quarta-feira, julho 11, 2012

Terrorismo e a propaganda política no filme "Iron Sky"

Imagine uma co-produção finlandesa, alemã e australiana que mistura “Star Wars”, bases lunares nazistas, filme “Independence Day”, a republicana Sarah Pallin na presidência dos EUA, Naziexploitation e um astronauta negro símbolo do marketing político dos republicanos que cai nas mãos dos nazistas lunares para ser embranquecido e tornar-se ariano por médicos da SS. Pois essa combinação delirante foi premiada no Festival de Cinema Fantástico de Bruxelas e no Festival de Berlim. É o filme “Iron Sky” (2012). Pode parecer um pastiche de inconsequente humor negro, mas por trás dessas camadas de puro absurdo estão interessantes insights sobre o terrorismo de Estado e propaganda política além de fazer refletir sobre a natureza das teorias conspiratórias contemporâneas.


“De onde somos? Da Terra. E quando nós saímos? 1945. E para onde nós fomos? Para o lado escuro da Lua!!! Salve Hitler!” Essa é uma das primeira sequências de “Iron Sky” onde acompanhamos  uma aula na escola infantil dentro de uma gigantesca base lunar com tecnologia e arquitetura retro e com astronautas trajando roupas que parecem ter saído de algum brechó temático da II Guerra Mundial. Mas é uma base lunar para onde os nazistas fugiram após a invasão Aliada na Alemanha no final da Guerra para se esconder no lado escuro da Lua. Lá planejam a grande invasão à Terra para construir dessa vez o IV Reich.

Tudo vai bem até serem incomodados com a chegada do primeiro astronauta americano naquela região, James Washington (Christopher Kirby), em uma missão que é um produto da propaganda política de uma ultraconservadora  Sarah Palin (“Um Negro na Lua. Sim! Ela Pode!” – é o slogan da campanha da presidenta à reeleição). Prisioneiro, os nazistas roubam seu celular e descobrem uma tecnologia muito mais avançada que pode colocar em ação a maior de todas as armas: a gigantesca nave “Crepúsculo dos Deuses” – uma espécie de “Estrela da Morte” como no filme “Star Wars”.

Mas a bateria do celular acaba. Eles precisam de outro celular. Decidem enviar um pequeno grupo à Terra, junto com o astronauta James que, submetido aos tratamentos dos médicos da SS, torna-se ariano (!) – em uma hilariante referência ao filme “Dr Fantástico” de Kubrick, constantemente seu braço direito quer fazer a saudação nazi, mas é contido pelo esquerdo...

domingo, julho 08, 2012

A história secreta da Moda e dos manequins



Os modernos manequins nas vitrines dos shoppings são herdeiros de uma longa tradição do fascínio humano por bonecos, fantoches, autômatos e demais simulacros humanos. Esse fascínio teria suas origens mágicas e herméticas na Teurgia e Alquimia. Se isso for verdadeiro, a história dos manequins revelaria uma nova narrativa sobre a Moda que vai além dos tradicionais discursos antropológico e semiótico/linguístico. Uma narrativa que descreveria a história de como o corpo humano foi ao poucos transformado em um “golem” (o “não formado”): um corpo inanimado à espera de um Espírito (o “Estilo”) que lhe traga a vida.

sexta-feira, julho 06, 2012

O que há em comum entre a fotografia e o dinheiro?

Com essa pergunta não queremos falar sobre a profissionalização da fotografia ou sobre os conflitos entre a arte e a mercantilização. Estamos mais interessados em encontrar as semelhanças entre essas duas invenções no plano do imaginário social. Devido à função de representação que eles carregam (representar o real e a riqueza), a sociedade investe neles um alto valor moral: respectivamente objetividade e verdade; gratificação pelo empreendimento pessoal. Porém, a "obesidade" tecnológica parece inverter essa função ao reservar à fotografia e ao dinheiro o destino da dissimulação, simulação e hiper-realidade.

A fotografia e o dinheiro talvez sejam as principais bases imaginárias do Capitalismo. A primeira foi a invenção que deu início de toda a civilização da imagem, do espetáculo e das celebridades; e o segundo foi o instrumento para a criação de um princípio geral de equivalência, troca e unidade contábil através da qual todas as qualidades (objetos, valores, desejos e até sentimentos) podem ser quantificadas em um sistema de calculo universal.

A invenção da fotografia se desdobrou em uma série de subprodutos: fotojornalismo, foto publicitária, fotografia de viagem, retratos, foto-arte etc.; e o dinheiro em papel-moeda, cheque, crédito, dinheiro digital etc..

Embora gêneros de diferentes mundos (o cultural e o econômico) capazes de assumirem diferentes formas, um princípio único e mais básico os torna comuns: ambos são exemplos do primado da ordem da representação no Ocidente. Esse “partido da representação” pode ser formulado da seguinte maneira: em toda e qualquer forma de representação alguma coisa se encontra no lugar de outra coisa. Representar significa o outro do outro. Seriam exemplos do desejo humano em simbolizar, representar o que vê, o que sente e o que produz.

Tanto a fotografia quanto o dinheiro partilham de um poder de representação, isto é, a existência de uma relação semiótica de similaridade entre o negativo ou a foto impressa com o referente “real” ou uma relação semiótica simbólica entre um pedaço de metal ou plástico com uma quantidade de riqueza econômica correspondente.

terça-feira, julho 03, 2012

Filme "Eva": o que você vê quando fecha os olhos?

A chamada “senha sagrada”, a pergunta “o que você vê quando fecha os olhos?”, é uma bomba lógica e fatal para os robôs no filme espanhol “Eva” (2011), usada em situações extremas quando o robô deve ser imediatamente “desligado”. Com temática semelhante a “I.A.” (2001) de Spielberg, o diretor Kike Maíllo evitou os clichês dos mundos sombrios, pós-apocalípticos e distópicos para colocar a questão em um futuro próximo ao focar os robôs dentro do problema central da inteligência artificial: a lógica linear e binária dos robôs não consegue entender os paradoxos lógicos como o que está contido nessa pergunta fatal. Sem vida interior os robôs somente enxergam a escuridão. Isso até tentarem fazer um robô especial que seja capaz de ver a Luz da consciência, mas com perversas consequências. Filme sugerido pelo nosso leitor Fábio Hofnik.

