sexta-feira, agosto 14, 2015

Datena, Russomanno e Doria Jr candidatos em 2016? É a mídia, estúpido!

Junto com o midiático Celso Russomanno, somam-se para as próximas eleições à prefeitura de São Paulo os televisivos José Luiz Datena e João Doria Jr. Cientistas políticos vêm interpretando esse fenômeno como crescimento do conservadorismo de uma cidade que em outros tempos elegeu Maluf, Celso Pitta e Ademar de Barros. Ou como reflexo do “vácuo político” decorrente da judicialização da Política feita pela Operação Lava Jato. Mas haveria algo mais, um projeto que estaria sendo gestado e que tornaria São Paulo o laboratório de uma experiência de vanguarda: a midiatização total da vida pública. Esses personagens midiáticos representam a quintessência do imaginário paulistano: justicialismo, meritocracia e consumo. Mas desta vez, sem intermediários: diferente dos políticos, ainda presos na cena teatral, Datena, Russomanno e Doria Jr. vivem na cena midiática -  pelo menos sabem ler um teleprompter e se posicionam bem diante das câmeras.

O blogue Cinegnose vem considerando em postagens recentes que São Paulo é um enclave conservador dentro do Brasil. Exemplos disso seriam os protestos e resistências a medidas civilizatórias globais como a construção das redes de ciclovias e a redução da velocidade dos carros. E, o que é pior, protestos que muitas vezes associam essas medidas a um suposto totalitarismo bolivariano cuja solução final seria um golpe militar.

Mas, temos que dar a mão à palmatória. Na verdade, São Paulo está na vanguarda. Um exemplo desse vanguardismo estaria na praça ecologicamente correta chamada de Praça Victor Civita - sincronicamente localizada ao lado da decadente Editora Abril, da sucateada Sabesp e do fétido Rio Pinheiros). Como esse blogue observou em outra oportunidade, a praça é mais do que um símbolo da sustentabilidade: é o símbolo da vanguarda de um projeto que pretende se expandir para todo o País – por meio do sucateamento deliberado do Estado, tornar escasso todos os bens tidos como universais (água, educação, energia etc.) para, depois, serem entregues à regulação do mercado como simples mercadorias – sobre isso clique aqui.


 Eis que São Paulo exibe para o País mais uma prova do seu espírito vanguardista: a pouco mais de um ano das eleições municipais, dois personagens midiáticos sem vida orgânica partidária e sem experiência política entram na cena como candidatos, à espera de confirmação, para a prefeitura municipal: José Luiz Datena (âncora de programa policial) e João Doria Jr. (apresentador do programa Show Business). Somam-se a outro candidato midiático que participou do último pleito: Celso Russomanno, do PRB-SP.
Praça Victor Civita: exemplo do "laboratório vanguardista" de São Paulo

Por que vanguarda? Porque depois de décadas de um trabalho diário (da grande mídia brasileira e mundial) de desconstrução da Política e da figura do político (cuja espetacularização do Judiciário com a Operação Lava Jato é mais um episódio), a grande mídia vislumbra a possibilidade de mandar às favas os intermediários – para quê ter o trabalho em pautar e roteirizar políticos se as própria estrelas televisivas podem assumir o protagonismo?

Política: do teatro à mídia


Que a Política sempre foi um palco teatral, não é novidade para qualquer cientista político. Porém, com a instituição da chamada “Sociedade do Espetáculo” (nos termos propostos por Guy Debord) a Política deixou de ser teatral para tornar-se midiática – balões de ensaio, factoides ou pseudoeventos passaram a ser a pratica comum de políticos para buscarem o foco das câmeras. A mise en scène teatral foi substituída pelo timing midiático da logística das coberturas e horários de fechamento das redações.

 Mas apesar da espetacularização da política, ainda a figura do político exige os protocolos parlamentares, o rito das plenárias e discussões, o corpo-a-corpo com outros políticos nos bastidores e com os eleitores nas campanhas. O político ainda deve um tributo às suas origens cênicas no palco do teatro.

Políticos ainda estão presos à cena teatral

Por isso, ele ainda se mostra desajeitado diante do aparato midiático que ao mesmo tempo promove e desconstrói a Política: a performance canastrona nos vídeos, os ternos com cortes ultrapassados, a dificuldade em ler um teleprompter, os olhos injetados para as câmeras pedindo votos, o déficit telegênico. Tudo isso apenas reforça na mente do espectador a suspeita que a própria mídia alimenta: políticos são tão confiáveis (e canastrões) quanto um vendedor de carros usados.

Chega de intermediários!


