Para onde vai a América? Essa questão parece estar incendiando a imaginação de produtores e roteiristas de Hollywood nesses tempos de MAGA e rebeliões Antifa. É nesses momentos que surge a excelência do entretenimento hollywoodiano: filmes de perseguição e histórias de um herói que sempre tenta reconstruir uma família despedaçada. Chamamos isso de “hipernormalização” de cenários sócio-políticos complexos. O filme “Uma Batalha Após a Outra” (One Battle After Another, 2025), o novo épico de Paul Thomas Anderson (“Sangue Negro”, “Vício Inerente”) segue essa receita de Hollywood: quando um Coronel ressurge do Estado Profundo 15 anos depois, um desajeitado ex-revolucionário e seu grupo se reúnem para resgatar a filha das suas mãos. Anderson quer nos enganar: parece que assistiremos a uma saga idealista e inspiradora sobre uma revolução contra um regime totalitário. Mas nos oferece uma um delírio gonzo.
Os EUA parecem flertar com a possibilidade de uma Guerra civil.
Não é para menos: depois de Donald Trump enviar tropas federais para Los
Angeles para prender imigrantes ilegais, recentemente o mandatário ordenou o
envio de tropas para Portland (Oregon) para combater militantes do Antifa,
enquadrados como “grupo terrorista doméstico”.
E a filmografia hollywoodiana recente parece querer preparar os
americanos para essa possibilidade com a recorrência de filmes sobre o tema. Só
para ficar em três: O Mundo Depois de Nós (2023, sobre um golpe de
Estado que gera um apocalipse geomagnética) e Guerra Civil (2024, sobre
uma guerra de secessão que fratura os EUA) e A Longa Marcha: Caminhe ou Morra (2025, sobre um governo militar que promove uma espécie de reality show mortal).
Depois de apocalipses perpetrados por aliens, zumbis, catástrofes
ambientais e climáticas, Hollywood parece estar levando muito a sério a
possibilidade de uma guerra civil ou golpe de Estado terrorista com
consequências catastróficas. E o atual presidente de plantão na Casa Branca
está dando muitos motivos para atiçar a imaginação de produtores e roteiristas.
Desde a invasão do Capitólio em 2021, terroristas e terroristas e
alienígenas parecem estar saindo de moda no imaginário norte-americano. Segundo
pesquisa recente, mais de 40% acham provável ocorrer uma guerra civil no país
dentro de uma década – clique aqui.
Em Uma Batalha Após a Outra (One Battle After Another,
2025), o novo épico de Paul Thomas Anderson (Sangue Negro, Vício Inerente) faz
aquilo no qual o cinema norte-americano inventou e se especializou: os filmes
de perseguição, desde O Grande Roubo do Trem, de 1903, com o tipo de
reviravoltas que alimentam o público por não dar uma ideia do que vem a seguir.
São duas horas e meia de uma obsessiva perseguição da filha de uma
revolucionária por um coronel durão que se envolveu com sua mãe no passado –
além de querer desmantelar células remanescentes de um antigo grupo
revolucionário.
A história se passa em uma América que se tornou um
estado policial fascista: um lugar onde imigrantes são presos em massa e
colocados em centros de detenção, onde a polícia e os militares se fundiram em
uma força autoritária implacável. Enquanto uma espécie de sociedade secreta de
nacionalistas cristãos supremacistas brancos planejam o futuro da nação. E um
grupo de guerrilheiros revolucionários desorganizados tenta interromper o
regime por meio de bombardeios aleatórios e assaltos a bancos.
A princípio, parece que assistiremos a uma saga idealista e
inspiradora sobre uma revolução contra um regime totalitário. Mas Anderson nos
oferece um delírio gonzo. Com muita segurança, Anderson consegue operar com
vários gêneros ao mesmo tempo: suspense, ação, comédia e drama. Ele não perde
uma única oportunidade para uma piada ou uma observação cômica, mesmo nos
momentos mais dramáticos.
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Por isso, há momentos em que Uma Batalha Após Outra parece
um filme de Stanley Kubrick e outros momentos em que parece um filme de Quentin
Tarantino.