“EVA” é um desses filmes difíceis de serem resenhados porque qualquer coisa que se escreva sobre ele corre o risco de transformar-se em um grande spoiler, matando a graça da narrativa. Isso porque o filme consegue realizar uma coisa que é o sonho de todo roteirista: uma narrativa bem amarrada a partir de um gancho perfeito. No caso de “Eva” o gancho é uma pergunta denominada por um dos personagens como “a senha sagrada”: “O que você vê quando fecha os olhos?” Uma pergunta que somente pode ser formulada a um robô em casos extremos, quando não resta outra alternativa. Em quais casos extremos? Quando robôs irremediavelmente se danificam, algumas vezes a ponto de ameaçarem seres humanos. Ao ouvir a pergunta, o robô imediatamente entra em colapso e desliga.

Em um futuro bem próximo, Alex Garel (Daniel Brühl – “Adeus Lênin” e “Bastardos Inglórios”) é um famoso programador de robôs que retorna à sua cidade natal dez anos depois para reencontrar sua antiga Universidade de Robótica e seu amor Lana (Marta Etura), pesquisadora e professora da Universidade, mãe de uma menina chamada Eva. Agora casada com o irmão de Alex (David Garel – Alberto Ammann), cria-se um triângulo amoroso que irá se tornar no tenso pano de fundo do projeto que envolverá todos: a criação de uma nova linha de robôs livres e autônomos.

Em busca de uma personalidade infantil ideal para servir de modelo para desenhar um inédito programa de personalidade para esse novo robô, Alex encontra na menina Eva a criança perfeita: inteligente, perspicaz e criativa.

domingo, julho 01, 2012

Meios "Quentes" e Meios "Frios" - paradoxos das produções midiáticas

Um dos aforismos mais conhecidos de McLuhan é "o meio é a mensagem". Para ele, o conteúdo de uma mensagem não tem uma grande importância. O meio muda mais do que a soma das mensagens incluídas nesse meio. As mesmas palavras ditas de forma presencial, impressas em papel ou apresentadas na televisão fornecem três mensagens diferentes. Oral, escrito ou eletrônico, o canal primário da comunicação molda o modo como entendemos o mundo. O meio dominante numa época domina as pessoas. A partir dessa ideia podemos entender os diversos paradoxos que envolvem a produção midiática e os fenômenos de recepção e das novas linguagens. 

1. Paradoxo Fascinação versus Dispersão


O fato de a televisão e o rádio terem sido as mídias de massa mais bem sucedidas e longevas, no século XX é um verdadeiro milagre pelo ponto de vista técnico da teoria da comunicação. Principalmente no que se refere à televisão: a invenção desta mídia tinha tudo para dar errado.

Ao contrário do que pensamos, a história das invenções na área de comunicação é também a história também das reações negativas e resistências. Desde o surgimento da fotografia até a apresentação pública da televisão para um público estupefato, o que vemos é muito menos uma recepção calorosa como se as pessoas estivessem necessitando delas há muito tempo, e muito mais reações iniciais de estranhamento e até resistência.

sábado, junho 30, 2012

O sentido do lazer e o lazer sem sentido no curta "Leisure"

O curta australiano de animação premiado com o Oscar “Leisure” (1976) e o filme italiano “A Classe Operária Vai ao Paraíso” (1971) foram repercussões audiovisuais das discussões da chamada “New Left” (Nova esquerda) nos anos 1960-70 quando, diante do enfraquecimento do movimento operário no capitalismo avançado, sentiu a necessidade de politizar o “lazer” como a resultante da dominação do tempo livre pela indústria do entretenimento. Ambos os filmes exploram a situação paradoxal onde trabalho e lazer ao mesmo tempo se opõem e tornam-se semelhantes.

Muito tempo antes de se falar em “ócio criativo” e as conexões entre lazer e ócio na sociedade pós-industrial, um curta de animação era premiado em 1976 antecipando essas discussões. É o curta chamado “Leisure” do animador e cartunista político australiano Bruce Petty, premiado com Oscar de melhor curta de animação. Depois o filme ganhou vários prêmios em festivais internacionais de cinema.

O estilo de animação lembra muito a dos filmes do grupo inglês de humor Monty Python. O filme traça a trajetória do lazer ou tempo livre desde a pré-história, mais precisamente a partir do momento em que o aprimoramento do pensamento racional resultou em uma divisão nas sociedades humanas entre dois grupos: os que ficam sentados sonhando e resolvendo problemas e os que ficam em pé trabalhando. Elite e trabalhadores. Esses que ficam sentados começam a produzir arte e cultura para consumo próprio: surge o “lazer”.

Com o Iluminismo e a formulação dos direitos e a igualdade humana, esses trabalhadores são levados para dentro do universo do lazer por meio da industrialização do entretenimento. Com a popularização da eletricidade desenvolve-se a indústria de massa de entretenimento nos grandes centros urbanos o que trará um resultado paradoxal: lazer e trabalho serão experimentados simultaneamente como opostos e semelhantes – o primeiro mais prazeroso do que o segundo e as formas de lazer e do próprio estilo de vida nos centros urbanos serão tão passivos e sem imaginação quanto o trabalho rotinizado.

quinta-feira, junho 28, 2012

A crise da utopia espacial no curta "Waltz For One"

Enquanto EUA e URSS disputam a corrida espacial dos anos 1960, um excêntrico milionário financia sua própria viagem espacial buscando quebrar o recorde de permanência solitária em orbita da Terra. Mas um irritante “beep” de mau funcionamento do sistema somado à claustrofobia e delírio no interior de uma minúscula cápsula ameaçam a missão. Esse é a sinopse do curta “Waltz For One”  (“Valsa para Um”, em uma tradução literal) lançado esse mês pelo coletivo de artistas “Intellectual Propaganda” que é muito mais do que uma paródia a clichês e filmes do gênero (entre eles, “2001” de Kubrick): é uma melancólica desconstrução do gênero ficção científica, enfraquecido na pós-modernidade porque perdeu a própria essência que o constituía: a visão confiante e utópica no futuro. Veja o curta no final desse post.

