domingo, fevereiro 09, 2014

Publicidade explora a geometria sagrada subliminar

Atualmente a inteligência visual publicitária vem mobilizando técnicas cada vez mais sofisticadas que exploram recursos não apenas psicológicos ou comportamentais, mas agora atinge uma dimensão de simbolismo mais profundo: a chamada “geometria sagrada”, expressão usada pelo esoterismo e gnosticismo para designar toda uma área de estudos de como as formas geométricas básicas representam conteúdos arquetípicos e padrões (modelos, ritmos e proporções) que integram o repertório que permite tanto a Natureza como o psiquismo humano se expressar. Com o auxílio das técnicas da semiótica visual, círculos, quadrados e triângulos estariam sendo instrumentalizados para criar uma verdadeira geometria subliminar.

Quantos de nós veem? Em uma cultura onde a informação é transmitida numa forma predominantemente visual, enxergar ou olhar para telas, displays, outdoors, placas, impressos etc. parece ser uma função natural e espontânea. Não nos importamos muito com essa função, a não ser nos seus aspectos oftalmológicos quando necessitamos de lentes corretoras ou de intervenções cirúrgicas.

Continuamos a enxergar ou olhar, mas, de fato, realmente vemos? Essa simples pergunta abrange uma longa lista de atitudes ou funções multilaterais como observar, perceber, compreender, reconhecer, contemplar, descobrir, entre outras. Pesquisadores como Donis A. Dondis sugerem uma complexa “inteligência visual” por trás do simples ato de olhar e aponta para a necessidade de uma “alfabetização visual” para que possamos compreender mais facilmente os significados assumidos pelas formas visuais - Leia DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual, Martins Editora, 2009.


Esses significados podem ser subliminares, ideológicos, retóricos, propagandísticos por trás da informação visual seja na Publicidade ou em um telejornal. Essa inteligência visual é cada vez mais sofisticada nas suas técnicas de manipulação visual para explorar o inconsciente (psiquismo), o comportamento (subliminar) ou o inconsciente coletivo (arquétipos). Em postagem anterior discutíamos como a Publicidade atual ingressa numa nova fase ao manipular algo mais profundo, além dos valores e estilos de vida: símbolos do inconsciente coletivo aglutinadores de anseios, dúvidas e esperanças mais profundas da espécie humana, tal como sugerido por Jung. A publicidade tentaria se conectar cada vez mais com a rede simbólica do inconsciente coletivo – sobre esse tema clique aqui.

Na atualidade, a inteligência visual publicitária alcança o que talvez seja a sua estratégia mais sofisticada e, ao mesmo tempo, mais obscura, pouco observada por pesquisadores acadêmicos ou teóricos da conspiração: a aplicação de arquétipos da “geometria sagrada” – um surpreendente encontro entre a semiótica, a mitologia esotérica que envolve as três formas geométricas básicas (o círculo, o quadrado e o triângulo) e a psicanálise.

Geometria sagrada


“Geometria sagrada” é uma expressão usada no esoterismo e no Gnosticismo baseada na crença de que existiriam relações significativas entre a geometria, a matemática e a realidade. Os princípios da geometria sagrada teriam sido aplicados ao longo da História na construção de estruturas religiosas como igrejas, templos, mosteiros, tabernáculos, altares etc.

Parte da crença platônica de que Deus teria criado o Universo a partir de um planejamento geométrico (“Deus geometriciza continuamente”, teria dito Platão). No século XVIII o matemático Carl Gauss parafraseou Platão ao afirmar que “Deus aritmeticiza”.

O Universo teria sido construído a partir das três formas básicas (círculo, quadrado e triângulo). Cada uma dessas formas conteriam fundamentos arquetípicos espirituais, padrões – entre os quais figuram formatos, modelos, ritmos e proporções – que integram um repertório que permite tanto à natureza quanto o psiquismo humano se expressar.

