segunda-feira, agosto 01, 2016

Curta da Semana: série "Bendito Machine" - relaxe, tudo está sob controle


“Relaxe, tudo está sob controle” é o que sempre parecem nos dizer as máquinas e as tecnologias. Por isso elas nos fascinam e nos gratificam a ponto de se tornarem modernas religiões. É o que nos mostra a série com cinco curtas de animação “Bendito Machine” (2006-2014). Produzida pelo estúdio espanhol Zumbakamera, cada episódio apresenta máquinas que sempre parecem “defecar” pequenas criaturas globulares com olhos que nos controlam por meio da oferta dos prazeres da ambição e gula. Em tempos de apps virais como o Pokémon GO chegando em terras brasileiras, assistir a essa série é obrigatório.


O homem é controlado e corrompido pela sociedade. Mas a sociedade é feita pelos homens. Quando falamos em sociedade, Estado, corporações, parece que falamos sobre abstrações. Afinal, todas essas instituições são feitas pelos próprios homens. O homem é vítima ou é o culpado?

Marx avaliava que a sociedade capitalista da luta de classes e dominada por uma classe exploradora era a culpada. Mas o Estruturalismo, tanto na antropologia, linguística e psicanálise, falava em uma “estrutura inconsciente” simbólica que estaria acima dos próprios homens, subjugando-os.

Adorno e Horkheimer juntaram tudo isso na interpretação do drama de Ulisses na Odisseia de Homero na famosa  narrativa da ameaça das sereias ao navio do herói: Ulisses se deixa amarrar no mastro da sua nau enquanto os remadores estão com os ouvidos tampados com cera para não ouvirem o perigoso canto das sereias que fazia afundar navios. Ulisses amarrado à embarcação e os remadores surdos era para a dupla de pensadores a metáfora da elite e trabalhadores de todas as épocas amarrados às estruturas da civilização que segue o rumo inexorável – sobre isso leia o livro ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max, Dialética do Esclarecimento, Zahar, 1985.


A série de cinco curtas de animação Bendito Machine (2006-2014), do estúdio espanhol Zumbakamera, entra nesse debate. Para o diretor Jossie Malis existem estruturas de dominação, exploração e poderes invisíveis. Mas tudo surge de estranhas máquinas: cada episódio narra o catastrófico surgimento de uma nova raça de máquinas e seus insólitos vínculos humanos com a tecnologia. Uma relação de amor e ódio que se transforma em espelho daquilo que nós somos.

São animações feitas em Flash que nos oferece reminiscências do primitivo teatro de sombras. Os episódios fazem uma mescla de maquinismo industrial, cultura tribal, pré-história enquanto os humanos enfrentam sua própria “evolução” à mercê de guerras, avanço tecnológico e forças desconhecidas.

Os episódios


O primeiro episódio lança os conceitos mais gerais que nortearão todos os outros episódios da série. Vemos uma tribo primitiva que idolatra uma máquina que “produz” (na verdade parece que defeca, como todas as outras máquinas que virão) criaturas globulares com imensos olhos que são recolhidos e levados para a aldeia.

Um dia, uma aldeia rival “modernista” destrói a máquina, para construir uma máquina maior que produz “olhos”  com muito mais rapidez. Logo a máquina transforma-se numa indústria que enriquece a aldeia, produzindo uma nova elite e uma estrutura de classes.

Esse primeiro episódio contém uma série potencial de simbolismos. A velha tribo representa uma religião primitiva, destruída por uma nova religião: a indústria e o comércio.

Máquinas que defecam olhos que, depois, serão comercializados ou vendidos é um conceito presente em todos os episódios. As máquinas parecem alimentar seus usuários primeiro com a fé, na religião primitiva. Depois, com ganância e gula que torna a moderna religião muito maior, até encontrar a sua decadência.


A primeira associação que o leitor poderá fazer com essas criaturas globulares é o olhar da vigilância e controle. Mas a série acrescenta uma nova interpretação a esse imaginário Big Brother: as máquinas e as criaturas com imensos olhos vigiam e controlam, mas também nos fascinam porque nos dão prazeres. Em consequência geram controle por dependência.

No segundo episódio Bendito Machine 2 (2008) uma espécie de vaca acoplada a outra máquina sagrada é tomada para das suas tetas produzir um leite em escala industrial que produz divertida alucinação coletiva nos habitantes da aldeia, enquanto o dono da caixa registradora enriquece – a analogia com a Coca-Cola é irresistível.

Como sempre, há ascensão e queda, mas nunca superação: uma nova “vaca sagrada” é criada que produzirá agora novas pequenas criaturas globulares com olhos que perpetuam no futuro a ganância e gulodice.

Em Bendito Machine 3 (2009) o tema são as máquinas de comunicação que se tornam deuses tecnológicos. São adorados um após outro. Cada um deles oferece gratificação e entretenimento. Até cada um deles tornar-se obsoleto para, então, ser jogado em um lixão tecnológico. Vemos a sucessão do rádio, TV e Internet. A máquina-TV é agressiva, impõe modismos, assusta crianças, cria guerras e violência. Até ser jogada no lixão e entrar a máquina-Internet-discada. Que rapidamente é substituída pela máquina-internet-banda-larga, uma máquina ameaçadora e tentacular.

Bendito Machine 4 (2012) nos mostra as máquinas produzidas pela matriz energética do petróleo: poluição, catástrofe ecológica são ignoradas diante da adoração e fascínio pela nova religião dos derivados do petróleo. A religião é tão poderosa que os seus discípulos pretendem expandir o domínio para outros planetas pelas viagens espaciais. Mas, como sempre, a humanidade encontra a sua queda numa sequência que lembrará uma antiga animação francesa chamada Planeta Fantástico (La Planèt Sauvage, 1973) – analisado pelo blog, clique aqui.


Bendito Machine 5 (2014) apresenta uma visão condensada da história humana, testemunhada por um pobre ET que chega ao planeta em meio às guerras do império romano. Acaba aprisionado e esquecido. Contra a vontade, acaba testemunhando toda a história humana evoluindo das armas mais primitivas à destruição nuclear.


Agora o Estúdio Zumbakamera prepara o episódio 6 que pretende ser o episódio final: narrará a viagem de uma solitária máquina perdida nos confins do Universo em busca de respostas. Encontrará uma força suprema (que ao longo da série parece existir, sempre interferindo em momentos decisivos a partir do alto) que inevitavelmente mudará a existência para nos levar a um ponto de retorno trágico e hilariante.

Ao longo dos anos, a série foi selecionada em 500 festivais ao redor do mundo e recebeu 86 prêmios pelo público e por jurados.









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