Em uma alternativa década de 1960, enquanto americanos e soviéticos se engalfinhavam em uma competição política pela conquista da vanguarda na corrida espacial, um excêntrico milionário chamado Arthur Whitman procura por sua própria conta a glória estelar. Através de uma viagem espacial autofinanciada, Whithman pretende quebrar o recorde de permanência no espaço ao tentar ficar em órbita da Terra por uma semana, solitário em uma claustrofóbica cápsula.

Cair nas profundezas do espaço já é perigoso o suficiente, ainda mais solitário e ainda mais quando as coisas começam a dar errado: no meio da tensa contagem regressiva das horas pelo painel da cápsula em seu teste de resistência, Whitman perde diversas vezes contato com a base e um irritante aviso sonoro de mau funcionamento do sistema toca continuamente. Whitman mal consegue se mexer ou respirar na apertada cápsula.

segunda-feira, junho 25, 2012

A privatização das relações humanas no filme "Amor Por Contrato"

Mesmo confinado dentro dos limites de um gênero hollywoodiano, "Amor Por Contrato" (The Joneses, 2009) tematiza o resultado de táticas híbridas de publicidade que cruzam conceitos como de "marketing invisível" e "reality show": a privatização das relações humanas. Influenciar "alvos" sem parecer ser uma informação comercial por meio de "agentes" ("trendsetters", atores ou perfil fake), o chamado "marketing invisível" exploraria o endosso da credibilidade e autenticidades das relações pessoais em uma época onde os consumidores cada vez menos confiam na publicidade tradicional.


Leia essas duas afirmações abaixo:

(a) “Já estamos cansados de atores com emoções falsas. Cansados de pirotecnias e efeitos especiais. Aqui não há roteiros. Não é sempre um Shakespeare, mas é genuíno. É uma vida. Para mim, vidas particular e pública são iguais. É tudo verdade, tudo real, nada aqui é falso”

(b) “Sem colocar o produto na vida real, não há marketing invisível que possa ajudar. Você verá pessoas reais sendo patrocinadas por companhias. Elas não são superstars, mas pessoas comuns, e isso será barato, efetivo e com mais credibilidade”

A afirmação (a) pertence ao mundo da ficção e a (b) ao mundo real. Na primeira afirmação temos a fala de abertura do filme “Show de Truman” onde Christoff, o produtor de um gigantesco reality show, justifica o programa; e na segunda afirmação, temos a fala de Jonathan Ressler, pioneiro da estratégia de “marketing invisível”. Apesar das afirmações provirem de mundos diferentes, o leitor percebeu a semelhança entre elas?

Tanto e (a) quanto em (b) temos exemplos de “privatizações” de relações humanas. A diferença está na escala: em Show de Truman, Christoff privatiza a vida de um indivíduo (confina Truman em um “reality show desde o seu nascimento) para conseguir audiência de TV; enquanto em (b) temos uma estratégia de privatização de relações humanas em larga escala por meio de redes sociais e relações sociais face-a-face para o lucro de empresas e corporações.

Assistindo a uma revista de notícias na TV, Derrick Borte (um artista plástico que virou jornalista e depois virou produtor e diretor de comerciais) viu uma matéria sobre “marketing invisível”: pessoas não sabiam que turistas mostrando uma nova câmera casualmente em abientes públicos ou uma menina bonita pedindo determinada marca de vodka em um bar eram atores contratados para expor produtos a clientes em potencial. Somado ao seu fascínio por “reality shows”, Borte acabou tendo a ideia do roteiro e dirigiu o filme “Amor por Contrato”, o seu primeiro filme.

quinta-feira, junho 21, 2012

Os deuses estão mortos no filme "Prometheus"



A crítica especializada e os fãs de sci fi e da franquia de filmes “Alien” têm se demonstrado decepcionados com “Prometheus” (2012) onde Ridley Scott retorna ao gênero que o consagrou. Todos procuraram nesse filme as explicações para o que se sucedeu antes da chegada da nave Nostromo naquele planeta perdido onde a morte estava à espreita no clássico “Alien” de 1979. Mas parece que Ridley Scott pregou uma peça em todos. “Prometheus” aproxima-se muito mais dos temas do outro clássico “Blade Runner” (1982) que também dirigiu: assim como o replicante Roy buscava seu criador em uma sombria Los Angeles, em “Prometheus” arqueólogos procuram os “Engenheiros” da humanidade. Como em “Blade Runner”, humanos e androides vão encontrar demiurgos tão desiludidos quanto eles mesmos. Descobrirão isso da pior maneira possível.

terça-feira, junho 19, 2012

Edgar Allan Poe, a tortura e a ditadura militar

Dando sequência às adaptações dos contos de Edgar Allan Poe realizadas pelos alunos da disciplina Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicações da Universidade Anhembi Morumbi, temos o vídeo “Somos Todos Filhos de Deus”. Inspirado na música “Deus lhe Pague” de Chico Buarque, transpõe o terror e delírio do protagonista do conto “O Poço e o Pêndulo” para os porões da tortura durante os “anos de chumbo” da ditadura militar brasileira. O vídeo consegue captar dois elementos universais do conto de Allan Poe: a manipulação do tempo e espaço como técnica histórica nas torturas e inquisições e o simbolismo metafísico do poço, que o autor norte-americano apenas sugere no conto, mas o vídeo vai explorar até as últimas consequências.

O conto “O Poço e o Pêndulo” do escritor norte-americano Edgar Allan Poe é um típico exemplo clássico do estilo gótico e de terror psicológico no qual era mestre. Ao contrário dos demais autores que se concentrava no terror externo, Poe prestava atenção ao terror originado no interior do próprio protagonista. Como era do seu estilo, o conto inicia com uma descrição objetiva de tempo e espaço que vai, aos poucos, misturando-se com o delírio e terror da gradiente de sentidos do personagem (visual e auditivo no caso desse conto). Tempo e espaço objetivos misturam-se com tempo/espaço psicológicos.

