sexta-feira, outubro 03, 2025

Hipernormalização é a excelência hollywoodiana em 'Uma Batalha Após a Outra'


Para onde vai a América? Essa questão parece estar incendiando a imaginação de produtores e roteiristas de Hollywood nesses tempos de MAGA e rebeliões Antifa. É nesses momentos que surge a excelência do entretenimento hollywoodiano: filmes de perseguição e histórias de um herói que sempre tenta reconstruir uma família despedaçada. Chamamos isso de “hipernormalização” de cenários sócio-políticos complexos. O filme “Uma Batalha Após a Outra” (One Battle After Another, 2025), o novo épico de Paul Thomas Anderson (“Sangue Negro”, “Vício Inerente”) segue essa receita de Hollywood: quando um Coronel ressurge do Estado Profundo 15 anos depois, um desajeitado ex-revolucionário e seu grupo se reúnem para resgatar a filha das suas mãos. Anderson quer nos enganar: parece que assistiremos a uma saga idealista e inspiradora sobre uma revolução contra um regime totalitário. Mas nos oferece uma um delírio gonzo.

Os EUA parecem flertar com a possibilidade de uma Guerra civil. Não é para menos: depois de Donald Trump enviar tropas federais para Los Angeles para prender imigrantes ilegais, recentemente o mandatário ordenou o envio de tropas para Portland (Oregon) para combater militantes do Antifa, enquadrados como “grupo terrorista doméstico”.

E a filmografia hollywoodiana recente parece querer preparar os americanos para essa possibilidade com a recorrência de filmes sobre o tema. Só para ficar em três: O Mundo Depois de Nós (2023, sobre um golpe de Estado que gera um apocalipse geomagnética) e Guerra Civil (2024, sobre uma guerra de secessão que fratura os EUA) e A Longa Marcha: Caminhe ou Morra (2025, sobre um governo militar que promove uma espécie de reality show mortal).

Depois de apocalipses perpetrados por aliens, zumbis, catástrofes ambientais e climáticas, Hollywood parece estar levando muito a sério a possibilidade de uma guerra civil ou golpe de Estado terrorista com consequências catastróficas. E o atual presidente de plantão na Casa Branca está dando muitos motivos para atiçar a imaginação de produtores e roteiristas.

Desde a invasão do Capitólio em 2021, terroristas e terroristas e alienígenas parecem estar saindo de moda no imaginário norte-americano. Segundo pesquisa recente, mais de 40% acham provável ocorrer uma guerra civil no país dentro de uma década – clique aqui

Em Uma Batalha Após a Outra (One Battle After Another, 2025), o novo épico de Paul Thomas Anderson (Sangue Negro, Vício Inerente) faz aquilo no qual o cinema norte-americano inventou e se especializou: os filmes de perseguição, desde O Grande Roubo do Trem, de 1903, com o tipo de reviravoltas que alimentam o público por não dar uma ideia do que vem a seguir.

São duas horas e meia de uma obsessiva perseguição da filha de uma revolucionária por um coronel durão que se envolveu com sua mãe no passado – além de querer desmantelar células remanescentes de um antigo grupo revolucionário.

A história se passa em uma América que se tornou um estado policial fascista: um lugar onde imigrantes são presos em massa e colocados em centros de detenção, onde a polícia e os militares se fundiram em uma força autoritária implacável. Enquanto uma espécie de sociedade secreta de nacionalistas cristãos supremacistas brancos planejam o futuro da nação. E um grupo de guerrilheiros revolucionários desorganizados tenta interromper o regime por meio de bombardeios aleatórios e assaltos a bancos. 

A princípio, parece que assistiremos a uma saga idealista e inspiradora sobre uma revolução contra um regime totalitário. Mas Anderson nos oferece um delírio gonzo. Com muita segurança, Anderson consegue operar com vários gêneros ao mesmo tempo: suspense, ação, comédia e drama. Ele não perde uma única oportunidade para uma piada ou uma observação cômica, mesmo nos momentos mais dramáticos.



