segunda-feira, abril 15, 2013

Somos todos aliens no filme "Earthling"


O tema “alienígenas” encontra a sua maturidade no cinema no filme indie “Earthling” (2010). Nesse filme abandonamos os temas da invasão, dominação e submissão para entrarmos em um campo mais metafísico e gnóstico: será que todos nós seríamos aliens aprisionados nesse mundo? Alienígenas aos poucos vão despertando nesse planeta e descobrem que na verdade não são quem pensavam ser. Um acidente de carro e um incidente em uma estação espacial são os acontecimentos que despertarão nos aliens humanos o desejo de retornar à suas origens. Seríamos todos nós estrangeiros nesse planeta e a nossa condição de estranhamento e alienação sintomas dessa verdade? Esse é o tema central de um subgênero que podemos nomear como filmes AstroGnósticos.

O Gnosticismo clássico nos ensinou que os seres humanos são criaturas celestes prisioneiras de um Demiurgo sádico e louco. Somos prisioneiros nesse planeta apenas para acalmar seu ego ferido. Todos nós, incluindo o Demiurgo, seriamos emanações do Pleroma ou da Plenitude e de lá fomos expulsos devido a uma espécie de terrível aborto cósmico: a Criação.

Por sua vez, o Gnosticismo Cristão nos ensina que Cristo era um ser puramente espiritual, um “aeon” que foi enviado a nós diretamente do Pleroma com o objetivo de nos despertar para a realidade de que somos prisioneiros de um Deus cego auxiliado pelos seus Arcontes. Despertarmos através do conhecimento trazido por Ele sobre a nossa verdadeira natureza e identidade.


        Esse núcleo do Gnosticismo foi desenvolvido pelo Cinema através do que denominamos como “filmes gnósticos” por meio de quatro categorias de narrativas:

(1) CosmoGnóstico: filmes que parecem inspirar-se na Cosmologia basilidiana (Basilides -117-138 DC - Filósofo gnóstico de Alexandria, possivelmente originário de Antioquia. Admitiu um princípio incriado, o Pai, cinco hipóteses emanadas dele e trezentos e sessenta e cinco céus, um dos quais é o nosso mundo comandado pelo Demiurgo - Yahweh, Jeová ou Javé). Filmes como “O Décimo Terceiro Andar” (1999) sobre pluralidade de universos simulados, multiversos ou, então, filmes como “Sr. Ninguém” (2009) que exploram o tempo como produtor de universos alternativos e falha cosmológica que nos aprisiona entram nessa categoria;

(2) TecnoGnóstico: “Matrix” e “Show de Truman” entram nessa categoria. Protagonistas prisioneiros de mundos que são simulações tecnológicas, sejam realidade virtual, mundos midiáticos, simulações computacionais etc.

(3) PsicoGnóstico: Novamente vemos o protagonista como prisioneiro, mas dessa vez é uma prisão interior, psíquica ou onírica. Filmes como “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, “A Passagem” e “Vanilla Sky” mostram personagens que sem saberem estão presos respectivamente, nas próprias memórias da mente, em um limbo entre a vida e a morte e em “sonhos lúcidos” artificialmente produzidos por uma corporação.

(4) AstroGnóstico: os seres humanos teriam sido o resultado de um enxerto na biologia dos primatas avançados feita por uma consciência alienígena espiritualmente superior. Os seres humanos estariam presos nesse planeta sofrendo, pois sua consciência não só é inadaptável como, apesar de viverem em um ambiente reconhecidamente belo, o atrito com essa existência cria estados emocionais que levam à depressão, assassinato em massa, loucura e destruição. Filmes como “O Homem Que caiu na Terra” (1974, onde um alien vem à Terra em busca de ajuda e é corrompido pela sociedade humana) com o gnóstico pop David Bowie e “The People” (1972 – onde uma comunidade isolada semelhante aos Amishs revela-se ser habitada por aliens que fugiram de um planeta em extinção) com o eterno Capitão Kirk de “Jornada nas Estrelas” William Shatner.

O filme “Earthling” enquadra-se nessa última categoria. “Você não é quem você pensa que é”, é a mensagem do filme cuja protagonista é Judith, uma jovem professora de uma high school que sofre um acidente automobilístico que resulta em aborto. O acidente coincide com um misterioso evento cósmico que atinge uma estação espacial onde dois astronautas morrem e o único sobrevivente chega em coma na Terra.