“Por exemplo, o círculo e a esfera como o invólucro fundamental para a energia e a consciência, e a forma de vórtice para espalhar e transmitir energia e consciência de um ponto para outro. Outras formas frequentes na geometria sagrada são a curva senoidal, a espiral áurea (obtida pela união de vários semicírculos e presente, por exemplo, no caramujo e na flor do girassol), os cinco sólidos platônicos, a vesica piscis (“bexiga do peixe” ou “Olho de Deus”, resultante do encontro de dois círculos e perceptível no DNA e nas células) e o hipercubo (o cubo quadridimensional).” (ARAIA, Eduardo “Geometria Sagrada no Mundo das Formas Perfeitas” in: Planeta, Edição 439, junho, 2010).

(a) O círculo: simboliza a ausência de distinção ou de divisão – a totalidade indivisa. É o ponto estendido a partir do ponto primordial da criação – o “ovo do Mundo”. O movimento circular é perfeito, imutável, sem começo e sem fim o que o habilita a simbolizar o tempo. Por isso, o círculo simboliza o próprio céu, o mundo espiritual invisível e transcendente. A passagem do quadrado ao círculo – na mandala, por exemplo – é a da cristalização espacial ao nirvana; passagem da Terra ao Céu. Por isso, o Paraíso terrestre era circular, a projeção da esfera celeste.

É a imagem símbolo de uma realidade psíquica interior do homem: aconchego e proteção (a forma circular do seio materno, primeira forma geométrica que percebemos nesse mundo) e erotismo e sensualidade (linhas onduladas), compulsão, apelo emocional, prazer. Como forma natural, sua cor é o azul por representar o céu.

(b) O quadrado: é o símbolo da terra por oposição ao céu, mas também, num outro nível, o símbolo do universo criado, terra e céu; é a antítese do transcendente. Figura antidinâmica, ancorada sobre os quatro lados – implica numa ideia de estagnação, solidificação e até mesmo de estabilização na perfeição. É o caso tanto da Jerusalém Celeste como na construção do templo hindu onde o quadrado é fixação, cristalização dos ciclos celestes, a imutabilidade em relação ao movimento circular da manifestação – por exemplo, a construção do altar védico que é um cubo cósmico.

No psiquismo humano simboliza os valores referentes ao superego: honestidade, retidão, esmero, conservadorismo, a tradição – não é à toa que chamamos uma pessoa moralmente conservadora de “quadrada”. Como uma forma não natural, mas criada pelo homem, sua cor é o vermelho, símbolo da matéria, da realidade que se materializa na estabilidade do quadrado.

(c) O triângulo: Os simbolismos dessa figura geométrica estão associados à racionalidade, masculinidade, fogo e fecundidade. O papel do esquadro na arte da construção – os triângulos e os retângulos têm uma função muito importante. Para os maias o triângulo está ligado ao raio do sol, semelhante ao broto que forma o germe do milho. Sol e milho, duplo simbolismo de fecundidade.

Com a ponta para cima é o símbolo masculino e do fogo na alquimia. É conhecida a importância atribuída pela maçonaria ao triângulo, chamado de “delta luminoso” ou o triângulo sublime cujas medidas perfeitas (ângulo superior de 36° e base com dois ângulos de 72°) representariam o tríptico da moralidade: pensar bem, dizer bem, fazer bem – sabedoria, força e beleza. Ou na alquimia, sal, enxofre e mercúrio. Por isso, sua cor seria o amarelo: luz, razão e sabedoria. Tradicionalmente Deus é representado simbolicamente como um olho dentro de um triângulo amarelo.

No psiquismo humano corresponderia aos valores do Ego e da individualidade: de um lado racionalidade e auto-preservação; do outro, tensão, conflito, ação.

Dominantes da comunicação visual


Para a semiótica, todo o planejamento de uma comunicação visual deve se iniciar pela determinação de qual forma, cor etc. serão a dominante do objeto: formas (angulosas, arredondadas), distribuição espacial dos elementos (vertical, horizontal), cor (derivadas do vermelho, azul etc.). Por dominante entendemos como uma estratégia de sinalização de uma peça visual: um determinado elemento básico da comunicação visual (seja ponto, linha, textura, forma, cor etc.) que chamará a atenção do observador, antes dele saber qual o seu conteúdo informativo – Aviso? Notícia? Publicidade?

As chamadas dominantes das formas geométricas básicas (o predomínio na primeiridade visual de formas ou movimentos dominantes derivados do círculo, do quadrado ou do triângulo) estão diretamente conectadas na sua aplicação com os simbolismos místicos e arquetípicos descritos brevemente acima.

