
segunda-feira, março 18, 2013

Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma hilária
experiência de meta-cinema. “The Greatest Movie Ever Sold” (2010) foi a solução
encontrada pelo diretor Morgan Spurlock para abrir as portas das secretas
táticas da publicidade, marketing e gestão de marcas: criar um meta-filme onde
o tema é a própria campanha de Spurlock para encontrar empresas que aceitassem fazer co-promoção através do “product placement” – inserção subliminar de
produtos e marcas no seu próprio filme. Através da observação participante
Spurlock nos mostra como esse negócio transformou-se no Santo Graal do
marketing e, ao mesmo tempo, expõe a natureza da Publicidade atual: contraditória
ao ter que negar a si mesma; e paradoxal por ter que se tornar cada vez mais
invisível em um mundo de visibilidade.
Depois de apresentar as batas
fritas transgênicas do McDonald’s (“Super Size me”, 2004) que jamais deterioram
e denunciar a procedência suspeita da carne dos hambúrgueres da rede de fast food
forçando-a a fazer uma massiva campanha mostrando como seus sanduíches estão
mais “verdes”, o diretor Morgan Spurlock escolhe outro alvo: o marketing
subliminar. Mais precisamente o chamado “product placement”, como a publicidade
insere produtos nas cenas de filmes e produtos audiovisuais. Em uma sequência
de “Homem de Ferro” (Iron Man, 2008) vemos o personagem Tony Stark dirigindo
velozmente um Audi conversível; ou em “Homen Aranha” vemos o protagonista Peter
Parker cruzando uma avenida de Nova York tendo ao fundo letreiros e outdoors de
diversos produtos.
“The Greatest Movie Ever Sold”
faz ao mesmo tempo um documentário e uma sátira de como os filmes
hollywoodianos deixaram de ser patrocinados para serem, agora, vendidos a
investidores para que se tornem vitrines de produtos e marcas. É o Santo Graal
do marketing: a co-promoção. A produção de “Homem de Ferro”, por exemplo, foi
associada a 14 marcas. Elas tornam-se co-produtoras e última palavra na
aprovação até em questões artísticas como roteiro e narrativa que, aliás, têm
que inventar sequências para a exposição das marcas parceiras.
A premissa do documentário é
essa: Spurlock quer saber mais sobre o mundo da publicidade, marketing e gestão
de marcas. Porém, fazer um documentário tradicional seria a maneira menos
eficaz para abrir as cuidadosamente fechadas portas das empresas dessa área.
Para conseguir realmente penetrar nesses mecanismos, decide fazer um
documentário totalmente metalinguístico: transformar as imagens da própria produção
do filme – a campanha para obter financiamento para o documentário, oferecendo
aos potenciais anunciantes “product placement” – em tema do próprio filme. O
resultado é uma hilária comédia desconstrutivista, onde o espectador acompanha
um roteiro dentro de um roteiro.
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Nem Ralph Nader resistiu ao "product placement" |
Um fascinante experimento em meta-cinema.
Muitos dos candidatos a patrocínio se recusaram pela figura controvertida de
Spurlock, mas o seu papel de observador participante nos meandros do mundo do
marketing é revelador aos espectadores: o observador imparcial, a participação
ativa e a total traição aos valores éticos (ele chega a fechar acordo com
escolas para colocar cartazes do filme em pátios e ônibus escolares) se fundem
totalmente.
Por exemplo, em certa altura é
entrevistado o ícone político e legendário defensor dos consumidores Ralph
Nader. Ele afirma que a única forma de fugir da Publicidade no mundo moderno é
nos sonhos enquanto dormimos. Então habilmente Spurlock insere um momento de
colocação de produto enquanto Nader faz uma tirada contra o “product
placement”. Spurlock faz com que o veterano militante político morda a isca e
demonstre interesse pelo produto. Esse é o ponto alto do tom metalinguístico
que surpreende Nader e, ao mesmo tempo, demonstra ser uma triste revelação: a
Publicidade se converteu em uma força mais poderosa do que a própria Política.
Spurlock consegue levantar 10
milhões de dólares em colocação de produtos. Os anunciantes acreditaram que o
valor experimental e crítico de “The Greatest Movie Ever Sold” daria
“personalidade” a suas marcas. O diretor assegura ao final que as 20 marcas
presentes não opinaram no momento da edição final do filme.
O tema em si talvez não seja
nenhuma novidade, mas a sua abordagem sim: se o “product placement” é uma
tática discreta e subliminar de tal forma que não pareça publicidade, o que
aconteceria se as marcas e produtos fossem expostas de forma tão desavergonhada
em um filme?
A contradição da
Publicidade
Em um depoimento de Michael
Levine (Levine Communications Office) feita a Spurlock ele afirma que “vivemos
em um mundo onde há um cordão umbilical entre a fama e a credibilidade.
Visibilidade é igual a credibilidade. No mundo em que vivemos não podes ser
crível se não és visível”.