“O Poço e o Pêndulo” narra o julgamento e a condenação de um rebelde que, após receber a sentença dos inquisidores, é atirado inconsciente em um calabouço onde sofrerá diversas torturas físicas e psicológicas. Ao tentar reconhecer o lugar onde estava se depara com um poço que lhe desperta os mais terríveis pressentimentos quanto ao seu destino naquela cela.

domingo, junho 17, 2012

Reflexões sobre um filme da Sessão da Tarde

Uma cidadezinha chamada Redbud tenta imitar os personagens e cenários das famosas capas da revista "The Saturday Evening Post" feitas pelo conhecido ilustrador Norman Rockwell. Objetivo: transformar a cidade num cartão postal para atrair incautos compradores de uma fazenda. "Uma Fazenda do Barulho" (Funny Farm, 1988) é uma das típicas comédias românticas de Sessão da Tarde da TV, mas encontramos na sua narrativa uma sequência antológica que apresenta de forma hilária e sintética todas as discussões acadêmicas sobre a contaminação da realidade pelos simulacros e hiper-realidade da civilização das imagens. Redbud tenta tornar-se nostálgica de uma época que jamais existiu.


“Uma Fazenda do Barulho” é uma dessas comédias românticas que passavam nas sessões da tarde da TV brasileira. O ator Chevy Chase, famoso na TV americana trabalhando no “Saturday Night Live” durante os anos setenta, já era um astro que tentava repetir com esse filme o sucesso de “Férias Frustradas”. Mas acabou sendo um fracasso, embora dirigido por George Roy Hill de “Butch Cassidy” e “Golpe de Mestre”.

Porém, em “Uma Fazenda do Barulho” há uma sequência ao mesmo tempo hilária e antológica onde, para tentar desesperadamente atrair compradores para sua fazenda, o casal de potagonistas Andy (Chevy Chase) e Elizabeth (Madolyn Osborne) elabora um irônico plano baseado no hiperrealismo das ilustrações do famoso artista plástico Norman Rockwell, autor das célebres capas da revista norte-americana “Saturday Evening Post” (veja video abaixo). Essa sequência acabou tornando-se um didático exemplo para ilustrar as discussões acadêmicas em torno dos conceitos de “simulacro” e “hiper-realismo” e como, na prática, essas noções invadem o cotidiano.

quinta-feira, junho 14, 2012

Uma Disneylândia mortal no filme "Westworld"

Uma Disneylândia hightech para adultos milionários onde todos podem realizar suas fantasias de sexo e violência. Reproduções de mundos do passado habitados por ciborgues programados para serem assassinados ou seduzidos. Do mesmo autor do  livro "Jurassic Park", o filme "Westworld - Onde Ningém Tem Alma" (1973) de Michael Crichton parece prenunciar a necessidade ideológica de um mundo onde os parques temáticos esconderiam a infantilidade que já estaria em toda parte. Coincidentemente, esse clássico surge dois anos depois da inauguração da Walt Disney World nos EUA e do "Nixon Shock", conjunto de decisões do então presidente que criaram as bases da transformação do mundo financeiro em um verdadeiro cassino.

Imagine uma Disneylândia para adultos onde cada mulher e cada homem pudesse viver suas fantasias ao salgado preço de mil dólares por dia. Isso é Délos, o estado da arte dos parques temáticos onde todos podem viver suas fantasias em três mundos: o Romano, o Medieval e o “Westworld”, um mundo que reproduz o velho Oeste da fronteira dos EUA. Todos esses mundos são habitados por ciborgues armados com revólveres ou espadas, mas programados para perder em duelos ou serem seduzidos pelos visitantes.

“Westworld”, onde nada pode dar errado... exceto quando uma estranha forma viral de erro na programação das máquinas começa a produzir disfunções generalizadas no parque e, gradualmente, os ciborgues começam a adquirir autonomia e passam a se vingar dos milionários turistas. Todos liderados por um insólito Yul Brynner robótico que revive seu famoso personagem pistoleiro do filme “Sete Homens e Um Destino” (1960) e que persegue obsessivamente um dos turistas com sede de vingança.

sábado, junho 09, 2012

Edgar Allan Poe Gnóstico: os vídeos

Vamos dar início a uma série de postagens com vídeos produzidos pelos meus alunos da Disciplina Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi. Foi proposto para eles o seguinte desafio: fazer roteiros literários livremente adaptados de contos do escritor norte-americano Edgar Allan Poe. Porém, deveriam manter o núcleo do argumento, ou seja, as atmosferas góticas e reflexões metafísicas e gnósticas do autor. Esses são os primeiros vídeos resultantes desses roteiros.

Edgar Allan Poe (1809 - 1849) foi o primeiro escritor do continente americano a influenciar os rumos da literatura para além do seu país. Se Freud ao visitar os EUA e avistar a Estátua da Liberdade teria dito “não sabem que estamos lhes trazendo a peste”, um século antes Allan Poe já havia contaminado o mundo com o seu gótico “impulso pelo perverso” cuja psicanálise é um dos seus frutos.

Seus contos e poemas estão repletos de uma metafísica gnóstica: um dualismo radical que vê a alma como aprisionada na materialidade do mundo como uma prisão e a única forma de escapar é através de um supremo ato de autoconhecimento, a gnose. Daí o fascínio de Allan Poe por personalidades divididas, pela Queda, desamparo, saudades, latência, dormência, intoxicação.

