sábado, fevereiro 29, 2020

Coronavírus: Epidemia? Pandemia? Ou infodemia semiótica?


Quanto mais passa o tempo e quanto mais a cobertura midiática se transforma numa guerra de versões, a epidemia da estação, o novo coronavírus (depois de SARS, ebola, gripe aviária, gripe suína, que prometiam a letalidade de uma gripe espanhola ou da própria peste negra), mais revela a sua função social de manter a ordem por meio de uma calamidade natural externa. Epidemia? Pandemia? Arma biológica criada em algum laboratório secreto? Mais do que tudo isso: o novo coronavírus se revela uma verdadeira arma na guerra da informação – uma “infodemia” com alto rendimento semiótico. De um lado, na geopolítica dos EUA que se esforça em quebrar a crescente participação da China na cadeia produtiva global. E do outro, na narrativa da grande mídia brasileira reeditando o “jornalismo de conjunções adversativas” em que bolsa cai e dólar dispara porque foram viralmente infectados: a economia “agora vai!”, MAS... só que não! E a culpa são dos chineses, italianos... a infodemia de expectativas é tão especulativa quanto o estouro das bolhas do cassino das bolsas de valores ao sabor das notícias da epidemia ajudam a derrubá-las.
“Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?
Não é tentar o suicídio
Querer andar na contramão?”
(“Desordem”, Titãs)

Lá no século XIX, a análise sociológica de Durkheim (ao lado de Marx e Weber, são os chamados “três porquinhos” fundadores da sociologia) descobria um mecanismo de coesão milenar nas sociedades: desde que não seja patológica pelo seu grau de recorrência, o crime é benéfico para a manutenção da coesão social – ele possuiria um caráter instrutor e regulador da ordem coletiva.
Em outros termos, a Sociologia nasceu e logo de cara descobriu o papel fundamental do mecanismo de criação do chamado “bode expiatório” na manutenção da ordem – o princípio de que alguém, ou alguma coisa, deve levar a culpa de algum infortúnio coletivo.
Para Durkheim, eram os criminosos. Mas a imaginação coletiva é capaz de criar diversas variações de inimigos externos: estrangeiros, bruxas, negros, judeus, homossexuais... ou mesmo qualquer evento negativo como calamidades naturais ou... epidemias, pestes.

São racionalizações sociais para explicar colapsos políticos ou econômicos – a culpa não está no corpo social (que deve ser sempre coeso, harmônico e, principalmente, hierarquizado), mas fora dele, num ameaçador inimigo externo – humano, astronômico, geológico, biológico etc.




Quanto mais passa o tempo e quanto mais a cobertura midiática se transforma numa guerra de versões, a epidemia da estação, o novo coronavírus (depois de SARS, ebola, gripe aviária, grupe suína, que prometiam a letalidade de uma gripe espanhola ou da própria peste negra), mais revela a sua função social tão estudada por Durkheim. 

Infodemia do jornalismo adversativo

Depois que o presidente da França, Emmanuel Macron, disse bombasticamente que o país precisava se preparar para uma epidemia do coronavírus, o chanceler italiano Luigi Di Maio alertou que uma “infodemia” (uma epidemia de “informações falsas no exterior”) estava prejudicando a economia e a reputação do país.


Esse é o “COVID-19”, com uma taxa de mortalidade considerada baixa, em torno de 2,3% - pouco maior que o sarampo e bem menor do que o ebola. A letalidade em idosos com mais de 80 anos chega a 14,8%, caindo para 8% em pacientes entre 70 e 79 anos.
“A letalidade não é alta, MAS preocupante”, é a frase que mais se ouve na mídia de especialistas e autoridades. Aliás, o uso da conjunção adversativa também está em alta: “porém”, “mas”, “contudo” etc. Lembrando o já clássico “jornalismo adversativo”, cujas conjunções eram aplicadas pela grande mídia para minimizar os bons números da economia nos governos petistas – a economia cresceu? PORÉM, não há estradas suficiente para escoar a produção.
Conjunções adversativas se prestam à especulação, mostrando que as notícias sobre o novo coronavírus são menos informativas e muito mais especulativas. Tão especulativas quanto os estouros da bolhas das bolsas de valores cujas notícias da epidemia ajudam a derrubá-las.
Uma coisa é o COVID-19, que faz parte de uma grande família viral (conhecida desde meados dos anos 1960) que causa infecções respiratórias leves e moderadas, semelhante a um resfriado comum – que piora em pessoas com doenças cardiopulmonares, com sistema imunológico deprimido e em idosos.


