As mudanças climáticas e pandemia destruíram a maior parte do planeta. E tudo foi colocado na conta da explosão populacional. O que restou da sociedade foi completamente controlado. Principalmente a reprodução humana, sob o controle direto de um Estado totalitário que otimiza a vida, incluindo avaliações de paternidade. Em "A Avaliação" (Assessment, 2025, disponível na Prime Video) um casal bem-sucedido é examinado por uma avaliadora durante sete dias para determinar sua aptidão para ter filhos gerados em fetos artificiais. Uma espécie de “processo seletivo” que parece ter evoluído em algo análogo aos processos seletivos atuais: não se trata mais de avaliar a proficiência, mas as chamadas “competências emocionais” que parecem muito mais ocultar algum ardil ou objetivo secreto. De simples entrevistas, transformam-se em verdadeiro reality shows, com “pegadinhas” para arrancar algum tipo de reação emocional que se volte contra o candidato.
Já foi o tempo em que os processos seletivos corporativos se
baseavam exclusivamente da proficiência profissional, conhecimentos acadêmicos
e a experiência do saber-fazer do dia a dia. Era uma forma de o departamento de
Recursos Humanos da empresa separar os sábios dos sabidos, e conseguir
distinguir qual candidato efetivamente tinha o conhecimento profissional
daquele que unicamente conseguia cativar as pessoas e improvisava quando era
exigido profissionalmente.
Hoje os processos de avaliações cada vez mais se assemelham a reality
shows: estão mais preocupados em habilidades comportamentais e emocionais
(inteligência emocional, atitudes, “soft skills”, “fit cultural” etc.), imergindo
os candidatos em desafios ou competições em equipes. Deixando a proficiência
profissional e acadêmica em segundo lugar. Tanto porque, a Inteligência
Artificial está absorvendo o saber-fazer, deixando aos “colaboradores” os
aspectos comunicacionais e mercadológicos da empresa.
Deixando para os selecionadores a preocupação de conseguir
distinguir entre as performances dos candidatos autênticas das encenadas –
principalmente quando sabemos da existência de cursos ou tutoriais coachs
motivacionais que dão dicas de como se dar bem em avaliações corporativas.
E se no futuro essa evolução dos processos seletivos deixarem o
campo corporativo e se infiltrarem no campo parental e familiar? Por exemplo,
criar processos seletivos para casais que se candidatem a serem pais de
crianças geradas em fetos artificiais sob a tutela do Estado.
Esse é o tema do filme A Avaliação (The Assessment,
2025): decidir se você está pronto para ser pai ou mãe já é bastante difícil.
Ter alguém decidindo por você é ainda mais difícil, especialmente quando essa
pessoa é uma representante do Estado que te faz passar por todo tipo de
situação sem precisar explicar o motivo.
Essa é a premissa perturbadora desse drama distópico de ficção
científica de Fleur Fortuné. O primeiro longa da diretora veterana de
videoclipes. Que se reflete no filme: muito estilo e sinaliza e o uso confiante
de enquadramento, textura e cor.
![]() |
É o futuro próximo. Algum tipo de desastre climático ocorreu,
forçando as pessoas a recomeçarem de forma espartana, o que parece sombrio, mas
é preferível à devastação do Velho Mundo – uma parte do planeta para onde foram
despachados os críticos e rebeldes do Novo Mundo onde o controle populacional é
uma política totalitária de Estado.
Parece que toda a catástrofe climática que ocorreu foi colocada na
conta da chamada “bomba populacional”. E, desde então, o governo proíbe a
reprodução pela forma tradicional: as crianças só podem ser geradas fora do
útero em fetos artificiais.
Somente aqueles que mais colaboram com a sociedade (cientistas,
engenheiros etc.) é permitido tornarem-se pais de crianças geradas a partir do
próprio esperam e óvulo do casal. Porém, terão que enfrentar o derradeiro
processo de avaliação: o governo autoritário tem um sistema de seleção de pais,
que envolve uma avaliadora morando com os potenciais pais por uma semana para
determinar se eles são aptos para a função.
Mia (Elizabeth Olsen) e Aaryan (Himesh Patel) são pessoas muito
importantes: ele é um cientista que trabalha com IA e ela é uma bióloga vegetal
que trabalha em novas fontes de energia orgânica. Eles estão confiantes de que
sua avaliação será bem-sucedida.
O problema é que a avaliação vai muito além de qualquer coisa
como, digamos, o procedimento de adoção dos velhos tempos; levará sete dias,
durante os quais o avaliador viverá com o casal – dos questionários básicos
sobre a consciência e habilidades parentais, a coisa evolui para dinâmicas
cênicas, “pegadinhas”, etc. que faz a avaliação evoluir para outra coisa: um
reality show? A avaliadora é também uma atriz? Por que as dinâmicas grupais parecem
querer empurrar o casal candidato às discussões mútuas? O que afinal está sendo
avaliado: a capacidade de amar e cuidar do futuro filho ou a vida conjugal?
Há algo profundamente irônico no filme: apesar de parecer que
alguns casais realmente conseguem sucesso em suas candidaturas, se torna cada
vez mais difícil imaginar uma criança existindo naquele mundo emocionalmente
frio e desolado.
![]() |
E quando o processo seletivo parental se torna cada vez mais
errático ao longo da semana de avaliação, cada vez mais se revela que crianças
são apenas ideias desejados, aspirações que existem para abafar memórias de
relacionamentos agonizantes com seus próprios pais. E, também, para abafar
memórias do que aconteceu com o planeta.