Seus relatos sempre começam como relatos sóbrios e verídicos que logo mergulham em atmosferas de horror crescente até adquirir tons fantásticos e metafísicos. Allan Poe tinha o talento para descrever situações intoleráveis onde sua clareza analítica revelava o prazer mórbido do autor em se aprofundar nas origens dos impulsos da natureza humana e na sua condição de estrangeira ou de exilada em um mundo cujo Deus é o do Abismo.

quinta-feira, junho 07, 2012

A controvérsia dos games violentos

“Você joga games? Não? Então, como quer criticá-los”, defendem-se os usuários de jogos por computador diante das velhas e moralistas críticas de pesquisadores ainda presos a conceitos como “influência”, “comportamento” e “efeito subliminar”. Ambos os lados da controvérsia em torno dos games violentos não conseguem se desvencilhar de duas armadilhas que travam o debate: de um lado a defesa reflexa do “gosto não se discute” e, do outro, críticas ainda presas a modelos mecanicistas e comportamentais de comunicação. Uma pesquisa realizada por alunos da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (UAM/São Paulo) a partir de uma enquete feita com desenvolvedores de jogos e especialistas na área de sociologia e psicologia apontou para um enfoque alternativo a essa controvérsia: o problema dos games violentos não estaria na “influência” mas na alteração cognitiva da percepção da realidade. 

Na controvérsia em torno da suposta influência em jovens e adolescentes dos games de computador violentos, ambos os lados apresentam argumentos ou como mecanismos de defesa ou com modelos científicos defasados que ainda tentam hoje aplicar em mídias digitais e interativas.

De um lado os usuários de games. Tente articular algum pensamento mais crítico a respeito e logo ouvirá a pergunta: “Você joga games? Não! Então, como quer criticá-los”. Essa defesa reflexa faz lembrar a mesma reação que jornalistas tiveram quando o sociólogo francês Pierre Bourdieu lançou o livro “Sobre a Televisão” com precisas e cortantes críticas ao campo jornalístico: “Como Bourdieu pode nos criticar, ele não é jornalista!”, diziam a maioria dos jornalistas à época. É como se diante desse espírito corporativista fosse impossível qualquer pensamento científico ou crítico a partir de fora.

Do outro lado, os pesquisadores com os velhos modelos científicos de comunicação baseados em noções como os de “influência”, “comportamento”, “efeito subliminar” etc.

quinta-feira, maio 31, 2012

Vídeo "Paranoia Tecnológica"

O que aconteceria se, de repente, todos os equipamentos de comunicação de sua casa deixassem de funcionar: celulares, computador, notebook, Ipads, Iphones e assim por diante? Provavelmente, o usuário rotineiro desses dispositivos de comunicação seria tomado pela ansiedade, medo, sensação de vazio e, por fim, a paranoia. Esse é o tema do curta “Paranoia Tecnológica”, de Gabriela Pagliuca, aluna do curso de Jornalismo. O vídeo fez parte do trabalho de conclusão da disciplina Estudos da Semiótica que leciono no curso da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (UAM/São Paulo) cujo tema era “Obsolescência Planejada”


A narrativa do curta procurou traduzir em imagens algumas ideias discutidas em torno das relações cada vez mais fetichistas que temos com os gadgets tecnológicos: investir os objetos tecnológicos de um valor imaginário onde eles teriam o poder, por si só, de criar uma comunhão ou relacionamentos da mesma magnitude das relações face-a-face. O poder do modem, a velocidade da conexão, a atualização dos aplicativos ou a alta performance da placa de vídeo ou do processador seriam investidos de um valor fetichista onde a potência tecnológico seria igual à possibilidade de produzir gratificação, afetos e reconhecimento.

Com a obsolescência acelerada e planejada pelos fabricantes desses gadgets, a necessidade pelo consumo de cada “novo” aplicativo, atualização ou simples descarte do que já possui torna-se um imperativo que se transforma numa espécie de imposição moral: você sente-se culpado se estiver desatualizado.

O que acaba produzindo uma relação de vício e compulsão semelhante à dependência química tal como revelado por pesquisa recente pela Universidade de Maryland, EUA , sobre os sintomas dos usuários em situações de privação de tencologias de comunicação  ou a pesquisa da Universidade de Bergen, Noruega, sobre a chamada “Escala de Vício pelo Facebook” (sobre isso veja a postagem anterior nos links abaixo).

Confira o vídeo a seguir:

quinta-feira, maio 24, 2012

Pesquisas revelam a influência, vício e narcisismo no Facebook

As redes sociais devem ser pensadas a partir de conceitos como influência, vício e narcisismo. Essa é a interpretação de um trabalho de conclusão da disciplina Estudos da Semiótica, que eu ministro dentro do curso de Comunicação Social da Universidade Anhembi Morumbi (UAM/São Paulo), a partir dos dados de pesquisas empíricas realizadas nos EUA e Noruega sobre usuários do Facebook e redes sociais. A informações levantadas por essas pesquisas mudariam o foco da discussão: a questão não é a tradicional oposição entre os mundos real/virtual, mas a relação fetichista e de viciosidade com os gadgets tecnológicos que se inicia na própria sociedade de consumo, além da diluição das fronteiras entre a vida pública e a privada.

Falar mal das redes sociais, assim como de games de computadores, parece ter se tornado um lugar comum, mas o diferencial dos resultados apresentados nesse trabalho intitulado "Escola de Frankfurt e Redes Sociais" (do grupo de alunos formado por Aline Mathias, André Pinheiro, Bruno Cagide, Danilo Alves, Danilo Menezes, Karolina Garcia e Luely Vaz) é que eles se basearam em duas pesquisas empíricas realizadas recentemente com usuários de redes sociais em várias partes do mundo.

A primeira pesquisa foi a realizada pela Universidade de Maryland, nos EUA, levada a cabo em 2011 a partir de um universo de mil universitários de 37 países entre 17 e 23 anos. Os grupos em estudo foram impedidos de usar celulares, redes sociais, internet e TV por 24 horas. Somente poderiam usar telefone fixo e livros e tinham de manter um diário. Segundo os investigadores, 79% dos estudantes relataram sintomas análogos às síndromes de abstinência química: desespero, “esvaziamento”, ansiedade, confusão e isolamento.