Depois do incansável trabalho em desmoralizar não apenas o político, mas a própria Política, a grande mídia ensaia entrar para a fase decisiva de seu projeto histórico – a midiatização total da vida pública. Deputados midiáticos eleitos como o comediante Tiririca, o cantor Sérgio Reis, o apresentador Wagner Montes, entre outros, são ainda o estágio inicial e folclórico desse projeto.

Principalmente no momento atual da política brasileira onde, pela incompetência da oposição parlamentar em se apresentar à sociedade como projeto alternativo ao PT, a grande mídia teve que pautar e levar a reboque os opositores ao Governo Federal, parece que há uma espécie de cansaço midiático: chega de intermediários!

Há muito tempo a mídia vem construindo a percepção na sociedade de como a democracia representativa e o parlamento são lentos, obsoletos e corrompidos. Quando a grande mídia fala em “jornalismo comunitário” e de “prestação de serviços”, na verdade ela se alvoroça em provar subliminarmente, através de seus repórteres estrelas que supostamente ouvem as reivindicações por uma construção de uma passarela ou sobre a necessidade de canalização de um córrego,  o quanto os canais representativos parlamentares são ineficientes diante a rapidez ao vivo midiática.

Jornalismo comunitário supera a representação parlamentar

Para a grande mídia, uma pesquisa por amostragem sobre os índices de popularidade de um presidente ou governador vale muito mais do que o resultados de eleições majoritárias.

Nesse contexto, compreende-se a experiência vanguardista das próximas eleições em São Paulo. Se tudo der certo, será o modelo de midiatização integral da Política.

Vácuo político?


Cientistas políticos interpretam que esse fenômeno costuma aparecer em momentos de profunda crise política e institucional como é o caso da ascensão a primeiro ministro de Silvio Berlusconi, homem de mídia e negócios na Itália, como decorrência do vácuo político criado pela Operação Mão Limpas durante a década de 1990 – com muitos paralelos com a Operação Lava Jato brasileira.

Mas há algo mais: Datena, Doria Jr. e Russomano são os protótipos mais bem acabados desse projeto midiático – além das suas aparentes “purezas” (não têm vida partidária orgânica e vêm do mundo asséptico dos estúdios de TV), suas figuras são construções simbólicas resultantes de anos de acerto e erro nas suas relações com a audiência. Tornaram-se espelhos do neoconservadorismo. Respectivamente, materializam os pilares arquetípicos da mentalidade paulistana: justicialismo, meritocracia e consumo.

Se não, vejamos:

(a) José Luiz Datena: síntese visual do jornalismo justiceiro. Seus rosto redondo com feições duras, olhos esbugalhados que se apertam ao fitar de baixo para cima espelham a dureza de como o paulistano encara seu próprio cotidiano. Suas feições duras e dicção semelhantes a de um pastor televisivo transmitem a lição fascista: quem é duro consigo mesmo, tem o direito de ser com os demais. Por isso pede justiça rápida, sem ritos processuais civilizados. Diante do telão no estúdio, parece que dá ordens em tempo real para helicópteros, policiais, bombeiros etc. E comemora cada cadáver de um suposto bandido.

Datena: o jornalismo justicieiro

(b) João Doria Jr.: misto de banqueteiro e organizador de eventos de elites empresariais, sua imagem é a síntese de um suposto sucesso pelo mérito, trabalho e competência. Se Datena é a dureza crua da luta do dia-a-dia, Dória Jr. está no céu dos homens bem sucedidos graças ao talento e trabalho honesto e empreendedor. Aliás, empreendedorismo e sustentabilidade são suas palavras-chave, sabe-se lá o que esses palavras mágicas querem exatamente dizer. Em seu programa televisivo Show Business recita essas conceitos da cartilha empresarial. Dória Jr. é a imagem do sucesso para as classes médias.

(c) Celso Russomanno: para o paulistano, o consumo está imbuído de um simbolismo religioso e terapêutico (a relação fetichista com marcas de produtos e serviços e oportunidade de fazer “shopping terapia” no final de semana). Por isso Russomano se notabilizou na TV e no imaginário do paulistano pela defesa de consumidores em pendengas com prestadores de serviços. Seus programas participam do processo de desmoralização da Política ao provar que a TV é supostamente muito mais rápida do  que os canais representativos na defesa dos interesses dos consumidores. Aliás, essa é a mensagem subliminar e despolitizadora: não há cidadãos, existem consumidores. E a Constituição (cheia de um incompreensível jargão jurídico) deveria ser substituída de uma vez pelo Código do Consumidor.

Se essa experiência der certo no verdadeiro laboratório de vanguarda em que se tornou a cidade e o Estado de São Paulo, quem sabe teremos no futuro Luciano Huck para presidente.

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