Cada vez mais suspeitamos que a Avaliação tem outro objetivo bem
diferente, para além de avaliar a competência paterna.
O Filme
A Avaliação imagina um
futuro em que tudo seria praticamente controlado pelo Estado. As mudanças
climáticas destruíram a maior parte do mundo, e o que restou dele foi
completamente controlado e protegido.
Os recursos naturais são limitados e, como resultado, a
paternidade também estava sob a jurisdição do Estado – toda a culpa da
devastação do planeta foi colocado na questão demográfica.
Somos apresentados a um casal amoroso, Mia e Aaryan, cuja
contribuição para a construção do "novo mundo" foi significativa.
Aaryan é um cientista que trabalha com IA, enquanto Mia é bióloga vegetal, e
sua pesquisa se concentra em encontrar novas fontes de energia orgânica. O
casal acredita estar naquele estágio do relacionamento em que estavam prontos
para criar um filho juntos. Mas no "novo mundo", as mulheres não
tinham permissão para conceber, e a única maneira de terem um filho era por
meio de um processo conhecido como "Avaliação".
A casa minimalista onde vivem os cientistas casados Mia e Aaryan
brota do topo de uma colina em meio a um terreno acidentado e varrido pelo
vento. E tudo e todos existem sob a proteção de uma cúpula transparente e
ondulante, como se estivessem presos dentro de uma água-viva.
O trabalho deles é gratificante: ele cria animais de
estimação virtuais realistas, já que os pets foram proibidos (ao que parece,
houve algum tipo de pandemia, que varreu a humanidade, iniciada pelos animais
de estimação), enquanto ela se concentra no desenvolvimento da vida vegetal.
Uma voz onisciente, semelhante à da Alexa, atende a todas as suas necessidades.
![]() |
E, no entanto, em meio à casa neutra e de bom gosto, com seus
toques de cores vibrantes e janelas marcantes inspiradas em Mondrian, algo está
faltando: uma criança.
É aí que entra Alicia Vikander (Ex-Machina) como
Virginia, a assessora que decidirá o destino deles dentro dos rígidos limites
populacionais impostos pelo governo. Ela explica, com naturalidade, que precisa
se mudar por uma semana e observar tudo sobre a vida deles — e isso significa
tudo. Com seu coque justo e repartido ao meio e seu traje formal de professora,
Virginia parece, a princípio, uma figura estoica e reservada.
É impossível para eles lerem a mente de Virginia quando ela lhes
fez algumas perguntas que a ajudariam a entender se o casal era elegível para
ser pai. Desde o primeiro dia, as vidas de Mia e Aaryan são perturbadas e
invadida pela avaliadora. Quando ela reclama do quarto que lhe foi atribuído, o
casal ofereceu-lhe o quarto de casal enquanto se espremem na cama de solteiro.
Mia fica horrorizada ao notar Virginia olha para ela e Aaryan
fazendo amor. Ela afirma que os ver em meio à intimidade também fazia parte da
avaliação.
![]() |
Mas não para por aí. Virginia performa ser a filha do casal nas
diversas idades, da infância à adolescência rebelde – dá chilique, à mesa
brinca com a comida e joga nos pais, simulando os jogos infantis. Supostamente,
ela está estudando as reações dos candidatos a pais: compreensão, paciência,
criação de limites etc.
Na verdade, ela cria diferentes jogos mentais cada vez mais
intrusivos. Por mais que desejem um filho, suportar Virginia era um
grande desafio para o casal. Mia inicialmente sentiu como se Virginia estivesse
favorecendo Aaryan em detrimento dela. Virginia se faz passar por uma criança,
e espera-se que o casal atenda a todas as suas exigências. Mia tem dificuldade
em levar o ato a sério. Ela se perguntou se ceder às suas exigências seria a
única solução, ou se talvez criar limites ajudaria a demonstrar suas
habilidades parentais.
Mas há algum ardil secreto em Virginia, que escapa à compreensão
do casal.
Mas o ponto alto de A Avaliação é o jantar improvisado que
Virginia organiza para ver como o casal se comporta em situações sociais. Uma convidada,
de língua afiada (ela tem 153 anos – graças ao desenvolvimento da bioengenharia)
- torna essa festa deliciosamente constrangedora, simplesmente por contar a
verdade sobre a paternidade quando todos os outros se esforçam para ser
educados. Principalmente o casal convidado que teve a paternidade
recusada pela Avaliação.
Claro que aos poucos o espectador vai tirando suas próprias
conclusões: uma catástrofe climática provocada pela explosão populacional; e
depois uma sociedade constituída apenas por uma elite com grande longevidade
pelos avanços da ciência; e um rígido controle da reprodução pelo Estado,
assistido por avaliadores. Tudo parece querer desmotivar as pessoas a terem
filhos.
Mas o vazio existencial em uma vida longa, inóspita e fria, trás o
desejo de ter filhos para encher o vazio de propósitos.
Se a avaliação parental naquele futuro evoluiu como os atuais
processos seletivos que simulam avaliar a proficiência profissional, quando na
verdade avaliam apenas competências emocionais, então podemos imaginar que a
Avaliação tem um outro objetivo. Para além da competência parental.
Ficha
Técnica |
Título: A Avaliação |
Diretor: Fleur Fortune |
Roteiro: Nell Garfath Cox,
Dave Thomas, John Donnelly |
Elenco: Alicia Vikander,Elizabeth
Olsen, Himesh Patel |
Produção: Number 9 Films,
Augenschein Filmproduktion |
Distribuição: Amazon Prime
Video |
Ano: 2024 |
País: Reino
Unido, Alemanha |