Um em cada cinco alunos relatou sentimentos de abstinência, enquanto 11% disseram que estavam confusos ou se sentiam fracassados. Quase um em cinco (19%) relataram sentimentos de angústia e 11% afirmaram que se sentiam isolados. Apenas 21% admitiram que poderiam sentir os benefícios de ficar incomunicáveis (veja: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=48447&op=all).

sábado, maio 19, 2012

A História Secreta do Rock 'n' Roll

O rock 'n' roll seria uma expressão renovada de mistérios antigos profundamente enraizados na cultura contemporânea, como os de Orfeu, Cibele, Átis, Isis, Mitra, Druidas e toda uma conjunto de escolas antigas herméticas. Essa é a premissa do livro “The Secret History of Rock 'n' Roll” do pesquisador e editor de comic books Christopher Knowles. O autor vai além dos estereótipos sobre a presença do ocultismo e esoterismo na cultura pop como expressões da megalomania e hedonismo dos astros do rock. O autor vai encontrar uma linha de transmissão dos mistérios herméticos da antiguidade até a modernidade, demonstrando como um gênero musical marcado pelo descompromisso e rebeldia juvenil evoluiu para formas estéticas simultaneamente introspectivas e críticas.

Há uma história de um repórter que entrevistou Jim Morrison (vocalista da banda The Doors) depois que ele havia gravado “Dionysus”: “Mr. Morrison, você está tentando imitar Dionísio?”, perguntou o repórter que teria ouvido a seguinte resposta: “Não. Eu sou Dionísio!”

Do rock progressivo ao hardcore, do punk ao psicodélico, do glam rock ao heavy metal existiria um traço comum que uniria todos os subgêneros que explodiram na história do rock and roll: um especial tipo de introspecção onde músicos e fãs sentir-se-iam como iniciados em algum tipo de escola de mistérios e a audição e performance musicais seriam como ritos religiosos onde seria recriada a sensação de transcendência para entrar em um mundo diferente, cheio de mistério e perigo.

O rock and roll seria uma expressão renovada de mistérios antigos profundamente enraizados na cultura contemporânea, como os de Orfeu, Cibele, Átis, Isis, Mitra, Druidas e toda uma miríade de escolas antigas herméticas. Essa é a premissa do livro “The Secret History of Rock 'n' Roll” de Christopher Knowles, escritor e editor de comic books e pesquisador sobre simbologias na cultura pop, com diversos trabalhos publicados nessa área.

sexta-feira, maio 18, 2012

A globalização do "salve-se quem puder" no filme "Nove Rainhas"

O filme argentino “Nove Rainhas” (Nueve Reinas, 2000) do falecido diretor Fábian Bielinsnky continua ainda desconhecido no Brasil. Embora reflita o colapso econômico argentino do final da década de 1990 e a amoralidade que a corrupção e a inflação estariam provocando na cultura nacional, permanece bem atual. O impacto mundial (nos EUA mereceu um remake de qualidade bem inferior) da saga de dois anti-heróis trambiqueiros que descobrem que, na verdade, a própria sociedade é feita de pequenos e grandes golpes, fez Bielinsky afirmar que o sucesso do filme simbolizaria “a globalização do salve-se quem puder”. Provavelmente porque Bielinsky explora dois grandes arquétipos da literatura e do cinema: o "Pícaro" e o "Trickster".

“Nove Rainhas” (Nueve Reinas, 2000) se tornou um dos mais aclamados filmes argentinos recentes. Quase não foi visto no Brasil, renegado apenas a festivais e obscuras exibições. Nos EUA fez tanto sucesso que rendeu um remake com qualidade inferior chamado “171” (Criminal, 2004).


À primeira vista o filme se trata de mais uma estória de anti-heróis, pobres diabos que vivem de pequenos golpes na espera de encontrar a oportunidade de aplicar a grande e definitiva trapaça que o faça subir na vida e ser respeitado por todos. Mas há algo de perturbador no roteiro escrito e dirigido por Fábian Bielinsky: e se esse pobre diabo descobrir que, na verdade, a sociedade inteira é formada por anti-heróis e que jogos e trapaças já fazem parte da rotina de todos os níveis sociais, das ruas até as instituições? E se a sociabilidade for uma ficção necessária para encobrir esta realidade crua?

Toda a narrativa do filme se passa nas ruas e lugares públicos em Buenos Aires (bares, restaurantes e saguões de hotéis) em um espaço de tempo de pouco mais de 24 horas, da madrugada até a manhã do dia seguinte.


Marcos (Ricardo Darín) e Juan (Gaston Paulus) vivem de pequenos trambiques até encontrarem-se por acaso em um golpe malogrado em uma loja de conveniência. Tornam-se sócios em uma oportunidade que Marcos chama de “uma oportunidade em um milhão”: uma milionária negociação com um milionário espanhol envolvendo uma série de selos raríssimos falsificados, as “nove rainhas” do título. O negócio tem que ser realizado imediatamente, custe o que custar, já que o milionário deixará a cidade na manhã do dia seguinte. Enquanto o experiente golpista Marcos ensina ao jovem e inexperiente Juan os segredos do “ofício”, conta com a ajuda da irmã Valéria (Letícia Bredice) que trabalha no hotel onde o espanhol está hospedado. Mas questões familiares pendentes azedam a relação com a irmã, dificultando ainda mais o golpe milionário.

sexta-feira, maio 11, 2012

A Religião é um Meme?

Em 1976 Richard Dawkins sugeriu a existência de estruturas vivas que replicariam músicas, ideias, slogans e modas: os memes. De hipótese sugerida “en passant” no livro “O Gene Egoísta”, hoje se tenta transformar em área científica (a Memética) para entender o processo de transmissão e seleção natural dos memes principalmente nos ambientes digitais como Internet e redes sociais. Mas muito tempo antes de a Publicidade e o Marketing se interessarem pelo fenômeno, certamente a Religião foi a primeira instituição a por em prática as hipóteses da Memética, principalmente as chamadas “igrejas eletrônicas” (pentecostais e neopentecostais) que substituem as antigas liturgias pelos memes como forma de conexão entre o fiel e o plano do Divino.