Outra coisa é o rendimento semiótico que o COVID-19 passa a ter como evento midiático – o rendimento de significações que começam a gerar, de acordo com o gosto ou intencionalidade de cada emissor de discursos ou narrativas. Um rendimento que cumpre aquela função social durkheimiana: manter a ordem jogando a culpa nas expectativas e letalidade dos crimes – no caso atual, na perspectiva de uma pandemia global catastrófica.

Guerra de informação

Em postagem anterior este Cinegnose especulava a inegável conveniência para a geopolítica dos EUA nessa crise epidemiológica originada na China – mais do que arma biológica criada em algum laboratório secreto, o coronavírus é uma arma na guerra da informação:
Depois da batalha alfandegária iniciada por Trump em 2018, a escaramuça do caso Huwaei com a suspensão dos negócios das empresas de tecnologia americanas com a fabricante chinesa de celulares (inclusive com prisão de executiva da Huwaei no Canadá em 2018) e a prolongada guerra geopolítica híbrida alimentando os conflitos em Hong Kong, o atual alerta da OMS no caso do coronavírus chinês ganha um evidente sentido conspiratório ou, no mínimo, dúvida plausível: será o coronavírus é uma arma de guerra de informação no xadrez geopolítico EUA vs. China? – clique aqui.
Desde que o presidente Xi Jinping lançou as “Novas Rotas da Seda”, a economia chinesa ultrapassou os EUA – a participação norte-americanana economia global vem diminuindo, enquanto a da China só aumenta. Ela se tornou o maior parceiro comercial de quase 130 países. Enquanto a economia dos EUA se esvazia e o cassino financeiro ainda sustenta o poder norte-americano, a China sai na frente em incontáveis áreas de pesquisa tecnológica.
Segundo o jornalista Pepe Escobar, a China (o único concorrente econômico dos Estados Unidos) planeja reconectar a maior parte do mundo a uma versão para o século XXI de um sistema de comércio cujo auge durou mais de um milênio: as Rotas da Seda Eurasianas. Esse estado de coisas é algo que os setores interconectados das classes dominantes dos Estados Unidos simplesmente não podem aceitar.
(...) o fato é que a liderança de Pequim vem tendo que lidar com um acúmulo de questões de extrema gravidade: uma epidemia de gripe suína que matou metade do rebanho; a guerra comercial urdida por Trump, a Huawei acusada de extorsão e prestes a ser proibida de comprar chips de fabricação norte-americana; a gripe aviária; e o coronavírus paralisando praticamente metade da China. Acrescente-se a isso a incessante barragem de artilharia da propaganda da Guerra Híbrida do governo dos Estados Unidos, marcada por uma aguda sinofobia: todos, desde "autoridades" sociopatas até auto-intitulados conselheiros vêm instruindo as empresas a desviarem suas cadeias globais de abastecimento para fora da China, ou tramando conclamações diretas pela mudança de regime - com toda a demonização possível de permeio – clique aqui.  


O Brasil vai quebrar junto...

