sábado, março 19, 2016

Curta da Semana: "Bright Future My Love" - o amor em uma distopia gnóstica


Da Sérvia vem esse enigmático curta distopico sobre uma mulher que tenta despertar através do amor um homem vazio de espírito e consciência num mundo que lembra "1984" de George Orwell. Mas o Big Brother não é mais um Estado opressor, mas telas de TV que exibem mensagens de publicidade e propaganda que mantém todos isolados e sós numa rotina de trabalho sem sentido. Os mitos gnósticos da Queda e de Sophia encontram-se em um mundo sombrio filmado em preto e branco. É o curta “Bright Future My Love” (2014) de Marko Zunic, um profissional de engenharia da informação de Belgrado que parece ter transformado o hobby de fazer curtas-metragens em uma expressão fílmica da distopia do mundo corporativo. 


Um homem vive isolado numa sala de concreto. Em cada dia de trabalho caminha através de estruturas abandonadas até o seu trabalho onde é alimentado por uma estranha substância leitosa através de um tubo enquanto assiste a um filme na TV.

Essa é a sua rotina diária, até cruzar no seu caminho uma mulher que tentará mudar sua vida.

Tudo lembra uma atmosfera distopica nos moldes de 1984 de Orwell, mas não há um Big Brother que a tudo vigia – há telas de TV com mensagens de propaganda que parecem prescrever hábitos e comportamentos ideais para aquele mundo. Cada dia se assemelha ao anterior: sua rota nunca muda, edifícios que parecem ruínas pós-guerra, a estação ferroviária de concreto com mais telas espalhadas com filmes de propaganda, o trem velho e surrado e o trabalho em um complexo fabril em ruínas.

Um ciclo vicioso que poderá ser cancelado pelo amor ao conhecer uma colega de trabalho.


O curta Bright Future My Love (2014) do sérvio Marko Zunic é claramente inspirado no filme seminal de David Lynch de 1977 Ereaserhead, o modelo todos os romances  excêntricos no cinema independente.

No curta do diretor sérvio o casal tentará quebrar uma espécie de barreira que os separa, já que naquele mundo alternativo todos os trabalhadores são condenados a viverem isolados uns dos outros – dividir para reinar, uma filosofia muito mais maquiavélica do que orwelliana. Nas cenas em preto e branco que se sucedem o casal tenta tocar-se, sentir cada poro das suas peles, fios de cabelo, formato do rosto.

Mas quando finalmente tentam se beijar, a tela de TV imediatamente mostra casais se beijando, interrompendo o namoro do casal. Naquele mundo, todos os desejos ou fantasias somente são realizados através do voyeurismo das imagens de propaganda. A realização é sempre virtual, nunca no mundo real dominado pelo isolamento e solidão.

Em Bright Future My Love há um claro simbolismos gnósticos da Queda e de Sophia – o homem que decaiu em um cosmos físico imperfeito que o mantém prisioneiro e Sophia, o aeon que também decaiu no caos e exílio mas que tenta despertar no homem a fagulha de luz espiritual que o reconecte de volta à Plenitude.

O mito gnóstico de Sophia é uma história de amor de um aeon que veio, assim como Cristo, da Plenitude para esse mundo não para nos “salvar” mas para nos fazer relembrar daquilo que esquecemos. E o que nos faz esquecer da Plenitude? No curta, Zunic descreve o isolamento, a solidão e as telas de TV como aquilo que nos impede de amar – ou de reconectarmos com o arquétipo de Sophia.


Isso nos mantém sempre “na linha”, em um círculo vicioso de trabalho e alienação. Por isso, no curta a atmosfera é de ausência de consciência e espírito com zumbidos desagradáveis e rugidos de máquinas onde até mesmo o farfalhar da água assume um tom sinistro.

Como um diretor sérvio, Zunic imprime no curta um tom político sobre a situação da Sérvia atual. Mas a sombria beleza da fotografia em preto e branco e a ausência de diálogos dá um apelo universal e mítico à narrativa. Sem falar que o “futuro brilhante” ao qual o título do curta se refere é bem irônico: naquele mundo, o futuro do amor só pode ser igualmente sombrio.

Detalhe curioso: o diretor Marko Zunic é formado em Engenharia da Informação na capital Belgrado e desde 2012 trabalha como desenvolvedor de banco de dados. Recentemente começou a fazer filmes curta-metragem como um hobby e se inscreveu como diretor no Academic Film Center Belgrade (DKSG).

Talvez o curta Bright Future My Love seja sua expressão artística da convivência profissional de Zunic com a atmosfera corporativa cotidiana de vigilância e controle.


Ficha Técnica


Título: Bright Future My Love
Diretor: Marko Zunic
Roteiro: Marko Zunic
Elenco:  Andrija Kispatic, Sunsica Zivkovic
Produção: Akademisk Filmski Centar Dom Kulture Studentski Grad (AFC)
Distribuição: Akademisk Filmski Centar Dom Kulture Studentski Grad (AFC)
Ano: 2014
País: Sérvia

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