Memes e memética não são conceitos novos. Falam-se deles desde 1976 quando Richard Dawkins no livro “O Gene Egoísta” desenvolveu a ideia de que a evolução das espécies não procede pelos interesses dos grupos, das espécies e, muito menos dos indivíduos. Mas no interesse dos genes. Eles seriam os verdadeiros replicadores e é a competição deles que dirige a evolução do design biológico. O indivíduo seria um mero veículo desses replicadores. Na verdade, seria apenas o resultado de uma associação desses replicadores formando configurações complexas, de um repolho até o ser humano.

No final do livro Dawkins se pergunta se não haveria outros replicadores. Sim, responde ele, e bem diante de nós: músicas, ideias, slogans, modas de roupas: os memes. Seriam como estruturas vivas as quais comparou com parasitas infectando o hospedeiro, agrupando-se e formando memes mais complexos, assim como os genes.

Ao invés de uma origem nobre com uma grande obra inaugural, a Memética surge, portanto, como uma proposta “en passant”. Na verdade a Memética não surge como uma teoria, mas uma analogia curiosa proposta por Dawkins. Trabalhos de pesquisadores posteriores como Aaron Lynch (Units, Events and Dynamics in Memetic Evolution) e Douglas Hofstadter (Matemagical Themes) tentaram trazer algum rigor científico.

Ironicamente a Memética foi vítima dos próprios mecanismos que ela descreve: ela própria virou um meme, disseminando-se como um hype da moda nesses tempos de redes sociais e Internet. Nunca se falou tanto em memes, que instantaneamente tornaram-se objeto de interesse pelo Marketing (viral, invisível, trendsetters etc.). O meme e a suposta ciência da Memética viraram instrumentos para tentar anabolizar a eficácia da Publicidade e da Propaganda.

domingo, maio 06, 2012

Um conto sombrio sobre o vazio moral do consumo no filme "Rosalie Vai Às Compras"

“Quando deve 100.000 o problema é seu, mas se você deve um milhão o problema é do banco”. É essa linha de diálogo solta no meio do filme “Rosalie Vai Às Compras” (Rosalie Goes Shopping, 1989) que sintetiza toda a crítica que o diretor alemão Percy Adlon faz da “doença contemporânea”: o cartão de crédito. Apesar da fotografia com muita luz e cores, uma trilha musical composta originalmente para o filme e muito bom humor, Adlon faz um conto sombrio sobre uma sociedade de consumo onde a única barreira para a realização dos desejos não é mais moral ou religiosa, mas financeira.

“Rosalie Vai às Compras é uma sátira ao consumismo, ao materialismo yuppie de uma década de 1980 conservadora de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, e que terminou em um violento crash da Bolsa de Nova York em 1988. Mas que continua ainda muito atual em uma época de crises financeiras globais, mais uma vez após outra década de conservadorismo neoliberal.

Rosalie (Marianne Sägerbrecht) é uma dona de casa alemã que vive dentro do sonho americano, morando interior do estado do Arkansas: tem um marido perfeito (um aviador de dedetização aérea), uma família maravilhosa com sete filhos e uma coleção de cartões de créditos falsos e talões de cheques “borrachas” tão vasta que consegue alimentar seus filhos como reis e comprar qualquer produto que ela vê nos comerciais sem fim que toda a família adora (preferem ver os intervalos comerciais e canais de televendas a filmes ou shows).

Rosalie é uma simpática e carismática tranbiqueira que sozinha com seus golpes na praça sustenta os desejos de uma família excêntrica que lembra a de filmes recentes como “Pequena Miss Sunshine” e “Os Excêntricos Tanembauns”: duas gêmeas limítrofes, um jovem cujo sonho e torna-se um "chef" (Rosalie colabora comprando as mais caras iguarias de gastronomia), outro com um irritante tique de bater um pé nas refeições, o marido fanático por aviação que grava sons de motores de aviões para todos ouvirem  e vive dando voos rasantes sobre a casa, e assim por diante.

Todos com um inquebrantável otimismo no sonho americano transmitido pelos histéricos canais de televendas diante dos quais a família toda se reúne para acompanhar os jingles e antecipar os slogans. Para eles todo sonho ou desejo tem o dever de ser realizado pelo consumo. Se a única barreira que impede isso é a financeira, Rosalie vai dar conta desse empecilho.

domingo, abril 29, 2012

Somos todos Estrangeiros no filme "O Homem Que Caiu na Terra"

Um filme desafiador, abstrato e místico de uma época em que diretores idiossincráticos procuravam fazer grandes filmes. “O Homem Que Caiu na Terra” (The Man Who Fell To Earth, 1976) do diretor Nicolas Roeg estrelado por David Bowie é o ápice de uma cena pop onde grandes bandas de rock como Van Der Graaf Generator, Genesis e King Crimson (e o próprio Bowie de personagens musicais como Star Man e Ziggy Stardust) construíam longas suítes místicas e de inspiração ocultista, que expressavam a condição humana do “Estrangeiro”: tal como o protagonista no filme, o homem sente-se nesse mundo como um exilado, um alien que sonha em retornar para o seu verdadeiro lar, mas é desviado dos seus propósitos por meio do poder entorpecedor da TV e do gin.

O personagem do Estrangeiro é um dos temas arquetípicos da nova mitologia pop a partir do pós-guerra: Rebeldes sem causa, “heroin heroes”, punks gritando “no future”, ácido e música techno em “raves” associadas ao “trance” (transe) com conotações espiritualista ou “new age” são representações midiáticas dessa sensação de alienação, estranhamento e deslocamento em relação ao país, família e amigos.

O Estrangeiro é aquele que não se sente em casa em lugar algum. Procura sempre esquecer o seu passado, sua história, o que é. Passa a maior parte do tempo em silêncio, fechado no seu drama, tenso, crispado. Quieto observa o mundo cair em pedaços. 

Esse verdadeiro arquétipo contemporâneo é o núcleo espiritual de toda tendência midiática que explora a melancolia adolescente nas mais variadas tendências em moda, comportamento, filmes e videoclipes: dark, punk, gótico, emo etc.