Partindo do princípio de que o apelo publicitário baseia-se em três domínios – o racional, o emocional e a tradição – podemos aproximar a simbologia sagrada das formas geométricas com os apelos publicitários da seguinte maneira sintetizada na tabela abaixo:

Círculo
Triângulo
Quadrado
Id
Ego
Superego
inconsciente
Identidade
Norma, Lei, Tradição
Compulsão,     impulsividade, erotismo, apelo emocional, prazer
Apelo racional, consumo consciente, tensão agressividade
Apelo ao clássico, tradição, história

Dominante círculo


É marcante como as peças visuais publicitárias de produtos tão díspares como cervejas e refrigerantes até produtos infantis exploram as formas circulares e movimentos ondulados como dominantes visuais. “Se a vida mandar quadrado, você devolve redondo” ou “desce redondo” da cerveja Skol; design de marcas de refrigerantes arredondadas, linhas onduladas e muitas formas redondas como bolhas, círculos em anúncios de produtos infantis; gotículas do suor da garrafa do refrigerante de onde desce o líquido em ondas.


Em fast foods marcados pelo apelo à viciosidade e compulsão, temos o exemplo do “Ruffles, a batata da onda” em que os chips são confeccionados com ondinhas ou o último filme publicitário do produto onde uma batata faz strip-tease dentro de uma máquina de vendas automáticas: prazer da viciosidade e erotismo.

A grande maioria dos anúncios que apelam para os aspectos emocionais (amor, amizade, etc.) ou de prazer (sexo, erotismo, viciosidade, compulsividade) apresenta como padrão a dominante círculo, muitas vezes combinada com a dominante da cor.

A exploração da forma geométrica círculo está na captação da sua energia que busca a transcendência espiritual, confinando-a a imanência da forma-mercadoria.

Dominante quadrado


A dominante dessa forma seja como embalagem do produto, layout do anúncio, diagramação ou composição visual possui forte apelo aos valores do superego ao transmitir solidez, conservadorismo, história e, por isso, confiança.

Se no plano arquetípico o quadrado é a aspiração humana para a cristalização, a imutabilidade como forma de estancar a maior falha cósmica que é a seta do tempo (ou em física a entropia), a comunicação visual publicitária instrumentaliza essa aspiração do inconsciente coletivo para confiná-la na forma-mercadoria transitória, descartável: a dominante quadrado oferecida como um oásis de segurança na sociedade de consumo marcada pelo efêmero.

Dominante triângulo


Embora direcionado ao ego, talvez seja a dominante de forma com o simbolismo mais variado: desde o apelo racional (vantagens racionais e lógicas de escolha por determinado produto), o apelo ao egoísmo, à posse (status, prestígio etc.) até o apelo à velocidade, conflito, desequilíbrio.



O domínio de linhas em diagonal (movimento derivado do triângulo) em anúncios de automóveis transmitindo conflito, dinamismo e velocidade – valores moralmente “bons” associados aos carros: velocidade = status. O triângulo associado a uma escolha racional do consumidor a partir de informações técnicas como no anúncio da Gafisa.

O triângulo também está presente na construção da maioria dos logotipos das grandes corporações como um simbolismo ao mesmo tempo fálico e divino de força e poder.

Mais uma vez, o simbolismo arquetípico de uma forma geométrica é instrumentalizado para a manipulação: a suposta afirmação da individualidade do consumidor, por meio do simbolismo do status ou do suposto apelo à decisão racional no momento da compra, resulta em ideologia por encobrir a realidade de que as opções de escolhas são dadas e limitadas em um mercado cartelizado e monopolizado.


Em síntese, na atualidade conceitos da geometria sagrada são intensamente manipulados através da semiótica da comunicação visual publicitária aplicando um dos seus princípios fundamentais: tudo tem um padrão, e esse padrão é a chave para se criar efeitos específicos. Porém, em nome dessa instrumentalidade, são pervertidos as grandes aspirações da espécie simbolizados nesses arquétipos geométricos: a possibilidade de transcendência ou crítica desse mundo é eliminada pela imanência do consumo.

Postagens Relacionadas

Tecnologia do Blogger.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Bluehost Review