O Filme


Após o acidente Judith começa a parecer distante, a sofrer pesadelos com pessoas que ela jamais viu na vida até conhecer uma aluna chamada Abby que faz uma personagem ao estilo espírito livre/hippie e que, para completar, ainda dirige uma Kombi – um dos símbolos do movimento hippie dos anos 1960-70.

Enquanto cresce uma tensão erótica entre elas, (Abby parece ser uma lésbica sexualmente agressiva) aos poucos a aluna começa a revelar a sua natureza e a Judith sua verdadeira condição: eles não pertencem aqui, e o grupo à qual Abby pertence conta com ela para libertá-los desse planeta. A partir daí Judith mergulha em um submundo repleto de assassinatos (assassinam pessoas para tornar seus corpos hospedeiros), insanidade e uma menina grávida. Judith passa a ficar cada vez mais alheia à sua vida, ameaçando perder o seu emprego e marido.

Como é clássico em uma narrativa AstroGnóstica, tanto o protagonista como o espectador não têm certeza se os personagens que fazem a revelação estão dizendo a verdade ou são todos loucos assassinos de alguma seita dominada por uma ilusão coletiva. Mas Judith, assim como os integrantes do grupo, passa a desenvolver na testa um tumor semelhante a chifres: um sinal de que os organismos de acolhimento não suportam a presença alienígena.

Ao mesmo tempo vemos o colapso emocional do último sobrevivente da estação espacial, as tentativas de romper a sua amnésia com técnicas de hipnose e, finalmente, a sua conexão com o grupo alien que tenta retornar para suas origens

Aliens e Estrangeiros


Em postagem anterior dizíamos que a subjetividade contemporânea é expressa a partir de três tipos de protagonistas básicos no cinema: o detetive, o viajante e o estrangeiro. O subgênero AstroGnóstico é aquele que melhor simboliza a condição humana como a do estrangeiro: aquele que não se sente em casa em lugar nenhum.
 A condição humana como a de um alienígena é a da sensação de estrangeiro dentro do seu próprio país, vivem um auto-exílio. Sente não pertencer ao mundo, está em constante mal-estar e à deriva. O que está errado? Tudo parece estar no lugar, seguindo os padrões e expectativas do status quo. O estrangeiro pressente a inautenticidade do mundo em que ele está. Demonstra desdém aos papéis sociais, padrões, modelos de felicidade. É um melancólico. Pretende se reconhecer no submundo, nas ruínas, em todos os lugares que estão acabando, no erro, no suicídio, na morte. Este fascínio pelo universo loser levará o protagonista a um confronto final contra o Demiurgo que criou este mundo inautêntico que o rodeia.
                Como no filme “Eathling” essa condição de alienação e estranhamento é representada por situações de perda de consciência (acidente, coma etc.) que faz o protagonista despertar, passando a ver o mundo de uma maneira bem diferente do que era.  Por isso, a atração do protagonista apor outros estrangeiros – atração pelos losers, por personagens de submundos, por minorias etc.
                
              Em “Earthling” a condição de estrangeiro é levada à sua radicalidade: “Você não é quem você pensa ser”, isto é, sua condição de estrangeiro não garante nem a sua própria identidade. Isso é o que faz distingui o filme AstroGnóstico de filmes com aliens perdidos na Terra (ET, 1982), que chegam à Terra com mensagens virtuosas para a humanidade (O Dia Em Que a Terra Parou, 1951), ou o alien como invasor que ameaça à espécie humana (“Invasores de Corpos”, 1956). No filme Astrognóstico, o alien pode ser tanto um ser que decaiu e esqueceu suas origens extraterrestres ou estar em processo de degeneração e corrupção ao perder suas memórias e poderes ao tentar se disfarçar como um homem como no filme “O Homem Que Caiu na Terra” de 1976.
                
              Filmes AstroGnósticos como “Earthling” demonstra que alcançamos a maioridade do tema “alienígena”: abandonamos s temas da invasão, poder e dominação para adentrarmos ao campo radicalmente metafísico: na verdade os aliens somos nós mesmos dentro de um mundo que parece nos expulsar.

Ficha Técnica

  • Título: Earthling
  • Diretor: Clay Liford
  • Roteiro: ClayLiford
  • Elenco: Rebecca Spence, Peter Greene, William Katt, Amelia Turner
  • Produção: Well Tailored Films, Zero Trans Fat Productions
  • Distribuição: CineBinario Films (DVD)
  • Ano: 2010
  • País: EUA


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