Por isso, há momentos em que Uma Batalha Após Outra parece um filme de Stanley Kubrick e outros momentos em que parece um filme de Quentin Tarantino.

Há momentos em que lembramos de cenas de Nascido para Matar de Kubrick. E também a violência em humor negro pastiche de Cães de Aluguel e Pulp Fiction de Quantin Tarantino.

Esse é o problema para esse humilde blogueiro: o tom que Paul Thomas Anderson quer dar a uma América hipo-utópica – diferente de uma distopia clássica, o futuro mostrado no filme já é o nosso presente. Porém, em hipérbole, desenvolvendo exponencialmente traços ou tendências políticas que já estão presentes.

Se em Kubrick, a sátira dos métodos abusivos para treinar soldados como máquinas de matar (com uma cenário parecendo um Mickey Mouse Clubhouse) tem o peso do trauma da derrota na guerra do Vietnã; ou em Tarantino,  a violência pastiche que marcou os anos 1990, em Uma Batalha Após Outra temos uma estranha paródia: um grupo revolucionário caricato com todos os clichês da esquerda de guerrilha urbana dos anos 1960-70; uma paródia de sociedade secreta que faria delirar a direita alt-right que inventou a conspiração do “Pizza Gate”; e os estereótipos dos milicos durões supremacistas brancos.  

 Qual o assunto do filme? A maneira como Anderson faz uma caricatura de uma América hipo-utópica é apenas para transformar tudo em cenário – como se a obsessiva perseguição, a sociedade secreta etc, fossem um gigantesco "McGuffin" – em roteiro, para designar um elemento narrativo, como um objeto, pessoa ou evento, que serve como um motivador para os personagens e impulsiona a trama, mas que, em si mesmo, é de pouca ou nenhuma importância para a história.

A batalha dos revolucionários contra o governo não é o tema do filme. Na verdade, é sobre um triângulo amoroso inusitado entre esquerda e direita e o drama de uma família despedaçada com a busca de um pai pela sua filha sequestrada.

Além dos filmes de perseguição, Uma Batalha Após Outra revela uma outra especialidade hollywoodiana: transformar contextos sócio-políticos em simples cenários para histórias envolvendo amor e família.




O Filme

Em nenhum momento Uma Batalha Após Outra usa os termos MAGA ou Antifa. Mas é inegável que ao mesmo tempo que Paul Thomas Anderson pretende criar uma história atemporal de resistência com representações cinematográficas de rebelião, o pano de fundo que dá atualidade ao filme é o atual governo de extrema direita nos EUA e o movimento Antifa, chamado por Trump como “terroristas domésticos”.

Anderson mergulha o público no ponto de vista dos rebeldes, imergindo-nos no orgulho recalcitrante e na arrogância de Perfidia Beverly Hills, uma líder revolucionária interpretada por Teyana Taylor. Sempre com um sorriso hipnótico de desafio estampado no rosto.

Perfidia se torna parceira, na vida e na revolução, de Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio), um especialista em explosivos desleixado. Enquanto se infiltram em um centro de detenção de imigrantes e encenam um ataque, podemos nos perguntar como, exatamente, isso terá impacto em um governo monolítico de opressão.

Os revolucionários do filme, que se autodenominam os “French 75”, são figurados com a retórica implacável e a atitude de punho no ar que têm sido a marca do radicalismo desde o final dos anos 60.

Porém, as ações dos revolucionários parecem inteiramente quixotescas — uma pequena erupção de perturbação, uma inclinação no moinho de vento do sistema totalitário. Tudo parece ser apenas performático, sem estratégia. Apenas para criar a oportunidade para a orgulhosa Perfidia fazer discursos desafiadores para policiais.

Mas a batalha deles com o governo não é o assunto do filme. Ao contrário, o tema é um bizarro triângulo amoroso através do qual Anderson sugere uma perversa ligação entre esquerda e direita política.  