Nessa perspectiva, os EUA, junto com seus países aliados, querem arrastar o mundo nessa estratégia geopolítica de quebrar a participação cada vez maior da China na cadeia produtiva global – por exemplo, empresas chinesas assinaram contratos de até 128 bilhões de dólares em projetos de infraestrutura de grande escala em dezenas de países.
Claro que o Brasil irá se quebrar junto nessa batalha geopolítica em tons épicos. Mas mesmo aqui, o coronavírus se torna uma infodemia: governo Bolsonaro e grande mídia encontram um alto rendimento semiótico na narrativa da ameaça da pandemia.
Nesse momento em que jornalistas, colunistas e analistas fizeram a “surpreendente” descoberta de que Bolsonaro é uma ameaça à democracia liberal, depois que saiu nas redes sociais convocando para manifestações pedindo o fechamento do Congresso, a mídia corporativa se vê na urgência de salvar a agenda econômica neoliberal – que infelizmente, na falta de melhor opção, o capitão da reserva acabou se tornando o seu fiador.
A Ibovespa caiu quase 10% após o carnaval? Em um só dia (na quarta, dia 26) o País perdeu R$ 3,068 bilhões em investimentos estrangeiros, somando-se aos 44,5 bilhões no ano passado e R$ 34,908 bilhões entre janeiro e fevereiro de 2020? Tudo culpa do medo dos mercados pela rápida disseminação do coronavírus!
Era para ser o “agora vai!” da retomada econômica, MAS... Bolsonaro e o coronavírus estão estragando tudo. Pela narrativa midiática, a ciência econômica alcançou sua interdisciplinaridade com a Infectologia. 
As reformas estavam dando “tração” na economia, MAS... foi infectada por um vírus externo, fora do nosso controle.
Paulo Guedes e Sérgio Moro (em imagens no alto de um veículo blindado urutu do Exército como o “General Patton das araucárias”) tornam-se a única reserva política, econômica e moral para a grande mídia salvar a agenda neoliberal das reformas – praticamente uma chantagem da banca financeira contra o Estado.

Mais uma vez, entrando em cena em conjunturas difíceis...

E, ironia das ironias (será que apenas uma coincidência?), eis que mais uma vez um hospital entra em cena para dar o álibi necessário para uma conjuntura difícil: depois do episódio da facada que elegeu Bolsonaro e de esconder Fabrício Queiros (o ex-assessor de Flávio Bolsonaro)  de um depoimento no Ministério Público, agora em São Paulo o Hospital Albert Einstein revela ao mundo o paciente número zero da ameaça de uma epidemia brasileira de coronavírus – um empresário paulistano que voltara de viagem a Itália...
Um álibi que alinha a infectologia com o discurso econômico de Paulo Guedes. Em épocas de disparada do dólar, nada como a fala do Ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta para reforçar o "novo normal": "Você não tem que ir para a Lombardia... Vou lá pra olhar? Vou passear? Aí preferiria passear no Hemisfério Sul. Cachoeiro de Itaperimirim, Niterói, Foz do Iguaçu. Mais uma razão para fazer turismo interno no Brasil", afirmou entre um tom da seriedade e de pura galhofa.

Perseguindo a ribalta: depois de Macron e Bolsonaro, Doria corre atrás do coronavírus 

Mas também para a própria mídia a narrativa da ameaça viral tem um ótimo rendimento semiótico, dessa vez metalinguístico: diariamente o jornalismo corporativo alardeia que o melhor remédio para o coronavírus é a informação. Da grande mídia, obviamente.
Mesmo com a ambiguidade do seu redivivo jornalismo adversativo: não entre em pânico! Não há motivos! MAS... procure álcool em gel, use máscaras e acompanhe os telejornais com relatos de milhares de contaminados e mortos. E a cada dia, espalhando-se por um país do planeta.
E entram em cena governadores querendo tirar a casquinha das luzes da ribalta. Para começar, João Doria (aquele que quis surfar no sucesso neoliberal de Macron e correu para a sua posse em Paris; e que depois virou “Bolso-Doria” para também surfar no hype da extrema-direita) posa em coletivas ao lado do Ministro da Saúde numa campanha estadual de prevenção. Como fosse a âncora de firmeza racional num País que naufraga na irracionalidade política.
Mas jamais econômica! Tudo que precisamos é lavar bem as mãos, colocarmos máscaras e acreditamos nas informações da grande mídia... então a economia voltará a tracionar.

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