A cultura pop e o rock’roll irão celebrizar o personagem do estrangeiro, tornando-o o motor da criatividade poética que destila desde as dores do amor incompreendido até o sentimento de estranhamento em um mundo frio e cruel. Dos rebeldes sem causa da década de 1950 aos rebeldes com causas políticas dos anos 1960, o centro espiritual é o mal estar do jovem em uma sociedade que prolonga a adolescência o máximo possível por causa de um mercado de trabalho que não consegue absorver a todos rapidamente. O resultado é um jovem que não é criança e nem adulto, à margem e alheio aos controles sociais.

Mas é na década de 1970 que esse sentimento de estrangeiro ganha suas expressões mais refinadas na cultura pop quando o rock começa a se inspirar no ocultismo e misticismo para criar letras, músicas e marcantes álbuns conceituais. Compositores como Peter Hammil do Van Der Graaf Generator (longas suítes místicas como em “The Plague of the Lighthouse Keepers” onde o homem é comparado a um guardião de um farol perdido no fim do mundo) ou a longa composição de Peter Gabriel do Genesis chamada “Supper is Ready” (todo um lado de um LP) sobre a eterna luta espiritual entre o Bem e o Mal.

sexta-feira, abril 27, 2012

Uma trilogia do Tempo no cinema

O tempo como uma falha cósmica responsável pela inércia e entropia, o tempo como um hipertexto, o tempo como interface para universos paralelos manipulado por uma máquina antiterrorismo e, finalmente, o tempo como uma prisão criada pela ilusão de ralidade de um programa computacional militar. Essas são as diferentes facetas sobre o tempo no cinema em três produções cinematográficas: "O Feitiço do Tempo" (Groundhog Day, 1993), "Déjà Vu" (Déjà Vu, 2006) e "Contra o Tempo" (Source Code, 2010). Nesses três filmes um ponto temático comum: a luta do protagonista em fugir da ilusão da flecha temporal que permita criar um tempo/espaço alternativo e alterar o destino. Mas nem sempre o cinema mostrou a questão do Tempo dessa maneira.


Até a década de 60 temos a visão clássica da viagem no tempo onde apenas podemos testemunhar os eventos do passado e futuro sem poder alterá-los. Podemos até ser mortos, mas jamais conseguiríamos alterar a seta do tempo. Por exemplo, na cultuada série de TV “O Tunel do Tempo” (The Time Tunnel, 1966-67) isso é marcante: os dois protagonistas (Phillip e Doug) tentam alterar eventos do passado, mas, no último momento, fatos providenciais impedem a mudança da História. Seria a providência divina?
A partir da clássica trilogia “De Volta para o Futuro” (Back to The Future, 1985) temos a definitiva mudança dessa concepção clássica do tempo. Podemos voltar ao passado, alterar os fatos para, simultaneamente, alterar o presente. Mais do que isso, em filmes como “O Efeito Borboleta” (The Butterfly Effect, 2004) ou o “O Exterminador do Futuro” (The Terminator, 1984) o tempo transforma-se em um hipertexto onde cada opção cria um futuro ou um passado alternativo, configurando um complexo tempo/espaço com uma série de universos paralelos que, potencialmente, poderiam se tangenciar ou interagirem-se.

quarta-feira, abril 25, 2012

Scorsese faz crítica à cultura das celebridades no filme "O Rei da Comédia"

O filme mais injustiçado da carreira do diretor Martin Scorsese, “O Rei da Comédia” (The King of Comedy, 1983) na época foi um fracasso de bilheteria. Ao contrário da sexualidade e violência de personagens dos filmes anteriores “Taxi Driver” e “Touro Indomável”, o diretor apresentou ao público um Robert De Niro contido e o comediante Jerry Lewis enfadado e amargo. Scorsese mergulha fundo na cultura da celebridade contemporânea ao nos mostrar um fã que vive até o extremo a fantasia de tornar-se um astro da TV. Como? Sequestrando o próprio ídolo. À frente do seu tempo, Scorsese antecipa o atual interesse mórbido pelas celebridades onde elas são mais invejadas do que admiradas. E por trás da inveja escondem-se a solidão e o ressentimento.
O solitário é aquele que tem tempo de sobra para pensar em sua total insatisfação, o infeliz é aquele que jamais terá essa oportunidade. (Alfred Adler)
Para ser feliz, é preciso ser conhecido? Em um mundo atual onde o número de “seguidores” no twitter ou de “amigos” no facebook cada vez mais se torna a medida da própria identidade do indivíduo, parece que sim. Essa medida de felicidade se insere na chamada “cultura da celebridade” onde a vida real acabou misturando-se com categorias do entretenimento como a “fama”, “sucesso”, “desportividade”, “passatempo”, “escapismo” etc.

E a busca dessa celebrização de si mesmo implica em um novo ascetismo, dessa vez mundano: esforço diário em cultivar uma rede de “amigos”, esforços logísticos em criar acontecimentos que atraiam a atenção de todos (e se possível da própria mídia), dedicação e esforço em focar seu pensamento ao sucesso, capacidade em desprezar fatos reais que entrem em contradição com a imagem que o indivíduo quer criar para todos etc. Tudo isso cria uma luta brutal contra si mesmo, em negar a própria solidão e insatisfação através da hiperatividade voltada ao mundo exterior.

O diretor Martin Scorsese vai a fundo nessa espécie de psicologia da moderna cultura da celebridade em “O Rei da Comédia” (The King of Comedy, 1983), um filme árido e doloroso ao representar tão bem a miséria interior de um protagonista que faz de tudo para alcançar a celebridade para escapar de uma vida vazia e infeliz. Depois de Scorsese apresentar personagens repletos de violência e sexualidade nos filmes anteriores “Taxi Driver” (1976) e “Touro Indomável” (1980), em “O Rei da Comédia” vemos personagens agonizando na solidão e raiva, porém, contidos e emocionalmente estéreis. O diretor conseguiu arrancar performances contidas e sutis de um comediante (Jerry Lewis) e um ator (Robert De Niro) que, até então, notabilizaram-se por representar personagens urgentes e intensos.

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