De um lado, estão o casal Bob e Perfídia, os bandidos revolucionários aparentemente "românticos". E então entra em cena oficial do Exército dos EUA que consegue capturar Perfídia: o Coronel Steven J. Lockjaw, interpretado de forma magistral por Sean Penn – com uma eterna carranca caricata de milico linha dura. Tão para não levar a sério quanto os revolucionários:  o nome “Lockjaw” parece um sinal para rir, porque tem uma vibração tão maluca e metafórica de "Strangelove" do clássico filme de Kubrick.



Embora um supremacista branco, o Coronel Lockjaw deseja Perfídia (uma ativista negra) e passa uma noite secreta com ela, colocando-se em uma posição sexual passiva em um ato sexual sadomasoquista. E o resultado desse encontro é que ela engravida. Esse desenvolvimento introduz o tema mais assombroso do filme: que mesmo os elementos conflitantes de nossa sociedade — facções ideológicas em guerra, cidadãos de diferentes origens raciais presos em antagonismo — estão, na verdade, no fundo, profunda e inseparavelmente interligados.    

A história avança quinze anos. A revolução está em frangalhos, e Bob Ferguson, antes um rebelde famoso, agora é um vagabundo dependente de substâncias, benignamente inútil, que tenta, à sua maneira desajeitada, cuidar de sua suposta filha com Perfidia, Willa (Chase Infiniti).

Willa tenta levar a vida normal de adolescente, com festas escolares e praticando luta marcial na academia de Sensei (Benício Del Toro), um apoiador secreto de imigrantes ilegais. Através de uma série de eventos complexos, eles se veem perseguidos pelo oficial militar que se envolveu com Perfídia anos atrás, o Coronel Lockjaw.   

Mas há um plano sinistro em andamento. O Coronel foi convidado a se juntar uma sociedade secreta chamada “Clube de Aventureiros do Natal”, uma organização de nacionalistas supremacistas brancos, interpretada por atores como Tony Goldwyn e James Downey, que conferem grandes privilégios aos seus membros, mas que exigem (entre outras coisas) pureza racial.

O nome do grupo é obviamente satírico, lembrando as paródias de teorias conspiratórias alt-right, como o “Pizzagate”.

E quando o Coronel Lockjaw faz qualquer coisa para se juntar a eles, descobre que podem descobrir a história da sua filha mestiça, o que o coloca em ação perseguindo Willa para sequestrá-la, antes que os “Aventureiros do Natal” a descubram.



A excelência ideológica de Hollywood

E quando o filme nos entrega a excelência do entretenimento norte-americano: os filmes de perseguição. Principalmente a sequência final onde Anderson filma os veículos subindo e descendo ladeiras numa estrada no deserto do Novo México (como algo saído de "Ponto de Fuga" de Michelangelo Antonioni), quando vemos como Bob irá até os confins da Terra por sua filha.

Mas, também, a função ideológica de hipenormalização, principalmente dessa agenda da “guerra civil” norte-americana. Na segunda excelência da indústria do entretenimento:  reduzir a complexidade socio-política em uma história de um pai que, de forma tragicômica e desajeitada, tenta reunir os cacos da sua família.

E subliminarmente empurrar para o espectador aquilo que este Cinegnose define como “Semiótica Nem-Nem”: a forma como Anderson entrega não só uma caricatura da rebelião da resistência como também da caricatura das conspirações de um “Estado Profundo” composto por sociedades secretas e do Coronel Lockjaw – a quintessência da paródia dos supremacistas norte-americanos.

Criando uma secreta aliança entre os “extremismos” de esquerda e direita. Representada na filha mestiça de Perfidia com o Coronel LockJaw. Como se a América precisasse apenas de “bom senso” para superar as mazelas dos “extremismos”.


 

Ficha Técnica

 

Título: Uma Batalha Após a Outra

Diretor: Paul Thomas Anderson

Roteiro: Paul Thomas Anderson, Thomas Pynchon

Elenco: Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Chase Infiniti, Benício Del Toro

Produção: Warner Bros., Domain Entertainment

Distribuição:  Warner Bros. Pictures

Ano: 2025

País: EUA

 

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