show como nada tivesse acontecido”.

Para Tavares, havia algo de robótico nisso, como se as estrelas pop fossem commodities, bem recompensadas financeiramente, mas ao custo da própria liberdade.

O Curta


  No curta vemos os bastidores de um festival de verão de música eletrônica. A estrela é um robô feminino que irá performar um set musical e está sendo montada por técnicos. Uma máquina dependente da fonte de alimentação de sua bateria – ao que parece, a bateria é instável, com capacidade de guardar energia apenas para o tempo de um show.

Ao mesmo tempo, as bicadas de um corvo faz despertar um espantalho em uma fazenda nos arredores – interessante o simbolismo da dor que faz despertar: no robô, o incômodo das ferramentas que batem nela; e paralelo a isso as bicadas insistentes do corvo no espantalho.

Despertado, o espantalho sai andando até conseguir entrar na área do festival. Mistura-se com a multidão de jovens e gosta do som e agitação: passa a dançar e acompanhar o público.

Do outro lado da cerca de segurança que separa o palco, a robô vê o espantalho e fica curiosa em conhece-lo. Mas primeiro tem que fazer o show, para depois fugir dos seguranças e se encontrar com o espantalho e se apaixonar.


Tavares vê a multidão do show como uma massa caótica, em catarse descontrolada e à beira da violência: o pobre espantalho é despedaçado pela multidão alucinada em frente a um show de rock. A apaixonada robô pega os pedaços dele e leva para uma tenda de espécie neo-hippies em uma das tendas do festival.  O espantalho então será novamente costurado e revivido.

A dupla passeia, brinca e dança pela área do festival, cada vez mais apaixonados. Mas lembre-se... a bateria da pobre robô é instável...

Robô e espantalho: espelhos de nós mesmos


É evidente no curta a condição robótica e programada das estrelas pop, dependentes da “fonte de alimentação” – financeira ou prestígio. Essa foi a inspiração inicial de Kibwe Tavares baseado no drama pessoal de Katy Parry.

Mas há algo mais e incômodo: tanto o espantalho como o robô se misturaram na multidão dos shows e... ninguém percebeu aquelas duas estranhas figuras, simulacros humanos que ganharam vida e passeiam numa história de amor impossível entre os humanos.


Não há medo, terror ou surpresa. Todos parecem indiferentes. A situação lembra outra produção inglesa Todo Mundo Quase Morto (Shaun of the Dead, 2004) no qual um funcionário de uma loja e seu amigo não percebem que Londres está sendo tomada por zumbis. Afinal, os londrinos normalmente já têm aparência e comportamento de zumbis.

Esse irônico humor negro também está presente em Robot & Scarecrow: o robô e o espantalho imitam os gestos humanos e as pessoas vêm neles personagens tão “exóticos” como eles próprios em um festival de música pop.

O robô controlado pelos programadores dos bastidores da cena musical e o espantalho espetado em um mastro por um fazendeiro são representações diretas da condição de todos naquele festival: a indústria do entretenimento que controla tanto as estrelas quanto o público – canaliza tanto a alegria e catarse quanto a violência que explode sobre o pobre espantalho.

Um homem feito de palha e um garota com feições de androide em um festival de música parecem o espelho do próprio público que pula e dança enlouquecido.

Porém Kibwe Tavares delimita uma diferença importante: tal qual como em Blade Runner, onde os replicantes adquirem mais amor pela vida do que os próprios seres humanos que os criaram, no curta o robô e o espantalho aspiram pelo amor e a liberdade. Bem diferente dos humanos.

Os humanos apenas se contentam em consumir as commodities expostas no palco do festival e ter o seu comportamento tão direcionado tanto quando o do próprio espantalho e da apaixonada robô. Mas pelo menos os simulacros humanos aspiram por algo mais: um mundo que vai além dos muros de seguranças que cercam aquele festival.


Ficha Técnica

Título: Robot and Scarecrow
Diretor: Kibwe Tavares
Roteiro:  Christopher O’Reilley, Ursula Sarma
Elenco:  Jack O’Connell, Holliday Grainger, Daniel Kaluuya
Produção: DMC Films, Factory Fifteen, Nexus Studios
Distribuição: Vimeo
Ano: 2017
País: Reino Unido

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