Há momentos em que lembramos de cenas de Nascido para Matar
de Kubrick. E também a violência em humor negro pastiche de Cães de Aluguel
e Pulp Fiction de Quantin Tarantino.
Esse é o problema para esse humilde blogueiro: o tom que Paul
Thomas Anderson quer dar a uma América hipo-utópica – diferente de uma distopia
clássica, o futuro mostrado no filme já é o nosso presente. Porém, em hipérbole,
desenvolvendo exponencialmente traços ou tendências políticas que já estão
presentes.
Se em Kubrick, a sátira dos métodos abusivos para treinar soldados
como máquinas de matar (com uma cenário parecendo um Mickey Mouse
Clubhouse) tem o peso do trauma da derrota na guerra do Vietnã; ou em
Tarantino, a violência pastiche que
marcou os anos 1990, em Uma Batalha Após Outra temos uma estranha
paródia: um grupo revolucionário caricato com todos os clichês da esquerda
de guerrilha urbana dos anos 1960-70; uma paródia de sociedade secreta que
faria delirar a direita alt-right que inventou a conspiração do “Pizza Gate”; e
os estereótipos dos milicos durões supremacistas brancos.
Qual o assunto do filme? A maneira como Anderson faz uma
caricatura de uma América hipo-utópica é apenas para transformar tudo em
cenário – como se a obsessiva perseguição, a sociedade secreta etc, fossem um
gigantesco "McGuffin" – em roteiro, para designar um elemento narrativo, como um objeto,
pessoa ou evento, que serve como um motivador para os personagens e impulsiona
a trama, mas que, em si mesmo, é de pouca ou nenhuma importância para a
história.
A batalha dos revolucionários contra o governo não é o tema do
filme. Na verdade, é sobre um triângulo amoroso inusitado entre esquerda e
direita e o drama de uma família despedaçada com a busca de um pai pela sua
filha sequestrada.
Além dos filmes de perseguição, Uma Batalha Após Outra
revela uma outra especialidade hollywoodiana: transformar contextos
sócio-políticos em simples cenários para histórias envolvendo amor e família.
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O Filme
Em nenhum momento Uma Batalha Após Outra usa os termos MAGA
ou Antifa. Mas é inegável que ao mesmo tempo que Paul Thomas Anderson pretende criar
uma história atemporal de resistência com representações cinematográficas de
rebelião, o pano de fundo que dá atualidade ao filme é o atual governo de
extrema direita nos EUA e o movimento Antifa, chamado por Trump como “terroristas
domésticos”.
Anderson mergulha o público no ponto de vista dos rebeldes,
imergindo-nos no orgulho recalcitrante e na arrogância de Perfidia Beverly
Hills, uma líder revolucionária interpretada por Teyana Taylor. Sempre com um
sorriso hipnótico de desafio estampado no rosto.
Perfidia se torna parceira, na vida e na revolução, de Bob
Ferguson (Leonardo DiCaprio), um especialista em explosivos desleixado. Enquanto
se infiltram em um centro de detenção de imigrantes e encenam um ataque, podemos
nos perguntar como, exatamente, isso terá impacto em um governo monolítico de
opressão.
Os revolucionários do filme, que se autodenominam os “French 75”, são
figurados com a retórica implacável e a atitude de punho no ar que têm sido a
marca do radicalismo desde o final dos anos 60.
Porém, as ações dos revolucionários parecem inteiramente
quixotescas — uma pequena erupção de perturbação, uma inclinação no moinho de
vento do sistema totalitário. Tudo parece ser apenas performático, sem
estratégia. Apenas para criar a oportunidade para a orgulhosa Perfidia fazer
discursos desafiadores para policiais.
Mas a batalha deles com o governo não é o assunto do filme. Ao
contrário, o tema é um bizarro triângulo amoroso através do qual Anderson
sugere uma perversa ligação entre esquerda e direita política.
De um lado, estão o casal Bob e Perfídia, os bandidos
revolucionários aparentemente "românticos". E então entra em cena
oficial do Exército dos EUA que consegue capturar Perfídia: o Coronel Steven J.