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Proposta de Spurlock: tornar explícita a tática do "product placement" |
Essa afirmação talvez seja
aplicável ao mundo da Política, do Jornalismo, mas não à Publicidade. O
“product placement” e toda a gestão das marcas demonstram uma verdade: o velho
mundo dos filmes publicitários de 30 segundos e das táticas behavioristas de
repetição de slogans está em franco desaparecimento. Se no passado a mensagem
publicitária era facilmente identificável em intervalos publicitários no rádio
e na TV, nos informes publicitários de revistas e jornais e nos ônibus e
prédios envelopados por uma peça visual publicitária, hoje ela deve ser
discreta e sutil, quase subliminar, para adquirir credibilidade ou poder de
sedução.
Esse é o mote irônico de “The
Greatest Movie Ever Sold”: o diretor quis pregar uma peça nos anunciantes ao
mostrar inserções de produtos explícitas e nada subliminares – por exemplo, Spurlock
confeccionou uma série de ternos com seus anunciantes estampados ao melhor
estilo dos macacões de pilotos de fórmula 1 para suas participações em talk
shows na TV. Ou ainda mais bizarro: todos os especialistas convidados são entrevistados
em uma rede de fast food patrocinadora do documentário...
Hoje a exposição publicitária
explícita torna-se aos olhos do espectador incômoda, ostensiva, desrespeitosa e
desacreditada. A Publicidade pertence à era das mídias de massas, padronização e
TVs abertas. Em uma época de canais fechados, Internet e mídias digitais o
velho formato do informe publicitário claramente distinto da parte editorial ou
de conteúdo soa como anacrônico, ruído, chatice de um velho mundo de “sorrisos
Colgate”, donas de casa felizes e homens bem sucedidos em carrões com mulheres
fatais.
Por isso a Publicidade cada vez
mais tentará se travestir em informação (por meio de assessoria de imprensa),
arte e estética (“product placement”), comunicação face-a-face ou em redes sociais
(flash mobs, virais e eventos) ou notícia (agenda setting, video releases para
telejornais). Daí o tema de “The Greatest Movie Ever Sold”: de tão onipresente
a Publicidade torna-se invisível e invasiva. Publicidade não autorizada.
A contradição da Publicidade
atual é ter que negar a si mesma; e seu paradoxo, tornar-se cada vez mais
invisível em um mundo de visibilidade.
A contradição do
consumo
Mas há algo de mais profundo
nessa crise da era dos comerciais e da publicidade “autorizada”: a crise do
próprio mecanismo de racionalização do consumo.
Para o pensador francês Jean
Baudrillard em seu livro “Sociedade de Consumo” toda
a lógica de persuasão publicitária está numa espécie de alívio do sentimento de
culpa por meio de álibis sutilmente sugeridos ao consumidor para que ela possa
exercer livremente sua impulsividade e compulsividade. Da mesma fora que Não
cremos em Papai Noel, mas, ao menos, a sua figura nos serve com álibi para justificar
o consumismo natalino, nenhum consumidor crê em slogans, mas eles são ótimos
para justificar (para si mesmo e diante dos outros) como álibis nossos impulsos
consumistas.
Para
ele, o consumidor não é assim tão estúpido quanto pensa a teoria behaviorista
da repetição e condicionamento – “toda mentira repetida continuamente se torna
verdade”. Ele cria uma espécie de
permuta com o discurso publicitário: em troca de uma boa racionalização (ou
“Papai Noel”) que justifique o impulso consumista, ele oferece o poder de
compra.
Pois isso que parece estar em crise: as
racionalizações do tradicional discurso publicitário no formato “comercial” ou
“informe publicitário” estão explícitas ou estereotipadas demais para oferecer
uma racionalização obrigatoriamente discreta nessa barganha psíquica. A
promoção que justifica a compra por impulso (vou comprar, afinal estou
economizando) ou a rubrica “light” que serve de álibi para a gula já estão
desgastadas pela repetição, estereótipo e crise de credibilidade desses
“papais-noéis” até pelas informações críticas disponíveis em redes sociais, blogs
e portais noticiosos.
Agora os álibis ou racionalizações (os “papais-noéis”)
precisam ser mais discretos, antenados, descolados e modernos. Devem ter um ar
de engajamento (flash mobs), realista (eventos) ou relacionados com a ficção
por meio da arte e estética (product placement). Essa barganha psíquica é
necessária, pois apesar de toda pós-modernidade o mal estar e a culpa ainda permanecem
no psiquismo originado da percepção do desperdício, inutilidade e frivolidade
do consumismo. Racionalizações cada vez mais sutis e invisíveis são necessárias
para amenizar esse mal estar.
Spurlock propõe como saída tornar explícita essa
invisibilidade publicitária. Se a ela é inevitável, então que desnudada diante
de todos. Ou então, que saiamos caminhando à procura de um lugar livre das
mensagens publicitária. E de preferência que vá caminhando com os sapatos
Merrell, um dos anunciantes do filme.
Ficha Técnica
- Título: The Greatest Movie Ever Sold
- Diretor: Morgan Spurlock
- Roteiro: Jeremy Chilnick e Morgan Spurlock
- Entrevistados: JJ Abrams,
Ralph Nader, Noam Choamsky, Paul Brennan, Quentin Tarantino, Donald Trump,
Peter Berg
- Produção: Snoot Entertainment, Warrior Poets
- Distribuição: Sony Pictures Classics
- País: EUA
- Ano: 2011
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