Lockjaw, interpretado de forma magistral por Sean Penn – com uma eterna
carranca caricata de milico linha dura. Tão para não levar a sério quanto os
revolucionários: o nome “Lockjaw” parece um sinal para rir, porque tem
uma vibração tão maluca e metafórica de "Strangelove" do clássico
filme de Kubrick.
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Embora um supremacista branco, o Coronel Lockjaw deseja Perfídia
(uma ativista negra) e passa uma noite secreta com ela, colocando-se em uma
posição sexual passiva em um ato sexual sadomasoquista. E o resultado desse
encontro é que ela engravida. Esse desenvolvimento introduz o tema mais
assombroso do filme: que mesmo os elementos conflitantes de nossa sociedade —
facções ideológicas em guerra, cidadãos de diferentes origens raciais presos em
antagonismo — estão, na verdade, no fundo, profunda e inseparavelmente
interligados.
A história avança quinze anos. A revolução está em frangalhos, e
Bob Ferguson, antes um rebelde famoso, agora é um vagabundo dependente de
substâncias, benignamente inútil, que tenta, à sua maneira desajeitada, cuidar
de sua suposta filha com Perfidia, Willa (Chase Infiniti).
Willa tenta levar a vida normal de adolescente, com festas
escolares e praticando luta marcial na academia de Sensei (Benício Del Toro),
um apoiador secreto de imigrantes ilegais. Através de uma série de eventos
complexos, eles se veem perseguidos pelo oficial militar que se envolveu com
Perfídia anos atrás, o Coronel Lockjaw.
Mas há um plano sinistro em andamento. O Coronel foi convidado a
se juntar uma sociedade secreta chamada “Clube de Aventureiros do Natal”, uma
organização de nacionalistas supremacistas brancos, interpretada por atores
como Tony Goldwyn e James Downey, que conferem grandes privilégios aos seus
membros, mas que exigem (entre outras coisas) pureza racial.
O nome do grupo é obviamente satírico, lembrando as paródias de
teorias conspiratórias alt-right, como o “Pizzagate”.
E quando o Coronel Lockjaw faz qualquer coisa para se juntar a
eles, descobre que podem descobrir a história da sua filha mestiça, o que o
coloca em ação perseguindo Willa para sequestrá-la, antes que os “Aventureiros
do Natal” a descubram.
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A excelência ideológica de Hollywood
E quando o filme nos entrega a excelência do entretenimento
norte-americano: os filmes de perseguição. Principalmente a sequência final onde
Anderson filma os veículos subindo e descendo ladeiras numa estrada no deserto
do Novo México (como algo saído de "Ponto de Fuga" de Michelangelo
Antonioni), quando vemos como Bob irá até os confins da Terra por sua filha.
Mas, também, a função ideológica de hipenormalização,
principalmente dessa agenda da “guerra civil” norte-americana. Na segunda
excelência da indústria do entretenimento: reduzir a complexidade socio-política em uma
história de um pai que, de forma tragicômica e desajeitada, tenta reunir
os cacos da sua família.
E subliminarmente empurrar para o espectador aquilo que este Cinegnose
define como “Semiótica Nem-Nem”: a forma como Anderson entrega não só uma
caricatura da rebelião da resistência como também da caricatura das conspirações
de um “Estado Profundo” composto por sociedades secretas e do Coronel Lockjaw –
a quintessência da paródia dos supremacistas norte-americanos.
Criando uma secreta aliança entre os “extremismos” de esquerda e
direita. Representada na filha mestiça de Perfidia com o Coronel LockJaw. Como
se a América precisasse apenas de “bom senso” para superar as mazelas dos “extremismos”.
Ficha
Técnica |
Título: Uma Batalha Após a
Outra |
Diretor: Paul Thomas Anderson |
Roteiro: Paul Thomas Anderson,
Thomas Pynchon |
Elenco: Leonardo DiCaprio,
Sean Penn, Chase Infiniti, Benício Del Toro |
Produção: Warner Bros., Domain
Entertainment |
Distribuição: Warner Bros.
Pictures |
Ano: 2025 |
País: EUA |